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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, maio 07, 2012

A América Latina será o novo Oriente Médio?

Via Diário Liberdade

south americaAmérica Latina - La Jornada -
Todos os anos a região latino-americana escala posições no ranking geopolítico mundial pelo constante incremento de suas reservas de recursos estratégicos. Quando a Petrobras difundiu, em 2006, a descoberta da camada pré-sal de petróleo, que pode guardar até 100 bilhões de barris de petróleo, o peso do Brasil no mundo cresceu notavelmente, já que em 2020 será o quarto produtor mundial de petróleo. Raúl Zibechi em La Jornada
Tradução de Lucas Morais para Diário Liberdade
Na semana passada soube-se que possui também enormes reservas de gás natural nas regiões do Mato Grosso e em Minas Gerais. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, assegurou que em cinco anos o país terá autossuficiência e se converterá em exportador, ainda que siga importando o gás boliviano (O Globo, 29 de abril de 2012). Até agora o Brasil é um modesto produtor de gás com reservas de 340 bilhões de metros cúbicos, posto de 36 no mundo.
As cifras que foram difundidas pelo governo de Dilma Rousseff elevam as reservas a 7 bilhões de metros cúbicos, o que coloca o país entre as cinco principais reservas de gás do mundo, atrás da Rússia, Irã e Catar, e equivalente à Arábia Saudita. Um salto espetacular, semelhante, segundo Lobão, ao que se deu com a camada pré-sal. Em suma, a sexta economia do mundo se coloca como potência gasífera e petrolífera, em uma região cuja importância em matéria de recursos minerais e energéticos não deixa de crescer.
Apenas um ano atrás, a Venezuela havia substituído a Arábia Saudita como a primeira reserva de petróleo. Além disso, possui a terceira reserva de bauxita, a quarta de ouro, a sexta de gás natural e a décima reserva de ferro do mundo. Em 2007, soube-se que o Peru contém enormes reservas de urânio, disperso em 13 de suas 25 regiões, que já começa a ser exportado na província ao sul de Carabaya, em Puno. A isso deve se somar que o Chile é o maior produtor mundial de cobre, e o Brasil o maior de ferro.
Um informe recente de Metals Economic Group diz que a queda do mercado de ações favorece os investimentos em mineração, que cresceram 44% em 2012 e 50% em 2011, após uma forte queda em 2009 (Tendencias de la exploración mundial 2012). A região latino-americana é o primeiro destino dos investimentos mineradores no mundo, com 25% do total, onde se destacam Chile, Peru, Brasil, Colômbia, México e Argentina, os três últimos por serem grandes produtores de ouro. EM 2003, apenas 10% do investimento minerador mundial se dirigia à América Latina.
Peru é o primeiro destino dos investimentos mineradores na região, seguido pelo México, o Chile e o Brasil. Em 2010, a região provinha 51% da prata do mundo, a metade do lítio, 45% do cobre, 27% de molibdênio, 25% de estanho, 23% do zinco e a bauxita, 19% do ouro e 18% de ferro (Reuters, 16 de abril de 2012). Até 2020, o setor minerador receberá 300 bilhões de dólares de investimento.
Um verdadeiro desastre, já que consolida a dependência da região à exploração e exportação de seus recursos naturais. O jornalista peruano Raúl Wiener sustenta que 30% dos ingressos fiscais de seu país se originam na mineração e que a única forma mais ou menos rápida de incrementar estes fundos no curto prazo e poder levar adiante os programas sociais que todo candidato promete para ganhar as eleições, é com mais investimento em mineração, pelo qual combater esse setor seria fazer um harakiri (La Primera, 12 de abril de 2012).
A região ocupa um lugar destacado não só em reservas de gás natural e de gás de xisto (shale gas), petróleo, minério de ferro, mas também nos mais diversos metais. Para as transnacionais é o momento de fazer negócio. Como evitar esta avalanche de investimentos que depredam a natureza e remarcam nossa dependência? Como fazer para que as riquezas não se convertam em uma maldição, como disse o ex-presidente da Assembleia Constituinte do Equador, Alberto Acosta?
O primeiro ponto é que nos governos não existe clara consciência de que a região é um novo Oriente Médio. Atados a um olhar de curto prazo para aumentar a arrecadação fiscal, nem sequer sabem como farão para defender essas riquezas. A segunda questão é que a resistência dos movimentos, vigorosa e valente, não tem ainda a potência suficiente para frear esse processo. Por cada empreendimento que se freia ou adiar, como o projeto de exploração aurífera de Conga, no Peru, dezenas de outros seguem adiante.
Em terceiro lugar, o único país da região que tem a capacidade tecnológica e financeira para encarar projetos de extração e industrialização dos recursos é o Brasil, através da Vale (segunda mineradora do mundo), Petrobras (quarta petroleira), Braskem (quinta petroquímica) e seus grandes construtoras como Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Queiroz Galvão. E conta com o maior banco de fomento do mundo, o BNDES, para financiar qualquer projeto.
O fracasso da refinaria que as estatais Petroecuador e PDVSA decidiram construir em Manabí, que criaram uma empresa binacional para desenvolver o projeto, mostra os limites das iniciativas regionais. O projeto foi anunciado pelo presidente Rafael Correa em 2008 e nunca se concretizou. Em meados de abril, Correa informou que a China estaria disposta a financiar os 13 bilhões de dólares da Refinaria do Pacífico, que poderia estar pronta em 2016 (La Hora, 21 de abril de 2012). O Equador deveu recorrer à China ante a crise e ruptura com as empresas brasileiras em 2008.
A sensação dominante é que, mais além da vontade dos governos da região, que apontam à aprofundação do modelo extrativo com maior presença estatal, não há condições para evitar as transnacionais. A boa nova, relativa certamente, é que o menu se ampliou: às tradicionais megaempresas do Norte, agora somam-se as chinesas e as brasileiras. Aos que acreditam que são melhores, perguntem aos povos – e também aos governos – que sofrem em estas.
Original em: http://www.jornada.unam.mx/2012/05/04/index.php?section=opinion&article=022a1pol
*GilsonSampaio

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