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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 19, 2012

Antiga sede do DOI-Codi poderá ser tombada

Condephaat aprovou estudo relativo ao prédio situado na Vila Mariana

Por: Vitor Nuzzi, no Rede Brasil Atual
36ª dpO Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), ligada à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, votou nesta semana, por unanimidade, pela abertura de Estudo de Tombamento do edifício que hoje abriga a 36ª Delegacia de Polícia, na rua Tutoia, na Vila Mariana. Durante a ditadura, o local era sede de um dos mais temidos órgãos da repressão: o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna), do II Exército. O pedido, protocolado há pouco mais de dois anos, foi encaminhado pelo presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ivan Seixas, e apoiado por outras entidades.
“Que fique claro, assim, que este estudo de tombamento, se aqui aprovado, versa sobre um 'lugar' definido de forma ampla e intensa, ou seja, um lugar histórico definido pelo vazio e pela aniquilação, o que implica lidar com a memória da dor e com a memória difícil, dentro dos esforços democráticos do nosso país”, afirma em seu parecer, aprovado pelo Condephaat, a professora Cristina Meneguello, do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ela, todo o conselho – integrado por pessoas de diferentes formações – “ficou extremamente sensível” com o caso.
“Era muito necessário que esse tipo de lugar fosse entendido como patrimônio”, observa a historiadora, citando o caso do campo de concentração de Auschwitz, tombado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e considerado patrimônio da humanidade. Tombamento não é apenas para lugares esteticamente bonitos, lembra Cristina.
Ela também recorda em especial da Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), na Argentina, um tristemente famoso centro de tortura, que se tornou o Museu da Memória, e do Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago do Chile. Há o próprio caso da antiga sede do Dops, na região central de São Paulo, que se tornou o Memorial da Resistência. Por sinal, texto publicado no site do Memorial lembra os vários nomes pelos quais era conhecido o prédio da rua Tutoia: “Casa da vovó”, “Hotel Tutoia”, “Inferno” e “Hospital”.
“Dentro das proporções que lhes cabem, tanto no caso da Esma, do Dops ou do museu chileno, assim como em tantos outros memorais destinados a lembrar a barbárie, impera a necessidade de revisitar o passado, devolver dignidade às vítimas e às suas famílias e, por meio de ações educativas, estimular a reflexão para que fatos como estes não mais se repitam.”
“Sempre acreditei que precisávamos tombar aquele espaço, porque era significativo pela lembrança e para que as novas gerações pudessem conhecer um pedaço da história”, acrescenta Ronaldo Bianchi, ex-secretário-adjunto de Cultura do estado, atual vice-presidente da TV Cultura e um dos autores do pedido. Ele defende a necessidade de se criar “um espaço de liberdades individuais, de aceitar a diversidade”, que também faça lembrar de um “momento histórico de intolerância, por um grupo que usurpou o poder”.
Cristina lembra que o prédio da rua Tutoia está completamente descaracterizado e pouco mantém de suas características originais. Mas observa que o interesse é histórico e não arquitetônico. Ainda está lá o pátio, “que apavorava todo mundo”. Ali foi morto, em 1975, o jornalista Vladimir Herzog, entre tantas vítimas do arbítrio e da violência do Estado. “Toda essa discussão é uma ferida aberta”, afirma Cristina. “Quem estuda História tem um dever de memória pelos que se foram.”
*OCarcará

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