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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 15, 2012

A bandidagem quer nos controlar?

 

A polícia e Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte andam atrás de explicações para uma determinada reunião realizada na cobertura de um apartamento em Natal, cujo proprietário é senador da república.

Segundo um vídeo gravado com o depoimento de um dos participantes dessa reunião, tal senador teria recebido um milhão de reais de dinheiro obtido ilegalmente para sua última campanha eleitoral. De quem?

Até aí parece não haver muita novidade sobre o jeitinho de se fazer política no Brasil, isto é, você apoia a minha campanha e depois eu favoreço sua empresa em determinadas licitações. O pior é que tal prática faz parte das nossas campanhas eleitorais há anos e anos e permeia quase todos os partidos do nosso espectro político partidário.

O que chama a atenção é que os envolvidos na tal reunião em Natal tratavam, entre outros negócios, sobre a instalação naquela cidade do sistema Controlar, essa taxa inventada em São Paulo nos últimos anos, onde os veículos automotivos têm que passar por uma inspeção para ver se estão ou não contribuindo para o aumento do nível de poluição ambiental.

Um dos participantes da reunião da cobertura teria vindo a São Paulo com um bom numerário para conseguir a desistência da empresa privada paulista que administra essa fiscalização em nome da prefeitura da cidade, ou seja, viajou com o propósito de fazer um bom negócio para outro grupo, provavelmente ligado ao tal senador da república. Encontro, diga-se de passagem, com o próprio prefeito de São Paulo.

Cabe lembrar, a propósito, que o número de carros de outras cidades e estados que passam pela cidade de São Paulo em um mês ou mesmo um ano é tão grande ou maior quanto os que são obrigados ao tal selinho da Controlar. E qual a razão de ser dessa demoníaca invenção que – ao que consta – ainda não apresentou relatórios e nem os resultados concretos da sua criação, se é que existem? Em outras palavras: algum esperto descobriu mais uma taxa para cobrar do contribuinte paulistano e ganhar muito dinheiro e assim ficamos todos com a consciência ecológica aliviada e os malandros com o bolso cheio.

Cercado pela pseudo seriedade com que se fabricam algumas leis e portarias no Brasil, protegido mais uma vez pela imprensa corporativa e venal, a inspeção de veículos do Controlar é, na prática, mais uma dessas maracutaias bem montadas para tirar dinheiro do incauto contribuinte paulistano. E, pelo visto, a ser exportada para os contribuintes em Natal no Rio Grande do Norte e explorada por alguma empresa que comprou sua participação no negócio afastando a empresa paulistana com um bom numerário trazido na mala de um ‘lobista’.

Na reunião da cobertura do apartamento potiguar, um senador ficou de receber quatro cheques de 250 mil reais para sua última campanha eleitoral. Dinheiro para lá, dinheiro para cá. Do sul para o norte do norte para o sul. Leis e portaria que acabaram por permitir, por exemplo, que em 2012, com o pagamento de uma taxa de R$44,50, o Controlar paulistano fature ao redor de 135 milhões de reais ou mais... Nada mal gastar alguns desses milhões com deputados, senadores, prefeitos, juízes e aumentar o negócio pelo Brasil, não?

Quando se assiste a alguns telejornais no horário nobre; quando se lê os principais jornais do país ou algumas revistas semanais que fazem informação de mão única, há uma pergunta que não quer calar: a bandidagem, com o apoio da mídia, quer nos controlar?



Izaías Almada, dramaturgo e escritor, colunista do NR. Lancou seu novo romance, Sucursal do Inferno, editora Prumo.

* A coluna Revoltas Cotidianas, de Fernando Evangelista, voltará na próxima terça-feira. 
*Notaderodapé

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