Carta Aberta aos Jornalistas
Sobre abusos de programas policialescos na Bahia
"O demo a viver se exponha,Por mais que a fama a exalta,Numa cidade onde faltaVerdade, honra, vergonha."(Gregório de Mattos e Guerra)
Ao governador do Estado da Bahia, Jaques Wagner.
À Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia.
Ao Ministério Público do Estado da Bahia.
À Defensoria Pública do Estado da Bahia.
À Sociedade Baiana.
A reportagem "Chororô na delegacia: acusado de estupro alega inocência",
produzida pelo programa "Brasil Urgente Bahia" e reprisada
nacionalmente na emissora Band, provoca a indignação dos jornalistas
abaixo-assinados e motiva questionamentos sobre a conivência do Estado
com repórteres antiéticos, que têm livre acesso a delegacias para
violentar os direitos individuais dos presos, quando não transmitem (com
truculência e sensacionalismo) as ações policiais em bairros populares
da região metropolitana de Salvador.
A reportagem de Mirella Cunha, no interior da 12ª Delegacia de Itapoã, e
os comentários do apresentador Uziel Bueno, no estúdio da Band,
afrontam o artigo 5º da Constituição Federal: "É assegurado aos presos o
respeito à integridade física e moral". E não faz mal reafirmar que a
República Federativa do Brasil tem entre seus fundamentos "a dignidade
da pessoa humana". Apesar do clima de barbárie num conjunto apodrecido
de programas policialescos, na Bahia e no Brasil, os direitos
constitucionais são aplicáveis, inclusive aos suspeitos de crimes
tipificados pelo Código Penal.
Sob a custódia do Estado, acusados de crimes são jogados à sanha de
jornalistas ou pseudojornalistas de microfone à mão, em escandalosa
parceria com agentes policiais, que permitem interrogatórios ilegais e
autoritários, como o de que foi vítima o acusado de estupro Paulo
Sérgio, escarnecido por não saber o que é um exame de próstata, o que
deveria envergonhar mais profundamente o Estado e a própria mídia, as
peças essenciais para a educação do povo brasileiro.
Deve-se lembrar também que pelo artigo 6º do Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros, "é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao
autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos
na Declaração Universal dos Direitos Humanos". O direito à liberdade de
expressão não se sobrepõe ao direito que qualquer cidadão tem de não ser
execrado na TV, ainda que seja suspeito de ter cometido um crime.
O jornalista não pode submeter o entrevistado à humilhação pública, sob a
justificativa de que o público aprecia esse tipo de espetáculo ou de
que o crime supostamente cometido pelo preso o faça merecedor de
enxovalhos. O preso tem direito também de querer falar com jornalistas,
se esta for sua vontade. Cabe apenas ao jornalista inquirir. Não cabem
pré-julgamentos, chacotas e ostentação lamentável de um suposto saber
superior, nem acusações feitas aos gritos.
É importante ressaltar que a responsabilidade dos abusos não é apenas
dos repórteres, mas também dos produtores do programa, da direção da
emissora e de seus anunciantes - e nesta última categoria se encontra o
governo do Estado que, desta maneira, se torna patrocinador das
arbitrariedades praticadas nestes programas. O governo do Estado precisa
se manifestar para pôr fim às arbitrariedades; e punir seus agentes que
não respeitam a integridade dos presos.
Pedimos ainda uma ação do Ministério Público da Bahia, que fez diversos
Termos de Ajustamento de Conduta para diminuir as arbitrariedades dos
programas popularescos, mas, hoje, silencia sobre os constantes abusos
cometidos contra presos e moradores das periferias da capital baiana.
Há uma evidente vinculação entre esses programas e o campo político, com
muitos dos apresentadores buscando, posteriormente, uma carreira
pública, sendo portanto uma ferramenta de exploração popular com claros
fins político-eleitorais.
Cabe, por fim, à Defensoria Pública, acompanhar de perto o caso de Paulo
Sérgio, previamente julgado por parcela da mídia como "estuprador", e
certificar-se da sua integridade física. A integridade moral já está
arranhada.
Salvador, 22 de maio de 2012.
Em ordem alfabética:
Alana Fraga
Alexandre Lyrio
Altino Machado
André Uzêda
Ana Paula Ramos
André Julião
André Setaro
Breno Fernandes
Camila Soares Gaio
Carolina Garcia
Ceci Alves
Claudio Leal
Débora Alcântara
Eduardo Neco
Elen Vila Nova
Eliano Jorge
Emanuella Sombra
Felipe Amorim
Felipe Mortimer Gomes Carneiro
Flávio Costa
Franciel Cruz
Gabriel Carvalho
Gonçalo Jr.
Helena Palmquist
Herbem Gramacho
Jane Fernandes
João Paulo Oliveira
João Pedro Pitombo
Josélia Aguiar
Juliana Brito
Larissa Oliveira
Leda Beck
Luana Rocha
Lunaé Parracho
Marcelo Brandão
Márcio Orsolini
Marcos Diego Nogueira
Maria Olivia Soares
Mariana Rios
Marlon Marcos
Natália Martino
Nelson Barros Neto
Paulo Sales
Pedro Caribé
Pedro Marcondes de Moura
Rachel Costa
Rita Dantas
Roberto Martins
Rodrigo Cardoso
Rodrigo Meneses
Rodrigo Minêu
Rodrigo Rangel
Rodrigo Sombra
Saymon Nascimento
Thaís Naldoni
Thiago Ferreira
Valmar Hupsel Filho
Vânia Medeiros
Vitor Hugo Soares
Vitor Pamplona
Zoraide Vilasboas
*comtextolivre
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