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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 18, 2012

Corinthians, de tradições e favores mil


Claudio Fernandez
O Vasco fez uma ótima partida. Bem armado, quase não cometeu erros na defesa, bateu de frente com o forte (nos dois sentidos) meio de campo do Corinthians e levou perigo no ataque. O jogo foi rigorosamente o que dele se esperava: duríssimo, equilibrado, disputado a cada tufo de grama e decidido no detalhe. Sim, meus amigos, a partida foi decidida no detalhe, ou melhor, em dois detalhes em um só lance: na cabeçada de Alecsandro, a favor do Vasco; no erro do auxiliar Alessandro Rocha Matos, a favor do Corinthians. “A favor do Corinthians?” A expressão soa tão nova quanto “fogo na roupa” ou “vou levar a pequena na matinê”. Sempre é a favor do Corinthians.
Assim foi em 1997, com o famoso “um, zero, zero” do então presidente corinthiano, Alberto Dualib, flagrado em escuta telefônica contando suas cifras cifradas. Do outro lado da linha, estava o chefe da comissão de arbitragem da CBF, Ivens Mendes.
Assim foi em 2005, quando o Corinthians foi duplamente beneficiado. Na esteira do esquema montado pelo arbitro Edilson Pereira de Carvalho, o time paulista teve dois jogos cancelados e remarcados. Coincidentemente, duas partidas que não havia vencido. No mesmo ano, para completar, houve ainda a célebre arbitragem de Márcio Rezende de Freitas no duelo entre Corinthians e Internacional. Tinga sofreu pênalti. O apitador mineiro não marcou a falta e ainda expulsou o jogador colorado por simulação. E por dissimulação? Ninguém vai expulso?
Assim foi em 2009. Copa do Brasil, Pacaembu. Vasco e Corinthians disputam uma vaga na final. Elton é puxado pela camisa na área e Leonardo Gaciba, que hoje posa de professor de arbitragem na TV, nada marca. Zero a zero e dever cumprido. Corinthians na final.
E assim foi em 2011, no Campeonato Brasileiro. Apenas para citar as maiores aberrações, o Vasco foi garfado contra o Figueirense, em Florianópolis, e nas duas partidas contra o Flamengo. Pontos valiosíssimos ficaram pelo caminho. Corinthians campeão! Sempre o Corinthians!
Sem meias palavras, confesso: estou de saco cheio desse negócio. O lance em que Alecsandro marcou de cabeça era difícil para a arbitragem? Era, e daí? O mínimo que se espera de um sujeito que faz seis anos de medicina é saber diferenciar um infarto de um refluxo gástrico. A questão é outra. Parecer haver um artigo 18, um mandamento escrito a lápis no livro de regras da arbitragem brasileira: in dubio, pro Corinthians (o mesmo se aplica ao Flamengo). Martelo batido e caso encerrado.
E o que fará Roberto Dinamite, diante de mais essa subtração explícita? Vai sorrir seu sorriso nervoso? Vai chorar à la Bebeto de Freitas? Ou vai se portar como o comandante-em-chefe de um dos maiores clubes do Brasil e, no mínimo, constranger publicamente a CBF e a arbitragem nacional, ainda que isso não passe de uma bomba de efeito moral?
E agora eu pergunto: pode um sujeito que até outro dia era presidente de um clube ser diretor da CBF? Pode um cartola com notória influencia nas entranhas políticas desse mesmo clube comandar todas as seleções brasileiras? Pode o ex-treinador desse time assumir a seleção brasileira e convocar uma pá de jogadores do ex-empregador? Pode que alguns desses mesmos atletas sejam rapidamente negociados para o exterior e, depois, nunca mais voltem a ser chamados pelo treinador, como se, da noite para o dia, deixassem de ser jogadores de seleção?
Eu pergunto e respondo: pode. Pode tudo. Pode até o dia nascer infeliz e Fernando Cavendish assumir uma Secretaria de Obras em um canto qualquer da nação. Como dizia Tim Maia, país estranho este Brasil, onde prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme e traficante se vicia. E onde o Corinthians pode tudo sem que se faça nada. Que saudades da boca seca e das pernas trêmulas das velhas matinês!
Leia também Jose Roberto Torero na Carta Capital
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