Corinthians, de tradições e favores mil
Claudio Fernandez
O
Vasco fez uma ótima partida. Bem armado, quase não cometeu erros na
defesa, bateu de frente com o forte (nos dois sentidos) meio de campo do
Corinthians e levou perigo no ataque. O jogo foi rigorosamente o que
dele se esperava: duríssimo, equilibrado, disputado a cada tufo de grama
e decidido no detalhe. Sim, meus amigos, a partida foi decidida no
detalhe, ou melhor, em dois detalhes em um só lance: na cabeçada de
Alecsandro, a favor do Vasco; no erro do auxiliar Alessandro Rocha
Matos, a favor do Corinthians. “A favor do Corinthians?” A expressão soa
tão nova quanto “fogo na roupa” ou “vou levar a pequena na matinê”.
Sempre é a favor do Corinthians.
Assim foi em
1997, com o famoso “um, zero, zero” do então presidente corinthiano,
Alberto Dualib, flagrado em escuta telefônica contando suas cifras
cifradas. Do outro lado da linha, estava o chefe da comissão de
arbitragem da CBF, Ivens Mendes.
Assim foi em
2005, quando o Corinthians foi duplamente beneficiado. Na esteira do
esquema montado pelo arbitro Edilson Pereira de Carvalho, o time
paulista teve dois jogos cancelados e remarcados. Coincidentemente, duas
partidas que não havia vencido. No mesmo ano, para completar, houve
ainda a célebre arbitragem de Márcio Rezende de Freitas no duelo entre
Corinthians e Internacional. Tinga sofreu pênalti. O apitador mineiro
não marcou a falta e ainda expulsou o jogador colorado por simulação. E
por dissimulação? Ninguém vai expulso?
Assim foi
em 2009. Copa do Brasil, Pacaembu. Vasco e Corinthians disputam uma
vaga na final. Elton é puxado pela camisa na área e Leonardo Gaciba, que
hoje posa de professor de arbitragem na TV, nada marca. Zero a zero e
dever cumprido. Corinthians na final.
E assim
foi em 2011, no Campeonato Brasileiro. Apenas para citar as maiores
aberrações, o Vasco foi garfado contra o Figueirense, em Florianópolis, e
nas duas partidas contra o Flamengo. Pontos valiosíssimos ficaram pelo
caminho. Corinthians campeão! Sempre o Corinthians!
Sem
meias palavras, confesso: estou de saco cheio desse negócio. O lance em
que Alecsandro marcou de cabeça era difícil para a arbitragem? Era, e
daí? O mínimo que se espera de um sujeito que faz seis anos de medicina é
saber diferenciar um infarto de um refluxo gástrico. A questão é outra.
Parecer haver um artigo 18, um mandamento escrito a lápis no livro de
regras da arbitragem brasileira: in dubio, pro Corinthians (o mesmo se
aplica ao Flamengo). Martelo batido e caso encerrado.
E
o que fará Roberto Dinamite, diante de mais essa subtração explícita?
Vai sorrir seu sorriso nervoso? Vai chorar à la Bebeto de Freitas? Ou
vai se portar como o comandante-em-chefe de um dos maiores clubes do
Brasil e, no mínimo, constranger publicamente a CBF e a arbitragem
nacional, ainda que isso não passe de uma bomba de efeito moral?
E
agora eu pergunto: pode um sujeito que até outro dia era presidente de
um clube ser diretor da CBF? Pode um cartola com notória influencia nas
entranhas políticas desse mesmo clube comandar todas as seleções
brasileiras? Pode o ex-treinador desse time assumir a seleção brasileira
e convocar uma pá de jogadores do ex-empregador? Pode que alguns desses
mesmos atletas sejam rapidamente negociados para o exterior e, depois,
nunca mais voltem a ser chamados pelo treinador, como se, da noite para o
dia, deixassem de ser jogadores de seleção?
Eu
pergunto e respondo: pode. Pode tudo. Pode até o dia nascer infeliz e
Fernando Cavendish assumir uma Secretaria de Obras em um canto qualquer
da nação. Como dizia Tim Maia, país estranho este Brasil, onde
prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme e traficante se vicia. E onde o
Corinthians pode tudo sem que se faça nada. Que saudades da boca seca e
das pernas trêmulas das velhas matinês!
Leia também Jose Roberto Torero na Carta Capital
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