Delegado Paulo Lacerda espera pedido de desculpas de Gilmar Mendes e Demóstenes
Paulo Lacerda Agência Brasil |
O delegado Paulo Lacerda, que por seis anos e meio dirigiu a Polícia
Federal e a Abin durante os governos Lula, aguarda um pedido de
desculpas. Ele espera (talvez sentado) que Gilmar Mendes, ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) e o senador Demóstenes Torres reconheçam
as respectivas responsabilidades nos seus dois anos e meio de exílio.
Início da tarde de 9 de setembro de 2008. A sessão vai começar em
instantes. O delegado Paulo Lacerda, diretor da Abin, está na ante-sala
da Comissão Mista das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional.
Uma dezena de parlamentares na sala. Sorrateiro, quase sem ser notado, o
senador Demóstenes Torres (DEM-GO), ex-secretário de Segurança Pública
de Goiás, aproxima-se de Paulo Lacerda e diz:
- Eu o conheço. Sei que o senhor é um homem sério e, com certeza, não
está envolvido com estes fatos, com grampos. Estou aqui pessoalmente
para lhe prestar minha solidariedade e demonstrar o meu apreço…
Exatos dois meses antes, a Polícia Federal havia prendido o banqueiro
Daniel Dantas na Operação Satiagraha, comandada pelo delegado Protógenes
Queiroz, hoje deputado federal do PCdoB (SP).
No rastro da operação, e tornados personagens de reportagem da Revista
Veja de 3 de setembro, o senador Demóstenes Torres e Gilmar Mendes,
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), denunciaram: tinham sido
grampeados pela Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, dirigida por
Paulo Lacerda.
O juiz Mendes, em companhia de outros ministros do STF, fora ao Palácio
do Planalto "chamar o presidente Lula às falas". Paulo Lacerda seria
temporariamente suspenso de suas funções; depois, sob intensa pressão
política, seguiu para o exílio. Por quase dois anos e meio, com a
família junto, Paulo Lacerda foi Adido Policial na embaixada do Brasil
em Portugal.
Nessa tarde de 9 de setembro de 2008, Lacerda ouve, perplexo, a
manifestação de solidariedade sussurrada por Demóstenes, justamente um
dos homens que o acusam de ter comandado grampos durante a Satiagraha.
Acusam-no de ter ordenado, ou permitido, escuta ilegal contra um senador
da República e um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Recuperado da surpresa, percebendo a pressa de Demóstenes, prestes a deixar a sala, Paulo Lacerda responde ao senador:
- Que bom que o senhor pensa assim, que vê as coisas desse modo. A
sessão já vai começar e aí o senhor terá a oportunidade de dizer isso,
de dizer a verdade, e esclarecer as coisas…
- Tenho um compromisso, vou dar uma saidinha, mas voltarei a tempo – promete o senador Demóstenes Torres.
A sessão arrastou-se por horas. O senador Demóstenes, o acusador, não voltou.
Naquela tarde, o delegado Lacerda foi duramente questionado. E acusado
de ter montado um esquema de grampos ilegais na Abin. Em vão, ele
repetia:
- Não comandei, não participei, não compactuei, nem tomei conhecimento de qualquer ilegalidade no procedimento da Abin…
Naquele dia, a estrela da comissão foi o senador Arthur Virgílio
(PSDB-AM). Às 16h53, Virgílio perguntou a Paulo Lacerda se o ministro da
Defesa, Nelson Jobim, tinha mentido ao dizer que a Abin possuía
"equipamento de escutas". Lacerda pediu ao senador para "fazer a
pergunta a Jobim".
Levemente exaltado, com um tom avermelhado na pele, o político
amazonense bradou: disse não ser um "preso", nem estar "pendurado" num
pau-de-arara. E que Paulo Lacerda não estava "numa delegacia" e, sim,
numa sessão do Congresso. Como acusado.
Fim da sessão. O senador Arthur Virgílio se aproxima de Paulo Lacerda e discorre sobre o que é a política:
- O senhor entende… eu sou da oposição, temos que ser duros…
Paulo Lacerda é o delegado que comandou a prisão de PC Farias e a
investigação do chamado "Caso Collor", quando mais de 400 empresas e 100
grandes empresários foram indiciados num inquérito de 100 mil páginas.
Tudo, claro, dormitou nas gavetas do Judiciário, ninguém acompanhou nada
e tudo prescreveu.
Anos depois, no governo Lula e com o Ministério da Justiça sob direção
de Márcio Thomaz Bastos, por quase cinco anos Paulo Lacerda dirigiu – e
refundou – a Polícia Federal. A PF teve, então, orçamento que jamais
teve ou voltaria a ter.
Mais de 5 mil operações foram realizadas, centenas de criminosos de
"colarinho branco" foram presos, o PCC foi atacado em seu coração
financeiro. Na Satiagraha, a PF, já sob direção de Luis Fernando Correa,
dividiu-se. Uma banda trabalhou para prender Daniel Dantas e os seus.
Outra banda trabalhou contra a Operação; com a estreita colaboração,
digamos assim, de jornalistas e colunistas que seguem por aí.
Paulo Lacerda, no comando da Abin, foi acusado por um grampo que nunca
ninguém ouviu, que, pelo até hoje se sabe, nunca existiu. Demóstenes e
Gilmar Mendes, por exemplo, nunca ouviram o suposto grampo; souberam por
uma transcrição.
De resto, aquele teria sido um grampo inédito na história da espionagem.
Não flagrou nenhum conversa imprópria. Um grampo a favor.
A Polícia Federal, ao investigar o caso, não encontrou vestígio algum de
grampo feito pela Abin. Mas, claro, a notícia de inexistência do grampo
saiu em poucas linhas, escondida, aqui e ali.
Quase quatro anos depois, caiu a máscara de Demóstenes Torres, o homem
de muitas faces. Uma delas abrigava em seu gabinete uma enteada do
amigo, o ministro Gilmar Mendes.
Paulo Lacerda voltou do exílio. Toca sua vida. E aguarda que Demóstenes
Torres e Gilmar Mendes, entre tantos outros, lhe peçam desculpas.
Bob Fernandes
*GilsonSampaio
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