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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 18, 2012

'Discípula' Dilma homenageia 'mestre' Maria da Conceição Tavares

Via CartaMaior

A economista recebeu o prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia de 2011 das mãos da presidenta Dilma Roussef e disse estar muito otimista com o Brasil. Emocionada, Tavares revelou que foi Darcy Ribeiro quem lhe convenceu a “virar brasileira de fato”, decisão da qual se orgulha: "Ele disse que ao contrário da Europa, que ele não tinha grandes esperanças, com toda razão, o Brasil ele achava que iria ser capaz de construir uma sociedade mais homogênea, multirracial e mais democrática".
Vinicius Mansur
Brasília - A economista Maria da Conceição Tavares foi exaltada na cerimônia em que a presidenta Dilma Roussef lhe entregou o prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia de 2011. Na abertura do evento, na manhã desta quinta-feira (17), o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp, escalou a economista “no time de expoentes da intelectualidade que interpretaram a sociedade brasileira”, ao lado de Gilberto Freire, Celso Furtado, Caio Prado, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Ignácio de Rangel.
“Não é qualquer país que tem o privilégio de contar com uma mulher com a sua força, uma intelectual com o seu brilho e uma militante com a sua lucidez”, elogiou.
O ministro ressaltou as contribuições de Tavares para a formação do pensamento econômico brasileiro, em especial na caracterização do crescimento da economia brasileira nos anos 1960 e 1970 e nas causas da ausência de crescimento nas duas décadas posteriores. Ele também destacou a maneira enfática e consistente com que a economista defendeu a transição do já falido modelo de produção industrial visando a substituição de importações para um modelo auto-sustentável, só possível com investimentos decisivos do setor público. ”A história recente mostrou a falência dos governos em que os ‘booms’ da economia são ditados pelo mercado”, apontou.
Raupp ainda destacou o papel de Tavares na formação de gerações de economistas, que há décadas influenciam ou mesmo definem as políticas públicas no país, e também elogiou o que chamou de “brasilidade”. “Mesmo que tenha nascido em Portugal, Maria da Conceição comporta-se como uma brasileira visceral, autêntica, exemplar para todos os demais brasileiros e brasileiras”, concluiu.
Ao assumir a palavra, emocionada, Tavares revelou que foi Darcy Ribeiro quem lhe convenceu a “virar brasileira de fato”, decisão da qual se orgulha:
“Ele disse que ao contrário da Europa, que ele não tinha grandes esperanças, com toda razão - olha o que está acontecendo, tragédia no meu continente originário -, o Brasil ele achava que iria ser capaz de construir uma sociedade mais homogênea, pluriracial e mais democrática, que ia ter a particularidade de ser a primeira sociedade deste estilo nos trópicos (...) e eu quero dizer que nesse particular, eu estou muito otimista, foi bom ter virado brasileira, foi bom ter feito a luta e é muito bom estar na companhia da minha amiga e querida discípula, a presidenta Dilma e tantos que estão aqui.”
Maria da Conceição Tavares também contou que durante o mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu ir para a política “porque não adiantava mais falar nada, até porque a imprensa não nos dava nem um capítulo, tinha cara de neoliberalismo” e caracterizou este período “estranho, porque os participantes daquele governo eram historicamente progressistas” mas mudaram a Constituição – “aquela que nos custou tanto esforço” - em aspectos vitais. “Vocês imaginam o sofrimento que foi, eu arrebentei minha coluna foi aí”, disse arrancando gargalhadas do público.
Tecendo rápidos comentários sobre a conjuntura econômica mundial, a economista elogiou o Brasil por não ter ”entrado em parafuso” com a “crisona que está aí”, dando os créditos deste feito aos dois governos Lula e a continuação com o governo Dilma. “Espero que ela chegue ao fim do seu mandato com a crise vencida e com os caminhos e a estratégia de desenvolvimento desenhada em bom termo. Ou seja, espero morrer feliz por ser brasileira e infeliz por ser europeia. Isso lamento muito, mas acho que não vou conseguir passar a crise européia”, comentou com seu humor particular.
Por sua vez, a presidenta Dilma Roussef iniciou seu discurso considerando-se uma discípula de Tavares e elogiando seu compromisso com o desenvolvimento do Brasil e da América Latina. “Compromisso que sempre cumpriu tratando a economia como ela deve ser tratada: como economia política”, salientou.
De acordo com a presidenta, não houve momento importante na história do país, nas últimas décadas, sem as considerações da “nossa professora”:
“Nós hoje não admitimos mais a possibilidade de construir um país forte e rico dissociado de melhorias das condições de vida de nossa população, nem tampouco acreditamos mais na delegação da condução de nosso crescimento exclusivamente às forças de auto-regulação do mercado. Crença, aliás, que Maria da Conceição Tavares sempre, corretamente, criticou”.
Prêmio
O Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia completa 30 anos e é realizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em a parceria da Fundação Conrado Wessel e da Marinha do Brasil. Na edição de 2011, o prêmio contemplou a área de Ciências Humanas, Sociais, Letras e Artes.
Maria da Conceição Tavares é a segunda mulher a receber o prêmio, a primeira foi a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz.
Tavares é graduada em Matemática pela Universidade de Lisboa e em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da qual é professora Emérita. Fez mestrado na Universidade de Paris II e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. Aeconomista também lecionou nas universidades Estadual de Campinas (Unicamp), Latinoamericana de Ciencias Sociales da Argentina, Nacional Autonoma do México, Pontifícia Universidade Católica do Chile e na Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre outras. Foi consultora em instituições como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Instituto Nacional de Investigação Científica (Inic), de Portugal.
Entre os prêmios e honrarias recebidas estão o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, Ordem de Bernardo O Higgins, Gran Official, do Governo do Chile, Oficial da Ordem de Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ordem ao Mérito do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Prêmio BNDES de dissertação de mestrado.
Foi deputada federal pelo PT entre 1995 a 1999.
Fotos: Antonio Cruz/ABr
*GilsonSampaio

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