Ex-delegado do DOPS diz o que a ditadura fez com os brasileiros que lutavam por um Brasil mais justo e solidário
Transcrição do depoimento do ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra para o site do livro “Memórias de uma guerra suja” (http://memoriasdeumaguerrasuja.com.br/),
reafirmando o incineramento de corpos de presos políticos na usina
Cambahyba, no município de Campos, região norte do Estado do Rio de
Janeiro.
“É
muito triste para mim falar do que aconteceu naqueles anos horríveis
que passaram na época da repressão. Infelizmente os corpos foram
cremados ali em Campos. Infelizmente a usina pertencia ao senhor Heli
Ribeiro. Eu sei que uma das filhas dele tem se insurgido contra mim,
dizendo que o forno não é compatível para cremar uma pessoa, claro que
é, a boca do forno a perícia vai provar que podia sim e pode uma pessoa
ser colocada ali. E também eu queria lembrar e fazer um apelo à Polícia
Federal, à Procuradoria da República, que fizesse uma perícia, que a
perícia traga a verdade comprove o que eu estou falando. O senhor Heli
Ribeiro era um homem de excelente conduta, bom pai de família, cumpridor
dos seus deveres. Mas naquela época era uma guerra, tinha a esquerda e a
direita. Ele era de direita. Ele era meu amigo. Ele era grande amigo
dos militares, que frequentavam a usina constantemente. Nós chegamos a
usar a usina para treinar tiro lá, e só tinha uma abertura dessas, se
tivesse uma harmonia, uma amizade grande. Como o Exército permitiria
civis irem treinar tiro lá, com munição do próprio Exército? Mas isso é
outro assunto. Quero dizer da tristeza, é tanta tristeza que vem, que me
deixa descontrolado, me entristece ficar falando disso, me entristece
ver a filha dele ficar falando, talvez usando este fato como plataforma
política. Eu quero dizer para ela não faça isso não, do jeito que você
está sofrendo, achando que seu pai está sendo achincalhado, as famílias
das vítimas sofrem muito mais, sofrem há mais de quarenta anos, querendo
saber o destino de seus entes queridos. O que eu estou fazendo agora é
cumprir meu dever de cristão, de temente a Deus, de dizer a verdade. O
que eu estou fazendo agora não é contra o seu Heli Ribeiro, não é contra
o Exército, não é contra a Marinha, não é contra ninguém. É a favor da
verdade. De restaurar o que aconteceu e, se alguém é culpado, nós os
culpados assumamos as nossas culpas e viemos ser submetido à opinião
pública, do mesmo jeito que aqueles pessoas que erraram, que eram de
esquerda pagaram com cadeia. Hoje se está prescrito ou não pelo menos
ficar esclarecido os erros que cometeram. Então eu peço às autoridades
que façam uma investigação séria, isenta, pericie o local. Vamos ouvir
opinião de peritos se pode ou não, se a boca do forno cabe um corpo
humano ou não, porque aí vai ver que eu estou falando a verdade. Ali
foram cremadas as pessoas que eu nominei para os dois repórteres com
quem eu conversei durante dois anos e pouco. Mais uma vez amizade minha
com a família Ribeiro, o meu respeito com a família Ribeiro não vai me
impedir de dizer a verdade. Peço aos descendentes deles, aos filhos de
João, os quais eu conheci crianças, tive em aniversários deles que não
vejam isso como um ataque ao seu avô. Não! Eu estou esclarecendo os
crimes que foram praticados não só por mim, mas por todos aqueles que
lutaram contra a esquerda porque não queriam a abertura. Erramos.
Erramos. O senhor Heli Ribeiro errou? Nem tanto, ele sabia, ele apenas
forneceu o local. O filho dele agiu diretamente comigo sim. Os
funcionários também, sim. Os policiais que ali estiveram comigo, o
Joelson e o Camargo. O Joelson já faleceu, mas o Camargo está vivo pode
vir aí. Eu faço apelo ao Camargo, eu faço apelo ao Vavá, que falem a
verdade. Que esclarecem o que fizemos, nós não temos que nos esconder,
temos que nos submeter aos nossos erros para que sejamos perdoados por
Deus. Se os homens não perdoarem, porque não tem piedade, Deus vai
reconhecer o que nós estamos fazendo ao reconhecer os nossos erros. Mas
uma coisa para ficar bem claro para todos aqueles que vão ouvir esta
gravação, o horário que nós fazíamos este trabalho macabro era entre
22h, 23 horas, horário que as pessoas já estavam mais cansadas, e o Zé
Crente, que era o capataz, tinha todo o domínio sob todo mundo ali e
sempre dava um jeito de não ter ninguém perto do forno quando era feito.
Eu participei diretamente levando, outras vezes eu fiquei na casa, mas
sempre era nesse horário, depois de 23, 22 horas. Mas, infelizmente,
deputada, ali foram cremados corpos. Estou prejudicando seu pai? Não,
estou admitindo a minha culpa, não estou acusando ele de nada. O seu
irmão? Participou. O seu irmão buscou armas comigo no Rio. O Vavá
participou, buscou armas comigo no Rio. Nós cremamos corpos ali, sim.
Mais uma vez eu repito: o forno, a boca ali, cabe perfeitamente um corpo
humano. A perícia vai trazer quem está falando a verdade”.
*GilsonSampaio
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