Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, maio 17, 2012


Ex-delegado do DOPS diz o que a ditadura fez com os brasileiros que lutavam por um Brasil mais justo e solidário

Transcrição do depoimento do ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra para o site do livro “Memórias de uma guerra suja” (http://memoriasdeumaguerrasuja.com.br/), reafirmando o incineramento de corpos de presos políticos na usina Cambahyba, no município de Campos, região norte do Estado do Rio de Janeiro.
“É muito triste para mim falar do que aconteceu naqueles anos horríveis que passaram na época da repressão. Infelizmente os corpos foram cremados ali em Campos. Infelizmente a usina pertencia ao senhor Heli Ribeiro. Eu sei que uma das filhas dele tem se insurgido contra mim, dizendo que o forno não é compatível para cremar uma pessoa, claro que é, a boca do forno a perícia vai provar que podia sim e pode uma pessoa ser colocada ali. E também eu queria lembrar e fazer um apelo à Polícia Federal, à Procuradoria da República, que fizesse uma perícia, que a perícia traga a verdade comprove o que eu estou falando. O senhor Heli Ribeiro era um homem de excelente conduta, bom pai de família, cumpridor dos seus deveres. Mas naquela época era uma guerra, tinha a esquerda e a direita. Ele era de direita. Ele era meu amigo. Ele era grande amigo dos militares, que frequentavam a usina constantemente. Nós chegamos a usar a usina para treinar tiro lá, e só tinha uma abertura dessas, se tivesse uma harmonia, uma amizade grande. Como o Exército permitiria civis irem treinar tiro lá, com munição do próprio Exército? Mas isso é outro assunto. Quero dizer da tristeza, é tanta tristeza que vem, que me deixa descontrolado, me entristece ficar falando disso, me entristece ver a filha dele ficar falando, talvez usando este fato como plataforma política. Eu quero dizer para ela não faça isso não, do jeito que você está sofrendo, achando que seu pai está sendo achincalhado, as famílias das vítimas sofrem muito mais, sofrem há mais de quarenta anos, querendo saber o destino de seus entes queridos. O que eu estou fazendo agora é cumprir meu dever de cristão, de temente a Deus, de dizer a verdade. O que eu estou fazendo agora não é contra o seu Heli Ribeiro, não é contra o Exército, não é contra a Marinha, não é contra ninguém. É a favor da verdade. De restaurar o que aconteceu e, se alguém é culpado, nós os culpados assumamos as nossas culpas e viemos ser submetido à opinião pública, do mesmo jeito que aqueles pessoas que erraram, que eram de esquerda pagaram com cadeia. Hoje se está prescrito ou não pelo menos ficar esclarecido os erros que cometeram. Então eu peço às autoridades que façam uma investigação séria, isenta, pericie o local. Vamos ouvir opinião de peritos se pode ou não, se a boca do forno cabe um corpo humano ou não, porque aí vai ver que eu estou falando a verdade. Ali foram cremadas as pessoas que eu nominei para os dois repórteres com quem eu conversei durante dois anos e pouco. Mais uma vez amizade minha com a família Ribeiro, o meu respeito com a família Ribeiro não vai me impedir de dizer a verdade. Peço aos descendentes deles, aos filhos de João, os quais eu conheci crianças, tive em aniversários deles que não vejam isso como um ataque ao seu avô. Não! Eu estou esclarecendo os crimes que foram praticados não só por mim, mas por todos aqueles que lutaram contra a esquerda porque não queriam a abertura. Erramos. Erramos. O senhor Heli Ribeiro errou? Nem tanto, ele sabia, ele apenas forneceu o local. O filho dele agiu diretamente comigo sim. Os funcionários também, sim. Os policiais que ali estiveram comigo, o Joelson e o Camargo. O Joelson já faleceu, mas o Camargo está vivo pode vir aí. Eu faço apelo ao Camargo, eu faço apelo ao Vavá, que falem a verdade. Que esclarecem o que fizemos, nós não temos que nos esconder, temos que nos submeter aos nossos erros para que sejamos perdoados por Deus. Se os homens não perdoarem, porque não tem piedade, Deus vai reconhecer o que nós estamos fazendo ao reconhecer os nossos erros. Mas uma coisa para ficar bem claro para todos aqueles que vão ouvir esta gravação, o horário que nós fazíamos este trabalho macabro era entre 22h, 23 horas, horário que as pessoas já estavam mais cansadas, e o Zé Crente, que era o capataz, tinha todo o domínio sob todo mundo ali e sempre dava um jeito de não ter ninguém perto do forno quando era feito. Eu participei diretamente levando, outras vezes eu fiquei na casa, mas sempre era nesse horário, depois de 23, 22 horas. Mas, infelizmente, deputada, ali foram cremados corpos. Estou prejudicando seu pai? Não, estou admitindo a minha culpa, não estou acusando ele de nada. O seu irmão? Participou. O seu irmão buscou armas comigo no Rio. O Vavá participou, buscou armas comigo no Rio. Nós cremamos corpos ali, sim. Mais uma vez eu repito: o forno, a boca ali, cabe perfeitamente um corpo humano. A perícia vai trazer quem está falando a verdade”.
*GilsonSampaio

Nenhum comentário:

Postar um comentário