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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 22, 2012

Guerra e “cheeseburgers”

 

Pepe Escobar, Asia Times Online - THE ROVING EYE
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Um espectro rondaa Europa [1]. Não, não é o comunismo. São as agências norte-americanas de avaliação de risco. A Grécia está quebrada; a Eurozona está a ponto de rachar; o banco JP Morgan comete “erros” de bilhões de dólares; empregos, não há (nem futuro) para as novas gerações. E, mesmo assim, o braço armado do 0,1% das elites ocidentais ocupa Chicago – convertida em cidade-estado policial orweliana – para discutir uma “defesa inteligente” [orig. smart defense].
No Afeganistão, a “inteligente” Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) prepara-se, de fato, para uma fuga humilhante. “Defesa inteligente” é palavra em código para “o dinheiro sumiu”. Só cinco, dos 28 estados-membros da OTAN gastam 2% dos respectivos PIBs com os militares – como quer a OTAN. Um desses era – surpresa! – a Grécia. Eis a trilha rumo ao desastre certo, para o neoliberalismo armado. Primeiro, a Grécia foi mais ou menos obrigada a comprar submarinos caríssimos, de franceses e alemães; depois, foi obrigada a fazer cortes no orçamento. É o plano de ajuda da OTAN: “food for subs”, vocês nos dão comida, nós lhes vendemos submarinos.
Os EUA pagam nada menos que 75% das contas da OTAN – mais uma demonstração cabal de que a OTAN é o braço europeu, armado, do Pentágono. Mas, em 2011, os membros da União Europeia (EU) gastaram nada menos que $180 bilhões, em Defesa. Agora, acabou. Ninguém mais tem dinheiro. Quer dizer: doravante, o Pentágono, sozinho, terá de manter a máquina em operação.
E mantê-la-á – com folga. Como esperado, ontem, domingo, na Chicago ocupada, a OTAN aprovou – melhor ainda: o presidente Barack Obama dos EUA e seus aliados “acabam de decidir” – dar prosseguimento à primeira das quatro fases do escudo norte-americano antimísseis para a Europa.
Na prática, significa um navio de guerra dos EUA armado com interceptores ancorado no Mediterrâneo; e um sistema de radar da OTAN, instalado na Turquia e controlado do quartel-general em Ramstein, na Alemanha. A vasta (e crescendo) base militar em Ramstein é comandada por um general norte-americano. Mas, segundo o jornal turco Zaman, haverá um general turco, lá, como subcomandante. É a cenoura que coube à Turquia, por ter feito campanha a favor de mudança de regime na Síria.
Cheeseburger na Russia
Os que acreditam no que a OTAN diz pelos veículos da imprensa-empresa – que o tal escudo nada tem a ver com a Rússia e é defesa contra os mísseis do Irã “do mal” – melhor fariam se se aliassem a Alice no País das Maravilhas. Para todos os objetivos práticos, o comandante do exército russo, general Nikolai Makarov, já disse que a Rússia responderá, com uma base de mísseis Iskander de curto-alcance em Kaliningrad, junto à fronteira com a Polônia. É fácil tirar a OTAN de dentro da Guerra Fria, mas ninguém tira a Guerra Fria de dentro da OTAN.
No ponto, nem mal-passado nem bem-passado, sem ketchup
Sobre o Afeganistão, o que a Casa Branca espalha pelos veículos da mídia-empresa é que Obama recomendou ao presidente afegão Hamid Karzai que “implemente a reforma eleitoral, ponha fim à corrupção e pressione os Talibã para um acordo”. É além de delírio desejante: acreditar que o sistema super corrompido de Karzai se “autorreformará” é como crer que a Casa de Saud seja amante da democracia jeffersoniana. Se houver qualquer coisa semelhante a “reforma eleitoral”, os aliados de Washington perderão, por muito tempo, todas as eleições que se inventem. E é o Talibã quem pode obrigar Karzai a fazer algum acordo, não o contrário.
Assim sendo, o que sobra, para salvar a civilização ocidental? Com batatas fritas à francesa, não à moda “liberdade”.
Dessa nova diplomacia cheeseburger, selada no Salão Oval, entre Obama e o novo presidente da França, François Hollande, espera-se que salve a Grécia, erga a Eurozona e dê nova partida, afinal, na economia dos EUA, bem a tempo para as eleições presidenciais de novembro nos EUA. Como é que os indômitos "Cinco", da cadeia EUA de búrgueres, não pensaram nisso antes?
Eis o cálculo de Obama:
Se o Republicano Mitt Romney for eleito em novembro, estaremos ainda mais ferrados do que estamos hoje. Preciso de empregos. Preciso de economia em recuperação. Preciso que os malditos europeus ponham ordem na casa. Não posso ficar sentado aqui, à espera de que eles resolvam o problema grego: tenho de vencer uma eleição!
Eis o cálculo de Hollande:
Minha eleição está vencida. Prometi empregos e crescimento. Agora, preciso de uma coalizão de vontades só minha – para o crescimento; ou seremos atropelados pela extrema direita, em todas as urnas. Mon Dieu, por que “Onxelá” – codinome, chanceler alemã Angela Merkel – não entende isso?
Para o duo franco-americano, é situação de ganha-ganha. A política econômica de Hollande é, de fato, a economia política do Obama Team. Com certeza já expuseram a (nova) lei a “Onxelá”, no plácido retiro de Camp David, no G-8 – protegidos das agruras do mundo real por um exército suficiente para executar qualquer mudança de qualquer regime em qualquer lugar, em cinco minutos.
Problema é que, nem Barack, nem François avisaram o Deus do Mercado – nem os bancos europeus e norte-americanos – sobre seus projetos. Os Mestres do Universo não dão bola alguma para a Grécia, berço da democracia; querem é a grana deles, de volta.
Obama tem pressa. O atual Supremo Interventor italiano, Mario Monti – ex-Goldman Sachs – talvez tenha credibilidade de mercado, para convencer Berlim e a Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional) de que, ou a Europa cresce, ou não haverá dinheiro para ninguém. Mas Obama também precisa de um aliado estratégico político. E, com certeza, não será “Onxelá”, a dominatrix da austeridade.
Filet mignon à iraniana
Prefiro um bife
O problema é que esses cheeseburgers estão encharcados de óleo. Petróleo iraniano. Obama faz-se de durão contra o Irã, essencialmente por razões eleitorais. Nos próximos cinco meses, bem poderia conseguir redirecionar o debate, não fossem os europeus que – obedecendo ordens suas, de fato – podem fazer valer o boicote contra o petróleo do Irã, a iniciar-se dia 1º de julho p.f.. Obama teme a consequência inevitável do boicote: os preços do petróleo, na estratosfera. Se isso acontecer, bye bye recuperação europeia, a ser seguido, claro, por bye bye reeleição de Obama.
Isso é que torna ainda mais sumarenta a próxima rodada de conversações em Bagdá, essa semana, entre o Irã e as nações do P5+1. Do ponto de vista do Obama Team, o melhor cenário possível seria... Vamos concordar que temos de conversar um pouco mais.
Com isso, Obama ganharia uma janela pela qual pressionar – com a ajuda de Hollande – a favor da ideia de a Europa esquecer o boicote ao Irã, pelo menos enquanto prosseguirem as conversações entre as partes e, no mínimo, pelos próximos seis meses. Afinal, o pacote de sanções ultra debilitantes lá está e lá continua – e não há dúvidas de que está fazendo sofrer a população iraniana, muito mais do que a liderança em Teerã.
A única coisa que importa ao Obama Team, acima de tudo no mundo, é garantir a vitória, dia 4/11. Essa diplomacia cheeseburger funcionará? Ou Mitt Romney contra-atacará, prometendo política de “nenhum bife abandonado na retaguarda”, com muito ketchup iraniano?
Nota dos tradutores
[1] É a frase de abertura do Manifesto Comunista (1848), de Marx e Engels. Acesse o “link”, excelente tradução.
*GilsonSampaio

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