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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, maio 20, 2012

Hugo Chávez dá lição de economia política à Europa

 



Richard Gott*, Guardian, UK, reproduzido em Commondreams
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
“A rejeição de Hugo Chávez às políticas neoliberais que arrasam a Europa são um exemplo de esperança para a Grécia e demais países”
Há alguns anos, viajando no avião presidencial de Hugo Chávez da Venezuela com um colega francês de Le Monde Diplomatique, nos perguntaram o que, na nossa opinião, estava acontecendo na Europa. Haveria espaço para algum movimento na direção da esquerda? Respondemos no tom depressivo e pessimista típico dos primeiros anos do século 21. Nem na Grã-Bretanha, nem na França, nem em lugar algum da Eurozona, víamos qualquer chance de mudança significativa no campo político.
Hugo Chávez e correligionários falam de um socialismo para o século 21, não de  retorno à economia de estilo soviético. (Foto: Handout/Reuters)
“Nesse caso”, disse o presidente Chávez com uma piscadela, “talvez possamos ajudá-los”. E relembrou o momento, em 1830, quando massas revolucionárias nas ruas de Paris sacudiam no ar bonés iguais ao de Simón Bolívar, em homenagem ao venezuelano e libertador da América Latina, que morreria no final daquele ano. A luta de Bolívar pela independência e liberdade, ao estilo latino-americano, era vista então como o caminho que a Europa devia seguir.
Naquele momento, senti-me entusiasmado, mas não persuadido, pelo otimismo de Chávez. Hoje, penso que o presidente estava certo.
Lembrei que Alexis Tsipras, líder do partido da esquerda grega radical, Syriza, visitou Caracas em 2007 e fez consultas sobre a possibilidade de, no futuro, a Grécia receber petróleo venezuelano a preços especiais, como Cuba e outros países do Caribe e América Central. Houve um momento, em que Ken Livingstone, trabalhista inglês, e Chávez, prepararam um acordo de petróleo entre Londres e Caracas que parecia promissor, até ser rejeitado por Boris Johnson.
Mais importante que poder oferecer petróleo barato, é a força do exemplo. Desde a virada do século, de fato desde antes, Chávez trabalha num projeto que rejeita a economia neoliberal que flagela a Europa e grande parte do mundo ocidental.
Opôs-se sempre às receitas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, e luta incansavelmente contra as políticas de privatização que corroeram o tecido econômico e social na América Latina e com as quais, hoje, a União Europeia ameaça destruir a economia grega.
Chávez re-estatizou muitas indústrias, inclusive petróleo e gás, que haviam sido privatizadas nos anos 1990s.
As palavras e a inspiração de Chávez tiveram efeito muito além das fronteiras da Venezuela. Encorajaram a Argentina a não continuar pagando a dívida externa; a “dar calote” nos credores, para reorganizar a economia nacional e, em seguida, a reestatizar sua indústria do petróleo.
Chávez ajudou Evo Morales da Bolívia a administrar a indústria nacional de petróleo e gás para benefício do país, não dos acionistas estrangeiros e, mais recentemente, a por fim ao assalto, pela Espanha, contra os lucros da indústria de energia elétrica na mesma Bolívia.
Mais que tudo isso, Chávez mostrou aos países latino-americanos que havia alternativa ao discurso dos neoliberais que, por décadas, foi o único que se ouviu nos continente, na fala de governantes eleitos por uma mídia-empresa comprometida ainda com a ideologia neoliberal, já ultrapassada.
Agora, é hora de a mensagem de Chávez ser ouvida ainda mais longe, também pelos eleitores na Europa.
Na América Latina, governos que seguiram essa via política alternativa e rejeitaram as políticas neoliberais, já foram eleitos e reeleitos [em alguns casos, mais de uma vez, como no Brasil da presidenta Dilma Rousseff], o que mostra que o caminho inaugurado pela política de Hugo Chávez é efetivo e popular.
Na Europa, governos ainda eleitos para repetir a cartilha neoliberal têm fracassado, todos eles, logo no primeiro turno das eleições – o que sugere que já não contam com apoio eleitoral.
Chávez e seus companheiros, na nova “Revolução Bolivariana”, clamam por um “socialismo do século 21”, não pelo retorno à economia ao estilo soviético nem pela continuação de alguma variante mundana, social-democrata, de capitalismo “adaptado”, mas – como disse o presidente do Equador, Rafael Correa –, pelo restabelecimento do planejamento nacional pelo estado, “para o desenvolvimento da maioria da população”.
A Grécia tem agora uma maravilhosa oportunidade para mudar a história da Europa, e outra vez tomar as ruas, erguendo seus bonés de Bolívar, como fizeram, daquela vez, em Paris, os carbonari italianos.
Lord Byron, que planejava fixar-se, para viver, na Venezuela de Bolívar, antes de embarcar para ajudar na guerra de independência da Grécia, batizou seu navio de “Bolívar”. O que se vê no mundo no século 21, com certeza o encheria de entusiasmo.
Richard Gott* é escritor e historiador. Trabalhou por muitos anos no The Guardian como um auto-líder, Correspondente Estrangeiro e como o Editor de Assuntos Especiais. Escreveu o compêndio: “Cuba: Uma Nova História”, publicado pela Yale University Press
*GilsonSampaio

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