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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 18, 2012

Metrô tucano põe população em risco

Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:

O Metrô de São Paulo foi, durante anos, modelo de transporte urbano na América do Sul. Tenho um tio que desempenhou um papel de alguma importância na concepção e implementação da primeira linha, inaugurada em 1972, e, embora eu fosse muito pequeno para lembrar, sei que ele viajara anos antes ao México para estudar o metrô da capital daquele país, que teria sido a principal referência para seu similar paulistano.


Piora sensível

No decorrer de pelo menos duas décadas, “pegar o metrô” em São Paulo era não apenas usufruir de um meio de transporte rápido e eficiente, mas vivenciar uma experiência urbana que tinha até um certo charme, advindo do ar futurista do trem e das estações, da atmosfera clean, da sensação de frescor proporcionada pelo sistema de ventilação, da civilidade de quase sempre viajar sentado, lendo um livro ou vendo as moças, sem qualquer preocupação com acidentes ou assaltos.

O tom saudosista do parágrafo acima não é gratuito. O caráter idílico-modernista das viagens de metrô pertence a um passado distante, e há tempos que fazer uso de tal meio de transporte corresponde, na mais das vezes, a vivenciar uma experiência que oscila do penoso ao insuportável.

Denúncias e mortes
A passagem de um passado modelar para um presente infernal é reflexo direto do descaso com que os governos peessedebistas – no poder há mais de 17 anos – vêm tratando os serviços essenciais à população, seja no transporte, na saúde ou na educação.

No caso do Metrô, a situação se agrava a partir da primeira eleição de Geraldo Alkmin, que para governador, seguida da temerária gestão Serra. No período, iniciam uma queda de braço com o sindicato e com a Justiça por quererem impor um modelo de privatização do tipo UPP em que o Estado não só garante um faturamento mínimo (e o cobre, com dinheiro do contribuinte, se não alcançado), como ainda investe cerca de 73% do custo das obras, mais melhorias eventuais.

O resultado não demora a aparecer: em meio a denúncias acerca da qualidade do material empregado na construção e das condições de insegurança dos trabalhadores, em janeiro de 2007 ocorre um desabamento de grandes proporções em um dos canteiros de obra da Via Amarela, na Marginal Pinheiros, gerando uma cratera enorme (foto), no maior acidente em obras de transporte da história da cidade, que matou sete pessoas, interditou 55 casas, sete das quais tiveram de ser demolidas. Blindado pela mídia, como de costume, a reação de Serra foi se esconder e fingir que não era com ele. O caso dorme na letárgica Justiça paulista.

Lata de sardinha
A partir daí, o sucateamento do metrô é cada dia mais visível, até chegar ao caos de nosso dias: há uma redução drástica de bilheterias abertas, provocando enormes filas; todas as linhas pioram, particularmente a linha Vermelha (Leste-Oeste), que atinge um ponto de saturação, fazendo com que viajar em seus trens entre as eis e as nove da manhã e entre as cinco da tarde e oito da noite, em vagões muito mais lotados do que o humanamente tolerável, signifique enfrentar um desconforto extremo, correndo risco de asfixia, torções e fraturas.

Em épocas eleitorais, o governo inaugura, com muito marketing e carnaval da mídia amiga, um par de estações, enquanto achata os salários dos trabalhadores (do que foi, um dia, um setor trabalhista cobiçado pelo funcionalismo estadual). Fora isso, a única coisa que tem avançado no metrô paulistano é o preço da passagem, que há anos não conta mais com os bilhetes múltiplos que aliviava o bolso dos usuários. Na outra ponta, o sindicato vem há tempos fazendo alertas a repeito de sobrecarga de trabalho, pessoal insuficiente e riscos iminentes.

Crônica de uma tragédia anunciada
O acidente de hoje, que feriu 107 pessoas, era, portanto, uma possibilidade no ar, perceptível por qualquer pessoa com senso de atenção, e prenunciado repetidas vezes por sindicalistas, experts e por aqueles minimamente familiarizados com a derrocada do metrô. E é importante ter-se claro que a batida entre os trens só não resultou em uma tragédia de proporções maiores graças à destreza de um dos condutores, que colocou o sistema no manual a tempo de frear (quando o sistema automático dera um comando para o trem acelerar em direção a outro à sua frente).

Porém, que sirva como um alerta: se nada de realmente efetivo, para além das maquiagens, panaceias e truques eleitorais for feito, se o porquê de não ter sido verificada a denúncia sobre falhas que o diretor do sindicato alega ter recebido, o risco de tragédia continua, infelizmente, iminente.
*Miro

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