Nos EUA, vítimas de esterilização forçada lutam para receber indenizações
Via Ópera Mundi
Leis estaduais permitiam a prática da eugenia até 1979 nos EUA; só Carolina do Norte planeja reparar vítimas
Southernstudies.org
Mulheres protestam contra política de esterilização nos anos 70 nos EUA; principais alvos eram negros e outras minorias
Durante
74 anos, leis que autorizavam a esterilização compulsória de pessoas
consideradas "incapazes" vigoraram nos Estados Unidos. Como resultado
dessas políticas de eugenia, que miravam principalmente mulheres, negros
e pessoas consideradas mentalmente incapacitadas, aproximadamente 60
mil norte-americanos foram privados do direito à reprodução. Amaparados
por suas famílias, os sobreviventes dessas ações lutam agora pelo
direito de serem indenizadas.
Embora muitos
desses Estados tenham pedido formalmente desculpas por esse capítulo de
suas histórias, até hoje, apenas a Carolina do Norte tem dado passos
para compensar as vítimas financeiramente. Em janeiro, um grupo de
trabalho do governo estadual recomendou um valor de 50 mil dólares para
cada pessoa atingida, e o governador Bev Perdue separou 10,3 milhões de
dólares para cobrir o custo. Cerca de 2 mil afetados que continuam vivos
podem ser beneficiados.
Ironicamente, esse
Estado foi um dos principais aplicadores dessa política (cerca de 7.600
habitantes foram esterilizados entre 1929 e 1974 – muitos nem tiveram
ciência de que estavam sendo submetidos a essas operações). Essas
pessoas eram consideradas “deficientes mentais” e “impróprias para a
reprodução”. Dentre eles, 48% eram mulheres e 40% eram negros ou índios.
A prática já era aplicada e tolrada desde o
século XIX, mas foi legalizada pela primeira vez na Pensilvânia em 1905 e
abolida definitivamente em 1979, com a última revogação decretada no
Estado da Virgínia. A Califórnia foi, de longe, o Estado que mais
executou essa medida, em 20.108 habitantes, cerca de um terço das
esterilizações em todo o país. No total, 32 Estados norte-americanos
adotaram essa prática durante o século XX.
Vítimas
Um dos casos mais dramáticos é o de Elaine Riddick, uma mulher negra com 60 anos. Ela testemunhou ao site Mother Jones
que, em 1968, quando era apenas uma adolescente de 14, foi estuprada e
engravidada por um vizinho. A comissão estadual de eugenia a declarou
“intelectualmente débil” e “promíscua”. E, assim que deu à luz a seu
único filho, foi esterilizada pelos médicos. Por ser menor de idade, era
necessária uma permissão dos parentes. Coube à sua avó analfabeta
assinar a permissão com um “X”. Para Tony, filho de Elaine, é como se
ela tivesse sofrido um segundo estupro, só que cometido pelo Estado.
Uma
das últimas vítimas foi Janice Black, também negra, e residente de
Charlotte. Quando ela era adolescente, sua família decidiu que ela não
deveria ter filhos, e assistentes sociais ligados a ela a classificaram
como “intelectualmente débil”. Em 1971, Janice só sabia assinar seu
nome, e aceitou ser operada. Atualmente, ela trabalha na limpeza de
equipamentos no mesmo hospital em que sua meio-irmã a levou para ser
esterilizada, há 40 anos. “Sinto que não fui tratada honestamente, como
se não fosse um ser humano”, protesta ao site.
Charles
Holt, branco, recebeu contra sua vontade uma vasectomia em 1968,
enquanto vivia, ainda adolescente, em um abrigo do Estado para pessoas
com problemas emocionais – devido ao julgamento feito por um assistente
social. A comissão de eugenia o liberou quando ele fez 19 anos, logo
depois que ele foi esterilizado. Seus pais concordaram como
procedimento, mas Holt só soube anos depois que foi submetido à
operação. “O médico disse que eu poderia voltar para a casa se eu
fizesse uma operação”, afirmou, sem que tenham dito a verdadeira
finalidade.
Um ano depois, ele se apaixonou e
começou a ter planos para formar uma família, quando descobriu que era
estéril. Entrou em depressão e sofreu de alcoolismo. Só se recuperou
após ajudar a criar três crianças. Anos depois, ganhou deles oito netos.
“Ele teria sido um pai (biológico) formidável, seus filhos teriam
disciplina e educação. Ele sabe e sempre soube tomar conta de crianças:
troca fraldas, cozinha, limpa e, mais importante, sabe amar”, diz
Melissa Hyatt, uma de suas filhas adotadas.
Para
ela, cada vítima mereceria pelo menos um milhão de dólares, já que cada
um recebeu uma sentença perpétua. “Não ficaram 20 anos atrás das
grades, mas sofreram cicatrizes mentais e emocionais pagando por algo
que eles nunca fizeram”, protesta.
*Com informações do site Mother Jones.
*GilsonSampaio
A GUERRA CONTRA OS FRACOS NASCEU NOS EUA
Os Estados Unidos são tidos como um dos
países onde a democracia nasceu e criou raízes. Isso é verdade, mas
frequentemente se esquece que essa mesma democracia, que garantiu as liberdades
individuais e civis, tinha aspectos oligárquicos. Tanto que o país conviveu com
a escravidão por quase cem anos e depois disso com uma política de apartheid
nos estados sulistas que duraria até os anos 1960 do século passado.
Mas há uma
coisa que poucos sabem: durante 74 anos, a democracia americana tinha leis que
autorizavam a esterilização compulsória de pessoas consideradas “incapazes” ou
“inferiores” – fossem negros, deficientes mentais ou mulheres. A isso se dá o
nome de eugenia, prática de “purificação racial” hoje condenada e que
normalmente é associada ao nazismo, mas que nasceu na Inglaterra e foi aplicada
nos EUA e – pasmem! – na Suécia. Nos EUA, cerca de 60 mil cidadãos americanos
foram esterilizados entre 1929 e 1979 e muitos sequer foram informados de que
estavam sendo submetidos a essas operações. Entre eles, 48% eram mulheres e 40%
negros ou indígenas. A progressista Califórnia foi o estado que mais adotou
essa medida, esterilizando cerca de 20 mil – um terço do total.
Em 2004 fiz uma resenha para a IstoÉ de um
livro, A Guerra contra os Fracos, de Edwin Black, que retrata essa tragédia
As raízes do Holocausto
Adolf Hitler copiou de eugenistas americanos
política que eliminava "raças inferiores"
Cláudio
Camargo
Algumas
palavras ficaram tão associadas a crimes aberrantes que simplesmente
desapareceram do vocabulário corrente. É o caso da “eugenia” ou “higiene racial”,
um movimento racista e pseudocientífico surgido no início do século XX que
classificava as pessoas segundo a hereditariedade, esterilizando os “incapazes”
(doentes mentais, epilépticos, alcoólatras, criminosos comuns, deficientes
visuais, pobres, mas também negros, judeus, poloneses...) com o objetivo de
preservar e ampliar a “raça superior”, branca e nórdica. Embora tenha sido
aplicada em escala industrial e genocida apenas na Alemanha nazista, a eugenia
tomou corpo e ganhou forma e robustez nos EUA. Os epígonos de Hitler apenas
copiaram e universalizaram o modelo. Essa incrível história, pouco conhecida, é
contada agora, num minucioso relato, em A
guerra contra os fracos – a eugenia e a campanha norte-americana para criar uma
raça superior, do jornalista americano Edwin Black.
Nos
domínios de Tio Sam, berço da democracia moderna, a eliminação de grupos
étnicos indesejáveis não foi perpetrada por sinistras tropas de assalto, como
no III Reich, mas por “respeitados professores, universidades de elite, ricos
industriais e funcionários do governo”. Criada na Inglaterra no século XIX pelo
matemático Francis J. Galton, a eugenia (composta do grego “bem nascido”)
atravessou o oceano e encontrou campo fértil em terras americanas. Sob a batuta
do zoólogo Charles Davenport, o movimento eugenista obteve apoio de
instituições renomadas, como a Carnagie Institution – que montou a primeira
empresa de eugenia em Long
Island –, da Fundação Rockefeller e de uma plêiade de
acadêmicos, políticos e intelectuais.
O movimento cativou tanto a elite americana da época que, a partir de 1924,
leis que impunham a esterilização compulsória foram promulgadas em 27 Estados
americanos, para impedir que determinados grupos tivessem descendentes. Uma
vasta legislação proibindo ou restringindo casamentos também foi criada para
barrar a miscigenação. Confrontada com tamanha violação dos princípios da
Constituição americana, a Suprema Corte deu sua bênção à eliminação dos mais
fracos. “Em vez de esperar para executar descendentes degenerados por crimes, a
sociedade deve se prevenir contra aqueles que são manifestadamente incapazes de
procriar sua espécie”, disse o juiz Oliver Wendell. Entre os anos 1920 e 1960
pelo menos 70 mil americanos foram esterilizados compulsoriamente – a maioria
mulheres.
Edwin Black, que ficou famoso em 2001 com o best-seller A IBM e o Holocausto, lembra que a cruzada eugenista de Tio Sam não
foi apenas um crime doméstico. “Os esforços americanos para criar uma superraça
nórdica chamaram a atenção de Hitler.” Antes da guerra, os nazistas praticaram
a eugenia com total aprovação dos cruzados eugenistas americanos. Não sem uma
ponta de inveja, claro: “Hitler está nos vencendo em nosso próprio jogo”,
declarou em 1934 Joseph DeJarnette, superintendente do Western State Hospital,
da Virgínia.
Desmascarado
pelo genocídio hitlerista, o antes arrogante movimento eugenista baixou a
guarda. Mesmo assim, entre 1972 e 1976, hospitais de quatro cidades
esterilizaram 3.406 mulheres e 142 homens. Muitas mulheres pobres foram
ameaçadas com a perda de benefícios sociais ou mesmo a guarda dos filhos.
Condenada
pela comunidade acadêmica em 1977,
a eugenia escondeu o rosto e buscou refúgio nos
cromossomos da engenharia genética. Mas, assim como no passado a eugenia
contaminou causas sociais, médicas e educacionais importantes, hoje ela pode
inocular o vírus da intolerância em projetos científicos fundamentais, como o
genoma e o processo de clonagem para fins terapêuticos. Afinal, é sabido que,
ao brincar de Deus, o homem costuma fazer a obra do diabo.
Os Estados Unidos são tidos como um dos
países onde a democracia nasceu e criou raízes. Isso é verdade, mas
frequentemente se esquece que essa mesma democracia, que garantiu as liberdades
individuais e civis, tinha aspectos oligárquicos. Tanto que o país conviveu com
a escravidão por quase cem anos e depois disso com uma política de apartheid
nos estados sulistas que duraria até os anos 1960 do século passado.
Mas há uma
coisa que poucos sabem: durante 74 anos, a democracia americana tinha leis que
autorizavam a esterilização compulsória de pessoas consideradas “incapazes” ou
“inferiores” – fossem negros, deficientes mentais ou mulheres. A isso se dá o
nome de eugenia, prática de “purificação racial” hoje condenada e que
normalmente é associada ao nazismo, mas que nasceu na Inglaterra e foi aplicada
nos EUA e – pasmem! – na Suécia. Nos EUA, cerca de 60 mil cidadãos americanos
foram esterilizados entre 1929 e 1979 e muitos sequer foram informados de que
estavam sendo submetidos a essas operações. Entre eles, 48% eram mulheres e 40%
negros ou indígenas. A progressista Califórnia foi o estado que mais adotou
essa medida, esterilizando cerca de 20 mil – um terço do total.
Adolf Hitler copiou de eugenistas americanos política que eliminava "raças inferiores"
Algumas palavras ficaram tão associadas a crimes aberrantes que simplesmente desapareceram do vocabulário corrente. É o caso da “eugenia” ou “higiene racial”, um movimento racista e pseudocientífico surgido no início do século XX que classificava as pessoas segundo a hereditariedade, esterilizando os “incapazes” (doentes mentais, epilépticos, alcoólatras, criminosos comuns, deficientes visuais, pobres, mas também negros, judeus, poloneses...) com o objetivo de preservar e ampliar a “raça superior”, branca e nórdica. Embora tenha sido aplicada em escala industrial e genocida apenas na Alemanha nazista, a eugenia tomou corpo e ganhou forma e robustez nos EUA. Os epígonos de Hitler apenas copiaram e universalizaram o modelo. Essa incrível história, pouco conhecida, é contada agora, num minucioso relato, em A guerra contra os fracos – a eugenia e a campanha norte-americana para criar uma raça superior, do jornalista americano Edwin Black.
O movimento cativou tanto a elite americana da época que, a partir de 1924, leis que impunham a esterilização compulsória foram promulgadas em 27 Estados americanos, para impedir que determinados grupos tivessem descendentes. Uma vasta legislação proibindo ou restringindo casamentos também foi criada para barrar a miscigenação. Confrontada com tamanha violação dos princípios da Constituição americana, a Suprema Corte deu sua bênção à eliminação dos mais fracos. “Em vez de esperar para executar descendentes degenerados por crimes, a sociedade deve se prevenir contra aqueles que são manifestadamente incapazes de procriar sua espécie”, disse o juiz Oliver Wendell. Entre os anos 1920 e 1960 pelo menos 70 mil americanos foram esterilizados compulsoriamente – a maioria mulheres.
Edwin Black, que ficou famoso em 2001 com o best-seller A IBM e o Holocausto, lembra que a cruzada eugenista de Tio Sam não foi apenas um crime doméstico. “Os esforços americanos para criar uma superraça nórdica chamaram a atenção de Hitler.” Antes da guerra, os nazistas praticaram a eugenia com total aprovação dos cruzados eugenistas americanos. Não sem uma ponta de inveja, claro: “Hitler está nos vencendo em nosso próprio jogo”, declarou em 1934 Joseph DeJarnette, superintendente do Western State Hospital, da Virgínia.
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