Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 12, 2012

Num país de intocáveis, falar em regime de direito é uma grosseira piada de mau gosto

Sanguessugado do Pedro Porfírio
Procurador Roberto Gurgel deve explicações sobre o aborto do inquérito da PF na CPI onde foi acusado
O delegado da Polícia Federal Raul Alexandre Marques Sousa disse que a apuração da “Operação Vegas” parou no momento em que apareceram as conversas com parlamentares com prerrogativa de foro,como o senador Demóstenes Torres (sem partido, ex-DEM-GO). O caso foi remetido ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em meados de 2009. Mas a mulher dele, a subprocuradora Cláudia Sampaio Marques, avaliou que não havia indícios suficientes para que a apuração contra essas autoridades continuasse no Supremo Tribunal Federal (STF).
Roberto Gurgel e Demóstenes Torres: sem comentários
A existência de intocáveis não pega bem num regime em que todos deveriam ser absolutamente iguais, como está escrito no caput do artigo 5º da Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
No entanto, infelizmente, são exatamente os ministros nomeados  guardiões constitucionais os primeiros a virar as costas para o dogma da igualdade entre os cidadãos numa  terrível demonstração  de o regime de direito está por um triz.
O poder do intocável fazer só o que a seu juízo cabe ou é conveniente situa-se acima do bem e do mal, num ritual de fazer inveja a abusos recentes, ainda frescos em nossa memória ferida.
No presente, essa faculdade arbitrária soa como consagração da mais cínica hipocrisia institucional, mostrando com todas as letras, mortas e vivas, o triunfo perverso do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, como se à sociedade queda não restasse outra atitude senão resignar-se.
Faço essas patéticas constatações tomado da maior tristeza. É inevitável que uma sensação de impotência total irradie-se em meu cérebro atormentado, com forte tendência a produzir a doença degenerativa da desilusão irreversível.
A que ponto chegamos. Ninguém de sã consciência poderia imaginar que um coral afinado oferecesse suas vozes para a blindagem do procurador geral da República, Roberto Gurgel, e de sua esposa, a sub-procuradora geral Cláudia Sampaio Marques, citados em português escorreito  pelo delegado Raul Alexandre Marques Sousa, que a esta altura já deve estar com a cabeça à prêmio.
O policial contou aos parlamentares da CPI do Cachoeira que já em 2009, isto é, há três anos, havia detectado através de escuta autorizada conversas cúmplices entre o contraventor e corruptor e seu mais graduado títere, um senador da República festejado por todos como um mosqueteiro da ética, e mais dois deputados menos cotados.
Por que a investigação pilhara três congressistas na folha de pagamento do delinquente, ele teve que levar o apurado ao conhecimento da cúpula judiciária. E aí levou um tremendo chega pra lá, um “não se fala mais nisso”, um bota a viola no saco, e a sua “Operação Vegas” entrou para o arquivo morto, conforme ordens superiores, isto é,  determinação por ofício da subprocuradora geral, para quem não havia indícios suficientes para que sugerisse ao marido, procurador geral,  pedir a abertura de investigação contra esses parlamentares no Supremo Tribunal Federal (STF).
Questionamento de nepotismo à parte -  os intocáveis estão acima desses pecados – o procurador geral parece que amarelou ao saber que Cachoeira e Demóstenes Torres queriam sua cabeça ou agiu sob outro tipo de condicionamento. Tudo pode ter acontecido de inexplicável, porque a maior parte das revelações de agora remonta a investigação d’outrora. O certo é que o delegado ficou na maior saia justa e recolheu-se à sua insignificância diante do casal todo poderoso.
Com a palavra diante da CPI, Raul Alexandre Marques Sousa soltou o grito que estava parado no ar e deu o serviço. Todo o mal que a super organização criminosa de ramificações várias esteve fazendo até estes dias poderia ter sido estancado há três anos, reduzindo consideravelmente o prejuízo financeiro e moral, e impedindo que o capo tivesse agido com tanta desenvoltura no ano eleitoral de 2010 e nos anos subsequentes em que consolidou o império criminoso mais diversificado de que se tem notícia nestas paragens.
Até aos mais aparvalhados parece claro que o meu conterrâneo Roberto Monteiro Gurgel Santos deve uma explicação aos súditos no mesmo local em que sua atitude insustentável foi revelada, sob pena de oferecer os insumos daninhos para a pizza da  CPI que ainda vai ter que ganhar  credibilidade entre os cidadãos.
Comparecer a uma CPI, aliás, não pode ser entendido como um reconhecimento de que o convocado já deve alguma coisa no cartório. Se assim fosse, não carecia nem mesmo a tomada de depoimentos.
Mas esse episódio oferece também o corpo de delito  de uma manobra de baixo calão. À primeira reação diante das declarações cristalinas do delegado, o procurador saiu-se com a primária alegação de que está sendo minado por “pessoas que morrem de medo do julgamento do mensalão”. 
Eu não sabia que esse delegado que pôs o procurador nas cordas tinha rabo preso com esse processo espetaculoso que se arrasta por sete anos, num banho-maria novelesco.
Seria uma obra da mais sofisticada conspiração se os réus do processo citado tivessem induzido o delegado a revelar na CPI o que a cúpula do Ministério Público e da Polícia Federal já sabia de cor e salteado.
Em sua esfarrapada defesa, o Roberto Monteiro Gurgel Santos recorre à cortina de fumaça que, segundo as más línguas, seria o mesmo ardil dos mensalistas, ao incrementarem a CPI do Cachoeira.
  O depoimento do policial seria, por assim dizer, uma jogada ensaiada, com a finalidade de enfraquecer o procurador que acusará os indiciados,  todos ligados à chamada base governista, cujas peripécias lhes valeram condenações antecipadas por uma opinião pública que, a ser coerente, não pode admitir que o procurador se exima de explicar  a ordem infausta também numa  CPI. Isto porque, lembre-se, ele e a sua sub deram motivos diferentes para o expediente que livrou a cara dos políticos e do delinquente que agora estão no pelourinho sem saber o que vão dizer em casa.
No mínimo, causa espanto que marido e mulher, ou seja, procurador geral e subprocuradora, não se entendam sobre as razões que levaram a trancar o inquérito a sete chaves.  Ela alegou que não havia elementos suficientes para acolher as conclusões da “Operação Vegas”; ele saiu-se com uma desculpa que deve entrar para o folclore político: o aborto aconteceu por razões estratégicas, disse e repetiu ante os olhos incrédulos dos ainda não idiotas.
Como reclamava o velho Tancredo, não se pode agredir os fatos. Se os chefes da Procuradoria Geral da República que  frustraram uma criteriosa investigação não se sentirem obrigados sequer a prestar os esclarecimentos devidos, achincalhando no nascedouro a CPI híbrida, com que autoridade eles podem assumir a acusação nesse que já se define como o mais espetaculoso julgamento da nova República?
Nesse caso, vamos e venhamos, o procurador entrará em campo já contundido e será inevitavelmente questionado não apenas pelo erro de 2009, mas, principalmente, pela blindagem de que tenta se revestir como se, em indo lá na CPI, pudesse cair em maus lençóis.
Sua não ida à comissão parlamentar onde foi acusado terá efeitos desastrosos para toda a instituição do Ministério Público Federal, onde existe uma esmagadora maioria de procuradores competentes, honestos, eficientes e admirados pela opinião pública.
E esse desastre, que inflará a bolha dos intocáveis, afetará maldosamente o que o os ingênuos acreditam ser um regime democrático de direito. 
*GilsonSampaio

Nenhum comentário:

Postar um comentário