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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, maio 21, 2012

O cérebro racista

Cerebro Racista

por Silvio Motta Maximino
Recentemente, Hélio Schwartsman publicou em famoso periódico nacional artigo expondo as teses de dois cientistas, Eagleman e Mlodinov, os quais concluíram: "Somos racistas por natureza". O cérebro, inconscientemente, é capaz de agrupar objetos e pessoas em categorias... Logo, isso explicaria o racismo e outros comportamentos questionáveis, como a xenofobia e as guerras nacionalistas ou de religião. De fato, reducionismos desse tipo não são novidade. Desde Freud e mesmo antes dele, várias teses do tipo surgiram: somos vítimas de nosso inconsciente, do ambiente social etc. De lá para cá, inúmeras teorias têm tentado "explicar" ou justificar o comportamento humano. Então, há explicação para quase tudo: desde por que mentimos ou agredimos até por que somos egoístas ou adúlteros, desde por que gostamos de gordura e açúcar até por que nos apaixonamos. Agora, finalmente, sabemos também por que raios somos racistas! Pode parecer consolador ou conveniente saber que somos joguetes, gravetos impotentes nas mãos da natureza irracional, amoral e onipotente. Mas será mesmo bem isso?
Agora confesse! Pensar que nossas escolhas na verdade não são nossas, mas que já foram de antemão predeterminadas em nossos genes ou pela bioquímica do cérebro ou pelas condições sócio-ambientais não é nada reconfortante, não é mesmo? Na verdade, é aterrador. Uma coisa parece certa: pensar que sabemos mais hoje sobre nosso ser ou sobre nossa mente do que sabíamos há 2.500 anos atrás, quando os geniais gregos inventaram a ciência e a filosofia, tem se mostrado um ingênuo engano.
Sabemos que somos corpo, mente e espírito. Nem os mais materialistas negam isso. Porém, estamos longe de saber o que é o corpo, o que é a mente e o que é isso que chamamos espírito. Sabemos que somos influenciados pela bioquímica de nossas glândulas, pelas condições ambientais e históricas, mas até que ponto somos realmente escravos? A quem apelaremos para responder a essas gravíssimas questões? A ciência ou a religião tem as respostas que estamos procurando? Até que ponto todas as nossas respostas prontas não estão contaminadas pela subjetividade, pela ideologia ou simplesmente pela sempre parcial visão humana da realidade?
Pensemos por um momento na questão do "racismo": os cientistas supracitados partem da premissa questionável de que o racismo seja um conceito da biologia, quando, na verdade, trata-se de um conceito muito mais antropológico do que físico-biológico!
Senão, vejamos: ninguém nasce "racista". Ninguém nasce odiando nordestinos, ninguém nasce sentindo nojo de negros ou judeus, ninguém nasce "skinhead", nazista, ou com vontade de surrar homossexuais e "incendiar" indígenas em praça pública! Então, o que é que acontece? Nós "aprendemos" a ser racistas! Aprendemos isso, como aprendemos a ser corruptos, homofóbicos, solidários, honestos, amáveis... Isso jamais deveria ser confundido com qualquer tipo de determinismo biológico ou teológico. Se vamos "aprender" a lição ou rechaçá-la, sempre será uma escolha pessoal. Salvo raras exceções, o ser humano, embora de certo modo condicionado ou influenciado por múltiplos fatores ambientais e congênitos, sempre pode decidir e será quase sempre livre para escolher.
Comportamentos racistas decorrem da educação social (exemplos) que recebemos, aliada ao fato de que todo ser humano tem seu "ser etnocêntrico". Isso não quer dizer que somos racistas por natureza. Essa simplificação é falaciosa e extremamente perigosa.
O problema é confundir comportamento instintivo com "comportamento aprendido", é confundir discriminação cognitiva com "racismo". Essa "naturalização" de um comportamento, que de fato foi ensinado e aprendido, é o mesmo que confundir cultura com código genético. E é triste vermos cientistas fazendo isso.
É um erro grosseiro, portanto, usar a biologia para justificar o racismo, assim como não devemos usá-la para justificar o nepotismo, o sexismo, o machismo, o nazismo ou quaisquer outros "ismos" que o ser humano resolva inventar. Essa simplificação, esse reducionismo do fenômeno humano ao mero aspecto biológico, além de ser uma atitude anti-científica, em nada ajuda a raça humana a resolver seus principais dilemas.
Portanto, esqueçam! Não haverá nunca uma "aspirina contra o racismo", não haverá uma pílula que proteja o homem dele mesmo. Podemos não ser responsáveis pelo que somos, mas seremos sempre responsáveis pelo que fizemos de nós mesmos.
O autor, Silvio Motta Maximino, é professor de antropologia e filosofia da mente da Universidade Sagrado Coração
Fonte: JCNet
Vi no Portal Geledés
*MariadaPenhaNeles

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