por Silvio Motta Maximino
Recentemente,
Hélio Schwartsman publicou em famoso periódico nacional artigo expondo
as teses de dois cientistas, Eagleman e Mlodinov, os quais concluíram:
"Somos racistas por natureza". O cérebro, inconscientemente, é capaz de
agrupar objetos e pessoas em categorias... Logo, isso explicaria o
racismo e outros comportamentos questionáveis, como a xenofobia e as
guerras nacionalistas ou de religião. De fato, reducionismos desse tipo
não são novidade. Desde Freud e mesmo antes dele, várias teses do tipo
surgiram: somos vítimas de nosso inconsciente, do ambiente social etc.
De lá para cá, inúmeras teorias têm tentado "explicar" ou justificar o
comportamento humano. Então, há explicação para quase tudo: desde por
que mentimos ou agredimos até por que somos egoístas ou adúlteros, desde
por que gostamos de gordura e açúcar até por que nos apaixonamos.
Agora, finalmente, sabemos também por que raios somos racistas! Pode
parecer consolador ou conveniente saber que somos joguetes, gravetos
impotentes nas mãos da natureza irracional, amoral e onipotente. Mas
será mesmo bem isso?
Agora
confesse! Pensar que nossas escolhas na verdade não são nossas, mas que
já foram de antemão predeterminadas em nossos genes ou pela bioquímica
do cérebro ou pelas condições sócio-ambientais não é nada reconfortante,
não é mesmo? Na verdade, é aterrador. Uma coisa parece certa: pensar
que sabemos mais hoje sobre nosso ser ou sobre nossa mente do que
sabíamos há 2.500 anos atrás, quando os geniais gregos inventaram a
ciência e a filosofia, tem se mostrado um ingênuo engano.
Sabemos
que somos corpo, mente e espírito. Nem os mais materialistas negam
isso. Porém, estamos longe de saber o que é o corpo, o que é a mente e o
que é isso que chamamos espírito. Sabemos que somos influenciados pela
bioquímica de nossas glândulas, pelas condições ambientais e históricas,
mas até que ponto somos realmente escravos? A quem apelaremos para
responder a essas gravíssimas questões? A ciência ou a religião tem as
respostas que estamos procurando? Até que ponto todas as nossas
respostas prontas não estão contaminadas pela subjetividade, pela
ideologia ou simplesmente pela sempre parcial visão humana da realidade?
Pensemos
por um momento na questão do "racismo": os cientistas supracitados
partem da premissa questionável de que o racismo seja um conceito da
biologia, quando, na verdade, trata-se de um conceito muito mais
antropológico do que físico-biológico!
Senão,
vejamos: ninguém nasce "racista". Ninguém nasce odiando nordestinos,
ninguém nasce sentindo nojo de negros ou judeus, ninguém nasce
"skinhead", nazista, ou com vontade de surrar homossexuais e "incendiar"
indígenas em praça pública! Então, o que é que acontece? Nós
"aprendemos" a ser racistas! Aprendemos isso, como aprendemos a ser
corruptos, homofóbicos, solidários, honestos, amáveis... Isso jamais
deveria ser confundido com qualquer tipo de determinismo biológico ou
teológico. Se vamos "aprender" a lição ou rechaçá-la, sempre será uma
escolha pessoal. Salvo raras exceções, o ser humano, embora de certo
modo condicionado ou influenciado por múltiplos fatores ambientais e
congênitos, sempre pode decidir e será quase sempre livre para escolher.
Comportamentos
racistas decorrem da educação social (exemplos) que recebemos, aliada
ao fato de que todo ser humano tem seu "ser etnocêntrico". Isso não quer
dizer que somos racistas por natureza. Essa simplificação é falaciosa e
extremamente perigosa.
O
problema é confundir comportamento instintivo com "comportamento
aprendido", é confundir discriminação cognitiva com "racismo". Essa
"naturalização" de um comportamento, que de fato foi ensinado e
aprendido, é o mesmo que confundir cultura com código genético. E é
triste vermos cientistas fazendo isso.
É
um erro grosseiro, portanto, usar a biologia para justificar o racismo,
assim como não devemos usá-la para justificar o nepotismo, o sexismo, o
machismo, o nazismo ou quaisquer outros "ismos" que o ser humano
resolva inventar. Essa simplificação, esse reducionismo do fenômeno
humano ao mero aspecto biológico, além de ser uma atitude
anti-científica, em nada ajuda a raça humana a resolver seus principais
dilemas.
Portanto,
esqueçam! Não haverá nunca uma "aspirina contra o racismo", não haverá
uma pílula que proteja o homem dele mesmo. Podemos não ser responsáveis
pelo que somos, mas seremos sempre responsáveis pelo que fizemos de nós
mesmos.
O autor, Silvio Motta Maximino, é professor de antropologia e filosofia da mente da Universidade Sagrado Coração
Fonte: JCNet
Vi no Portal Geledés
*MariadaPenhaNeles
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