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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 08, 2012

Serra convoca os fanáticos religiosos


Carlos Pompe *

O candidato da direita à prefeitura de São Paulo, José Serra, quer repetir na campanha deste ano o desserviço que fez à democracia e ao país na última eleição presidencial. Em conluio com o que há de mais reacionário nas cúpulas das organizações religiosas, quer substituir o debate político pelos ataques ao estado laico, à liberdade de pesquisa, de opinião e de deliberação sobre o próprio corpo.

Em entrevista ao Programa Amaury Jr., da RedeTV!, Serra declarou que se "a pessoa tem uma religião e quer discutir princípios, é legítimo que o faça. Não são os candidatos que fazem a agenda. Quem faz a agenda são as pessoas". Ainda tergiversou: "Nós devemos respeitar e dar a elas o direito de se manifestar. Do contrário, seria autoritarismo".
Na eleição presidencial de 2010, grupos religiosos de direita apoiaram abertamente o candidato demo-tucano e, em vez de discutir projetos políticos para o país, passaram a atacar Dilma, acusando-a de ser favorável ao aborto, à criminalização da homofobia e de ser ateia. Ao contrário do que Serra afirma, não foram “as pessoas” que pautaram essa agenda, mas os donos da mídia direitista e seus assalariados servis, os líderes religiosos reacionários e o comando da sua coligação, formada por PSDB e DEM e integrada por PTB, PMN, PSDB, PTDOB e PPS, que até a esse papel se rebaixou, apesar de parte de sua militância e eleitorado se enojar do rumo adotado.


Durante a campanha, o candidato da direita não se pejou de acionar sua esposa, Mônica Serra, para acatar a adversária. A ex-primeira-dama de São Paulo desceu ao nível de dizer, num ato político, que Dilma era “a favor de matar as criancinhas". Só se calou quando ex-alunas de seu curso de dança da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) relataram que Mônica contou em uma aula, em 1992, que fez um aborto quando estava no exílio com o marido. Ou seja, ela, Mônica, seria uma assassina de crianças, pela pregação que adotara para ajudar o marido. Mais uma falsa moralista flagrada em contradição entre o discurso e a prática efetiva.

O atual sistema político brasileiro não é autoritário, mas democrático, mesmo que seja uma democracia burguesa, e não socialista. No Brasil há liberdade religiosa e todas as seitas têm e exercem o direito de se manifestar e organizar – não há nenhum autoritarismo em relação ao tema. Pelo contrário, o que existe é a constante invasão de símbolos e práticas religiosas em instituições públicas, desrespeitando o Estado laico, a crença de religiosos não-cristãos e os ateus.

A religião não é assunto para debate eleitoral, mas uma opção, a ser exercida ou não, individualmente. Também não cabe, numa disputa pelos rumos políticos, econômicos e sociais de um município, estado ou país, trazer para o debate o aborto ou a criminalização da homofobia. Quem o faz é por má fé. Mesmo porque sequer tem a honra de respeitar os argumentos e razões de quem pensa diferente de seus dogmas.

Quando se referem ao aborto, os religiosos reacionários dizem que quem é a favor da descriminalização o estão incentivando. Isso é uma falsidade. Permitir a realização do aborto com a segurança do atendimento médico e psíquico é um respeito à mulher que se vê na necessidade de realizá-lo. Assim como a não criminalização do homossexualismo é um respeito à pessoa que assume essa opção, e não um incentivo a assumi-la. Criminalizar a homofobia é uma exigência de direito humano. Ninguém, mesmo usando os absurdos argumentos religiosos, deve ter o direito de agredir, verbal ou fisicamente, um semelhante devido à parceria sexual que escolhe.

O recurso aos temas morais na política é o refúgio dos exploradores, dos conservadores. A moral de uma época é parte da ideologia da classe dominante. À burguesia, classe dominante da época que vivemos, interessa conservar as relações econômicas e de poder em que explora os trabalhadores, arranca-lhes a mais-valia e impõe-lhes seus valores individualistas. Para isso recorre a corruptos, demagogos e ao opiáceo religioso reacionário, para semear a submissão e a passividade nas amplas massas. Por isso o apelo de Serra aos obscurantistas e seus preconceitos, ontem e hoje.

Avon, Silas Malafaia e a propagação da homofobia

Silas Malafaia é um velho conhecido da comunidade gay no Brasil. O pastor, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, costuma protagonizar polêmicas a envolver intolerância e preconceito. Em 2006, foi ele o responsável por uma manifestação diante do Congresso Nacional contra a lei criminalizadora da homofobia. Na ocasião o pastor afirmou que relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são a porta de entrada para a pedofilia. “Eu vou descer o porrete nesses homossexuais”, decretou, certa vez, em seu programa de tevê – em rede nacional, diga-se, valendo-se de seu direito de liberdade de expressão.
Por estes e outros motivos, foi uma surpresa para o professor de inglês Sérgio Viula, de 42 anos, e seu namorado, Emanuel Façanha da Silva, quando em meio a promoções de maquiagens, perfumes e bijuterias, depararam-se com livros de Malafaia no catálogo da Avon. “Não são somente obras devocionais ou de leitura budista, católica ou uma novena. Os livros dele são de militância fundamentalista aberta, assim como seus programas de televisão”, diz Viúla a CartaCapital.
O professor conta que a gota d’água foi a inclusão do livro A Estratégia entre os títulos comercializados pela empresa. A obra, escrita pelo pastor americano Louis Sheldon, também é distribuída pela Editora Central Gospel – cujo dono é Silas Malafaia – e levanta a teoria de que os homossexuais estão fazendo um complô contra a humanidade.
Diante da situação, Viula – que não faz parte de nenhuma organização LGBT – resolveu se manifestar. Seu argumento se baseou em um tratado de direitos humanos emitido no ano passado pela Avon, comprometendo-se a não contribuir com qualquer tipo de prática discriminatória. “Escrevi uma carta para a empresa brasileira, falando sobre a minha indignação. Como eles não se manifestaram de imediato, resolvi traduzir a mensagem e encaminhá-la para a Avon dos Estados Unidos”, conta.
Pouco tempo depois, a empresa brasileira escreveu um comunicado em sua página do Facebook, alegando que avariedade de títulos comercializados contempla a diversidade de estilos de vida, religião e filosofia presentes em nosso País”. Complementou falando não ter a intenção de promover conteúdo desrespeitoso aos direitos humanos.
“A carta contribuiu para eles entrarem em contato comigo, mas o fator determinante foi o fato de o Emanuel ter resolvido parar de trabalhar com a Avon”, acredita o professor. Segundo ele, o parceiro era o que a empresa chama de “Consultor Estrela”, pois vendia produtos em grande quantidade. Quando se deu conta de que os livros de Malafaia estavam no catálogo, abriu mão do cargo. “A gente nunca tinha reparado nos títulos porque ele trabalhava mais com o setor de cosméticos. Mas quando saiu da Avon, representantes da marca o procuraram no escritório, pedindo para ele voltar”.
Nesse meio tempo, as pessoas começaram a se solidarizar com a causa. Representantes de grupos LGBT também entraram em contato com a Avon. Duas mulheres redigiram uma petição em inglês, divulgada no All Out, site que publica abaixo-assinados do mundo todo. “No texto, eles explicaram quem é Silas Malafaia e quais são as ideias propagadas por ele. O negócio está bombando, a Avon vai ter que tomar uma atitude”, enfatiza o militante.
“Muitas pessoas também me perguntaram se valia a pena lutar por essa questão. Eu acho que sim porque se fosse o livro do Hitler, os judeus protestariam, se fosse um livro que negasse a existência da escravidão, os negros ficariam indignados. Por que os gays não podem se manifestar também?”, questiona.
Outro lado
CartaCapital pediu entrevistas à direção da Avon, mas a empresa informou que seu posicionamento oficial é aquele já divulgado por meio do comunicado. “Estamos avaliando as ponderações recebidas e buscando a melhor solução para seguir atendendo nossos consumidores com base em nossos valores”.
Silas Malafaia, por sua vez, tratou a questão com desdém. Em nota divulgada em sua página, o pastor ironizou a movimentação dos ativistas. “Esses gays estão dando um ‘tiro no pé’, estão me promovendo com uma tamanha grandeza que nunca pensei de ser tão citado e até defendido por jornalistas como, por exemplo, Reinaldo Azevedo’, escreveu.
Ele afirmou ainda que essas ações dão a ele elementos para lutar contra o Projeto de Lei 122 – aquele que criminaliza a homofobia. “Se antes de ter leis que dão a eles privilégios, já se acham no direito de perseguir e intimidar os que são contra seus ideais, imaginem se a lei for aprovada”, disse.
Também incentivou os fiéis a mandarem emails para a empresa, pedindo para os livros continuarem no catálogo. “Nós, evangélicos, representamos pelo menos 30% das vendas de produtos Avon. Os gays talvez 2%. Eles são tão abusados que pensam que com ameaças vão nos calar”, concluiu.
Diante do comunicado, Viula afirmou: “Malafaia é um extremista. Inclusive, outros pastores não concordam com as atitudes dele. Dá para ser cristão sem ser homofóbico, agora eu não sei como é possível ser homofóbico e cristão. Essas são contradições que podem matar pessoas”.
O professor fala com autoridade: ele já trabalhou como pastor da Igreja Batista e ajudou, na época, a fundar o Movimento pela Sexualidade Sadia (Moses), ONG prestadora de serviços de “assistência” a homossexuais que gostariam de mudar sua orientação sexual. “Depois de um tempo no Moses eu percebi que aquilo era uma falácia, uma hipocrisia. As pessoas sofriam e viviam uma vida dupla, é impossível deixar de ser gay”, contou.
Beatriz Mendes,CartaCapital

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