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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 11, 2012

SP: Tucanos querem vender 25% do SUS

Do Viomundo
por @conceicao_lemes 



Lei paulista que autoriza venda de 25% dos leitos do SUS a planos de saúde será julgada na próxima terça


Importante batalha para o futuro do Sistema Único de Saúde (SUS) vai ser decidida na próxima terça-feira, 15 de maio, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Os desembargadores José Luiz Germano, Cláudio Augusto Pedrassi e Vera Angrisani julgarão, da Segunda Câmara de Direito Público do TJ-SP, julgarão o recurso do governo paulista contra a decisão do juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª Vara da Fazenda Pública, que derrubou a lei nº 1.131/2010.

A Lei da Dupla Porta, como é conhecida, permite aos hospitais públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde (OSs) vender 25% dos seus leitos e outros serviços a planos privados de saúde e particulares.

“A lei 1.131/2010 lesa o direito do cidadão à saúde. É a terceirização-privatização da saúde em São Paulo”, denuncia o médico pediatra e de Saúde Pública Gilson Carvalho, que convoca entidades de saúde e sociedade civil. “Ajamos já contra a usurpação de 25% dos serviços dos SUS para servir às organizações sociais.”

“Esperamos que os desembargadores decidam pela defesa da população usuária do SUS e não permitam a destinação de leitos do SUS a particulares e usuários de planos de saúde”, defende o médico Renato Azevedo Júnior, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). “Os contratos entre operadoras de planos de saúde e OSs que administram hospitais estaduais poderiam, com respaldo da ‘lei da dupla porta’, privilegiar a assistência aos pacientes de convênios e particulares, em detrimento dos usuários do sistema público.”

“A lei 1.131/2010 é injusta, inconstitucional, vai contra a ética médica e está errada do ponto de vista ético-social”, acrescenta Azevedo. “Fatalmente ela levará à dupla fila; será uma forma dos pacientes particulares e de planos de planos de saúde de furar a fila no SUS.”

Pela “porta 1”, entram os usuários do SUS. Pela “porta 2”, apenas os conveniados e particulares. O argumento dos defensores da dupla-porta é que o pagamento dos serviços ajudaria a pagar a conta dos doentes do SUS.

A questão é que, nas mesmas instituições públicas, pacientes SUS têm diagnóstico e tratamento mais tardios do que conveniados ou particulares para males idênticos. E aí está x do problema, até porque esses hospitais foram construídos com recursos do SUS.

“ A lei 1.131/2010 é uma política Robin Hood às avessas, tira dos mais pobres para dar às empresas privadas de saúde e aos mais abastados”, denuncia o médico Arthur Chioro, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems-SP) e secretário de Saúde de São Bernardo do Campo, no Grande ABC. “Reduz em até 25% a capacidade dos hospitais públicos que hoje já é insuficiente para atender aos usuários do SUS. É uma afronta às constituições estadual e federal. É uma lei anti-SUS [Sistema Único de Saúde]. Os planos de saúde vão economizar e paulistas pagarão a conta.”


A Lei da Dupla Porta é o maior ataque desferido contra o SUS desde o PAS [Plano de Atendimento à Saúde], do Maluf, que, da mesma forma, entregou os serviços públicos ao setor privado.

SERRA, GOLDMAN E ALCKMIN CONTRA O CLAMOR DA SOCIEDADE CIVIL

Teoricamente as OSs são entidades filantrópicas. Só que, na prática, funcionam como empresas privadas, pois o contrato é por prestação de serviços.

A lei de OSs, de 1998, estabelecia que apenas os novos hospitais públicos do estado de São Paulo poderiam passar para a administração das OS. Porém, uma lei de 2009, do então governador José Serra (PSDB), derrubou essa ressalva. Ela permite transferir às OSs o gerenciamento de todos os hospitais públicos do estado.

Em 2010, a lei 1.131 do então governador Alberto Goldman (PSDB), aprovada pela Assembleia Legislativa paulista autorizou os hospitais gerenciados por OSs a vender 25% dos seus leitos dos SUS privados de saúde e particulares. Em julho de 2011, ela foi regulamentada pelo atual governador Geraldo Alckmin (PSDB) e passou a valer.

Só que, em agosto de 2011, atendendo à representação de mais de 50 entidades da sociedade civil, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), por meio dos promotores de Justiça Arthur Pinto Filho e Luiz Roberto Cicogna Faggioni, da Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos – Área de Saúde Pública, deram entrada na Justiça de ação civil pública contra a Lei da Dupla Porta, com pedido liminar.

O juiz Lima Porta acatou a representação do MPE-SP e concedeu a liminar, proibindo a venda de 25% dos serviços do SUS a planos privados de saúde. A Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo recorreu da decisão, mas o desembargador José Luiz Germano negou o agravo. Alguns trechos da decisão histórica, que na próxima terça-feira será julgada.

“A saúde é um dever do Estado, que pode ser exercida por particulares. Esse serviço público é universal, o que significa que o Estado não pode distinguir entre pessoas com plano de saúde e pessoas sem plano de saúde. No máximo, o que pode e deve ser feito é a cobrança contra o plano de saúde. Para que isso ocorra já existem leis permissivas…”

“A institucionalização do atendimento aos clientes dos planos particulares, com reserva máxima de 25% das vagas, nos serviços públicos ou sustentados com os recursos públicos, cria uma anomalia que é a incompatibilização e o conflito entre o público e o privado, com as evidentes dificuldades de controle”.

“O Estado pretende que as organizações sociais, em determinados casos, possam agir como se fossem hospitais particulares, mesmo sabendo-se que algumas delas operam em prédios públicos, com servidores públicos e recursos públicos para o seu custeio! Tudo isso para justificar a meritória iniciativa de cobrar dos planos de saúde pelos serviços públicos prestados aos seus clientes? Porém, é difícil entender o que seria público e o que seria privado em tal cenário. E essa confusão, do público e do privado, numa área em que os gastos chegam aos bilhões, é especialmente perigosa, valendo apena lembrar que as organizações sociais não se submetem à obrigatoriedade das licitações nas suas aquisições”.

“O paciente dos planos de saúde tem a sua rede credenciada, que não lhe cobra porque isso já está embutido nas mensalidades. Se ele precisar da rede pública, poderá utilizá-la sem qualquer pagamento, mas sem privilégios em relação a quem não tem plano. A criação de reserva de vagas, no serviço público, para os pacientes de planos de saúde, aparentemente, só serviria para dar aos clientes dos planos a única coisa que eles não têm nos serviços públicos de saúde: distinção, privilégio, prioridade, facilidade, conforto adicional, mordomias ou outras coisas do gênero”.

Em tempo 1. Entre as entidades que estão contra a Lei da Dupla Porta, figuram: Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems-SP), Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Paulista de Saúde Pública (APSP), Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo - Cress SP, 9ª Região, Fórum das ONG Aids do Estado de São Paulo, Grupo de Incentivo à Vida (GIV), Grupo Pela Vidda-SP, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Nacional dos Médicos Residentes (Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN) e Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp).

Em tempo 2. Se os usuários de planos de saúde acham que o problema não lhes diz respeito, pois acreditam que serão atendidos nesses hospitais de excelência e alta complexidade, sinto desapontá-los.

Primeiro, nem todos os planos serão aceitos. A tendência é os contratos serem fechados com os planos melhores; os demais, ficarão a ver navios, como já acontece nos hospitais públicos de ensino que atendem convênios e particulares.

Segundo, hoje, vocês têm condições de arcar com os custos de um bom plano. Mas quem garante que amanhã continuará a ter? Todos nós estamos sujeitos às trombadas da vida, portanto pensar solidariamente hoje nos que precisam, pode beneficiar vocês, mesmos, no futuro.


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