Uma CPI de pernas curtas com sintomas de anencefalia
Interferência direta do STF revela a falácia de independência entre os poderes da República
"A impunidade é segura, quando a cumplicidade é geral."Marquês de Maricá
Extraído do blog Brasil da Corrupção
Anote aí: essa CPI do Cachoeira tem todos os sintomas de um feto anencefálico que não resistirá à luz do dia. Que o diga o egrégio senador Pedro Simon, que jogou no lixo da esclerose a aura de vestal dos bons costumes ao escrevinhar no GLOBO (o que não é sua praia) a defesa prévia de intocáveis – o procurador geral e jornalistas que devem explicações como qualquer mortal – revestindo seus argumentos inusitados do verniz da boa intenção e até de epítetos axiomáticos.
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Da
sua lavra saiu a mesma fumaça da cortina que encobre o processo de
cerceamento dos trabalhos de uma investigação parlamentar que se aceita
como uma balela. Qualquer passo fora do acordado será estigmatizado com o
anátema do diversionismo destinado a esvaziar o julgamento sensacional
do que já foi julgado em prosa e versos nos mesmos palanques que o bravo
senador gaúcho vê montarem na encenação de uma nova farsa em que, como
observou, “os papéis foram bem distribuídos”, segundo seu raciocínio:
“há também entre os membros da CPI quem se dedica a acusar jornalistas,
numa clara ação de vindita que libera mágoas e ódios em acontecimentos
passados”.
A este respeitado e celebrado prócer
de carreira bem sucedida não ocorreu discutir o que consubstancia a
independência e harmonia entre os poderes, nos termos sucintos do artigo
segundo da sagrada Constituição republicana.
Nem
lhe passou pela cabeça questionar a hermenêutica que levou um ministro
dessa exibida suprema corte a interferir nos trabalhos da CPI para
garantir ao principal indiciado, colarinho branco revestido em ouro, o
“direito” de só depor depois de conhecer as acusações produzidas contra
ele noutra esfera, a do Poder Executivo, como se a inquirição
parlamentar estivesse apensada e condicionada forçosamente à
investigação policial que, aliás, já havia sido abusivamente brecada em
2009 por um ato insustentável de um procurador que se acha acima do bem e
do mal.
Não precisa ser advogado para saber que
o traseiro não tem nada a ver com as calças. Mas a penca de causídicos
que povoa esse parlamento acocorado engoliu a seco o pito do pináculo de
um Judiciário que legisla todo santo dia, fazendo restar a quem tinha
esse ofício a desabonadora senda do tráfico de influência na sombria
cerimônia do “dá lá, toma cá”.
Quando li o
título e a assinatura da matéria na página de opinião do GLOBO, nesta
terça-feira, 15 de maio de 2012, imaginei que era desse constrangimento
que o senhor Pedro Jorge Simon, professor de Direito, iria verberar na
defesa da liberdade processual da CPI, cuja agenda independe do que se
fez alhures, embora essa, com sua ânsia palanqueal, tenha sido montada
como uma carroça diante dos bois: vai investigar o investigado por
alguns delegados teimosos que, calados numa operação batizada de
“Vegas”, romperam o cerco com outra, a “Monte Carlo”, matando várias
coelhos com duas cajadadas.
Qual nada! O
octogenário plêiade nem se tocou diante desse constrangimento dos seus
pares, porque, com toda a experiência acumulada, sabe muito mais do que
eu o que se passa por debaixo dos panos.
Carlos
Augusto de Almeida Ramos, que este mês festejou na cadeia temporária
seus bem vividos 49 anos, não é um Anizio Abraão qualquer, embora seja
seu parceiro, irmão, camarada. E tenha começado sua intrépida carreira
com o know-how levado para Goiás pelo pai, que foi da máfia do Castor.
Suas
práticas foram tão ousadas que reduziram a cinzas própria lenda de
Grigoriy Yefimovich Rasputin, o mago russo que embeveceu a tzarina
Alexandra Feodorovna e deu as cartas em Petrogrado até às vésperas dos
sete dias que abalaram o mundo, no outono conturbado de 1917.
Rasputin
valia-se dos dotes da mistificação e da devassidão, oferecendo seu
talento bandido a um império em decadência. Carlos Augusto, o Cachoeira,
aprendeu a cercar pelas sete e a distribuir benesses a brancos e
pardos, com o que alastrou incólume seu próprio império criminoso pelos
meandros de todos os podres poderes, sendo certo que, à parte do jogo
sujo que move a CPI, muito se teria a conhecer, fosse honesta a sua
propositura e cirúrgico o seu proceder.
Não é
demais relembrar o defeito de nascença dessa investigação parlamentar.
Em geral, as congêneres fazem suas próprias descobertas e, em havendo
lisura, as reúnem em relatórios destinados ao Ministério Público, que dá
continuidade com a abertura do processo devido.
Essa
se inspirou no samba do crioulo doido, pegou o bonde andando e chamou a
si, para efeito artístico, o que a Polícia Federal já descobriu em dose
dupla. Trata-se, portanto, de uma comissão sob desconfiança, que terá
de garimpar com coragem e faro canino para usar o já apurado como
bússola e ir onde os policiais não puderam chegar. E para mexer em
qualquer vespeiro, indiferente à mau querência dos portadores de dotes
avantajados.
Do contrário, essa CPI tem
tudo para ser uma farsa, ao sabor dos cascateiros, transformando-se em
antro de acordos dos cavalheiros de rabo preso.
Mal
começou, aliás, e já mostrou essa fatalidade torpe e hipócrita. Quando o
procurador Roberto Gurgel se disse minado pelos réus do “mensalão”, as
entrelinhas de sua peroração portavam um recado.
Ele
poderia estar lembrando também que daqui a pouco vai estar com o
chicote nas mãos e na crista da onda. Muitos dos que o estão incomodando
com a cobrança sobre o breque inexplicável que deu sobrevida à
quadrilha do mago anapolino terão parceiros nos bancos dos réus e, quem
sabe, da astúcia de cada um dependerá a catilinária na sua hora e vez.
Até
prova em contrário, pelos defeitos de nascença, em contraste com os
alvos principais e periféricos, temos muito pouco a esperar dessa CPI de
medíocre coreografia.
Há toda uma
cadeia de interesses armada para contigenciá-la, para limitar ao
quarteirão o seu espaço investigatório, ao contrário do que aconteceu na
CPI dos Correios, que atravessou o rubicão, farejou em outras paragens e
só não chegou a derrubar um governo ou a impedir sua reeleição porque
faltou autoridade moral aos que desejavam tal desfecho.
Será
de uma pobreza frustrante se essa CPI ficar no que já está fazendo a
Comissão de Ética do Senado em relação ao preposto do delinquente
naquela casa. E se ciscar só no entorno dos negócios mais explicitamente
ilegais já apontados. Essa organização criminosa, com a máfia italiana,
tem tentáculos muito mais corrosivos nas frentes consentidas – e a
construtora Delta não é seu único braço legal.
Também
não ficará bem para o Congresso – e nisso o governador Marcondes
Perillo tem razão – se cingir-se apenas aos mal feitos de uma única
empreiteira, quando se sabe das traquinagens de outras muito mais
ousadas.
Por que não resgatar os autos
da “Operação Castelo de Areia”, que pôs na cadeia por alguns dias
diretores da poderosa Camargo Corrêa, mas que o STJ demoliu com uma
penada, sob a alegação de que houve escutas ilegais?
Por
que não se avança no sentido de uma legislação de tolerância zero
contra os corruptores que permanecem no proscênio, lépidos e fagueiros,
em deslumbrantes farras parisienses, mesmo depois de desmascarados na
fita, como aconteceu com a Locanty, Rufolo e outras terceirizadas,
pilhadas oferecendo grana a granel a um suposto funcionário público?
Por
quê? Ora, não precisa ser jornalista para concluir que num país de maus
hábitos aceitos pela população como elementos culturais inevitáveis
qualquer coisa não ultrapassa às muretas da conveniência, dos acordos
compensatórios e da cristalização da impunidade como regra no trato com a
coisa pública – regra cada vez mais pétrea e mais intocável.
O resto é matéria para vender jornal e dar audiência à mídia eletrônica.
*GilsonSampaio
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