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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
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quarta-feira, setembro 29, 2010

Opinião do jornalista Mauro Santayana

 

Lula está correto em reclamar da Imprensa, afirma Santayana

Encontro no Centro Cultural Banco do Brasil "Blogosfera: A Impresnsa Alternativa do Século 21?", foi marcado por perguntas apreensivas sobre a possibilidade de alguns setores da mídia brasileira estarem preparando um golpe. Mediado pelos jornalistas Mauro Ventura e Oona Castro, o evento contava ainda com os debatedores Luiz Carlos Azenha e o também jornalista Mauro Santayana do JB. Este vídeo mostra o que pensa o Mauro Santayana ao ser perguntado por Carlos Moreira - Beto, criador do grupo 3 Setor.
Imagens do Blogueiro Fred Araujo para o Rionlinetv.com.
"Jornalista Mauro Santayana diz:
A mídia está desmoralizada, não consegue fazer seus candidatos, não teve força para alavancar o Serra, seu candidato, o Lula está correto em reclamar da Imprensa."




Lula: enfrento hoje o que Vargas enfrentou há 60 anos

Lula e a Petrobras
Hoje, no ato de comemoração dos 60 anos da Refinaria Landulpho Alves, na Bahia, a pioneira no refino de petróleo do Brasil, Lula comparou os ataques que sofreu Getúlio vargas, ao decretar o monopólio estatal do petróleo às que vem enfrentando por fortalecer a petrobras e tornala operadora exclusiva do pré-sal. E afirmou que, diferente do que aconteceu com Fernando Henrique, que vendeu um naco da empresa no exterior, o povo brasileiro pode contar com que, agora, a petrobras é e será nossa, para gerar riqueza, trabalho e prosperidade. Clique na seta abaixo da foto para ouvir o discurso de Lula .
Ouça aqui a íntegra do discurso:

domingo, dezembro 18, 2011

Santayana quer rever
as privatizações



Saiu na Carta Maior, artigo de Mauro Santayana:

Hora de rever as privatizações

Se outros efeitos não causar à vida nacional o livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., suas acusações reclamam o reexame profundo do processo de privatizações e suas razões. A presidente da República poderia fazer seu o lema de Tancredo: um governante só consegue fazer o que fizer junto com o seu povo.

Mauro Santayana

Se outros efeitos não causar à vida nacional o livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., suas acusações reclamam o reexame profundo do processo de privatizações e suas razões. Ao decidir por aquele caminho, o governo Collor estava sendo coerente com sua essencial natureza, que era a de restabelecer o poder econômico e político das oligarquias nordestinas e, com elas, dominar o país. A estratégia era a de buscar aliança internacional, aceitando os novos postulados de um projetado governo mundial, estabelecido pela Comissão Trilateral e pelo Clube de Bielderbeg. Foi assim que Collor formou a sua equipe econômica, e escolheu o Sr. Eduardo Modiano para presidir ao BNDES – e, ali, cuidar das privatizações.


Primeiro, houve a necessidade de se estabelecer o Plano Nacional de Desestatização. Tendo em vista a reação da sociedade e as denúncias de corrupção contra o grupo do presidente, não foi possível fazê-lo da noite para o dia, e o tempo passou. O impeachment de Collor e a ascensão de Itamar representaram certo freio no processo, não obstante a pressão dos interessados.


Com a chegada de Fernando Henrique ao Ministério da Fazenda, as pressões se acentuaram, mas Itamar foi cozinhando as coisas em banho-maria. Fernando Henrique se entregou à causa do neoliberalismo e da globalização com entusiasmo. Ele repudiou a sua fé antiga no Estado, e saudou o domínio dos centros financeiros mundiais – com suas conseqüências, como as da exclusão do mundo econômico dos chamados “incapazes” – como um Novo Renascimento.


Ora, o Brasil era dos poucos países do mundo que podiam dizer não ao Consenso de Washington. Com todas as suas dificuldades, entre elas a de rolar a dívida externa, poderíamos, se fosse o caso, fechar as fronteiras e partir para uma economia autônoma, com a ampliação do mercado interno. Se assim agíssemos, é seguro que serviríamos de exemplo de resistência para numerosos países do Terceiro Mundo, entre eles os nossos vizinhos do continente.


Alguns dos mais importantes pensadores contemporâneos- entre eles Federico Mayor Zaragoza, em artigo publicado em El País há dias, e Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia – constataram que o desmantelamento do Estado, a partir dos governos de Margareth Thatcher, na Grã Bretanha, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, foi a maior estupidez política e econômica do fim do século 20. Além de concentrar o poder financeiro em duas ou três grandes instituições, entre elas, o Goldman Sachs, que é hoje o senhor da Europa, provocou o desemprego em massa; a erosão do sistema educacional, com o surgimento de escolas privadas que só servem para vender diplomas; a contaminação dos sistemas judiciários mundiais, a partir da Suprema Corte dos Estados Unidos – que, entre outras decisões, convalidou a fraude eleitoral da Flórida, dando a vitória a Bush, nas eleições de 2000 -; a acelerada degradação do meio-ambiente e, agora, desmonta a Comunidade Européia. No Brasil, como podemos nos lembrar, não só os pobres sofreram com a miséria e o desemprego: a classe média se empobreceu a ponto de engenheiros serem compelidos a vender sanduíches e limonadas nas praias.


É o momento para que a sociedade brasileira se articule e exija do governo a reversão do processo de privatizações. As corporações multinacionais já dominam grande parte da economia brasileira e é necessário que retomemos as atividades estratégicas, a fim de preservar a soberania nacional. É também urgente sustar a incontrolada remessa de lucros, obrigando as multinacionais a investi-los aqui e taxar a parte enviada às matrizes; aprovar legislação que obrigue as empresas a limpa e transparente escrituração contábil; regulamentar estritamente a atividade bancária e proibir as operações com paraísos fiscais. É imprescindível retomar o conceito de empresa nacional da Constituição de 1988 – sem o que o BNDES continuará a financiar as multinacionais com condições favorecidas.


A CPI que provavelmente será constituída, a pedido dos deputados Protógenes Queiroz e Brizola Neto, naturalmente não se perderá nos detalhes menores – e irá a fundo na análise das privatizações, a partir de 1990, para que se esclareça a constrangedora vassalagem de alguns brasileiros, diante das ordens emanadas de Washington. Mas para tanto é imprescindível a participação dos intelectuais, dos sindicatos de trabalhadores e de todas as entidades estudantis, da UNE, aos diretórios colegiais. Sem a mobilização da sociedade, por mais se esforcem os defensores do interesse nacional, continuaremos submetidos aos contratos do passado. A presidente da República poderia fazer seu o lema de Tancredo: um governante só consegue fazer o que fizer junto com o seu povo.

…………………..

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

domingo, maio 30, 2010

Santayana: Belo Monte é a soberania nacional



“ … o velho mundo em que jornalistas mereciam ter a responsabilidade de filtrar e hierarquizar as notícias vive hoje em conflito com um mundo em que muitos (mas não todos) leitores querem ter a capacidade de julgar por si próprios; criar seu próprio conteúdo; articular suas próprias idéias; e aprender com seus pares, tanto quanto aprendem com as tradicionais fontes de autoridade.”


De Alan Rusbridger, editor do jornal The Guardian de Londres.

Santayana: Belo Monte é a soberania nacional

Nelson Rockefeller veio para a Amazônia com os protestantes



Na Revista do Brasil, edição de maio, página 5, Mauro Santayana define com clareza por que há tanta oposição à construção da usina de Belo Monte, no rio Xingu:


“Se o governo não houvesse considerado a construção da usina uma questão de honra nacional, provavelmente os interesses estrangeiros, inimigos do nosso desenvolvimento independente, impediriam a importante obra, necessária à ocupação nacional e ao desenvolvimento da região amazônica.”


“Durante os últimos a nos, principalmente com Collor e Fernando Henrique, a Amazônia se abriu a ONGs internacionais e à presença sempre atrevida de estrangeiros … esses que se levantam agora contra Belo Monte.”


“Desde o século 19, europeus e norte-americanos tentam ocupar a Amazônia, em nome da ‘civilização’, de Deus (com os protestantes liderados pelos Rockefeller) e, ultimamente, da preservação do meio ambiente.”


“Ao tomar a decisão de construir a usina contra todos esses opositores, o governo Lula reafirma a soberania sobre a Amazônia, de maneira firme.”

Belo Monte e a Amazônia

Mauro Santayana
maurosantayana@jb.com.br

NO CENTRO DO DEBATE do projeto de construção da grande usina hidrelétrica de Belo Monte encontra-se o plano internacional de ocupação da Amazônia. Quanto mais a região estiver intocada, mais fácil será a sua ocupação pelos que a cobiçam. No caso, usam o pretexto da preservação da cultura indígena, que, em consequência do represamento do Xingu, sofreria com as alterações do meio ambiente. Contra essa preocupação há o irrecusável argumento de que essa cultura já se encontra violada, com a intensa presença de estrangeiros brancos na área. Essa presença, que vem de muito tempo, com os missionários e “pesquisadores”, é ainda acrescida dos receptores de rádio e televisão e, agora, dos computadores. É evidente que, a menos que o mundo se volte de cabeça para baixo, o avanço dos costumes da sociedade moderna e, com eles, dos processos tecnológicos de produção, será inevitável.

Como notou Ortega y Gasset, em seu estudo sobre o assunto, o homem não é natureza, é história. E a História se fez, até o momento, no confronto com a natureza.

Não se trata de defender a destruição do mundo natural, mas de saber como será possível ao homem continuar a construir sua história de forma mais racional, a fim de que não venha a perder o planeta. A renúncia à ereção da barragem não preservará o “paraíso” do Xingu. A civilização, queiramos ou não, até agora, choque-nos ou não, tem sido assim. Temos que contar com a ciência para que nos encontre o caminho do equilíbrio.

Há o argumento de que o projeto não é necessário, e que a Amazônia já conta com várias grandes hidrelétricas, se acrescentarmos a Tucuruí e a Balbina as usinas que se constroem sobre o leito do Madeira. Alguns especialistas acham possível substituílo pela construção de várias represas médias, que, em conjunto, tenham igual rendimento energético, e exerçam impacto menor sobre o ambiente. Mas isso não parece viável, mesmo porque o impacto sobre o meio-ambiente seria mais disseminado, e a custos financeiros e sociais ainda mais elevados.

Há, ainda, o problema político. Em discurso pronunciado quarta-feira, o senador Pedro Simon levantou algumas questões, com relação ao financiamento das obras de Belo Monte.

Simon não é contra o empreendimento, mas exige a mais absoluta transparência, sobretudo quando se anuncia a presença, entre os financiadores, dos fundos de pensão. Os grandes fundos de pensão estão com excesso de disponibilidade de capital. A Previ não cobra de seus associados desde 2007, conforme o jornal Valor Econômico, porque seu superávit ultrapassou os limites fixados pelo governo.

Sendo assim, os fundos são assediados pelos empreendedores privados, em busca de sua participação nos negócios.

Ocorre que os fundos mais ricos se fazem com o aporte financeiro significativo das empresas estatais a que se encontram vinculados, como é o caso da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. Simon, em seu discurso, lembrou a participação desses fundos na privatização das empresas de telefonia, com as suspeitas de favorecimento a alguns licitantes, que se levantaram na época, e não foram esclarecidas até hoje. É natural que seus recursos sejam aplicados em empreendimentos nacionais importantes, como os de geração de energia, sob controle não só dos associados, e do governo, que, com seu poder, nomeia-lhes os administradores, mas, também, da sociedade nacional como um todo. Não só o TCU deve vigiá-los, como instrumento do poder legislativo, mas igualmente outros órgãos de fiscalização.

No caso de Belo Monte há a insuportável e insolente manifestação de estrangeiros, com suas espúrias organizações não governamentais, ou não. Metendo-se onde não é de sua alçada, o diretor de cinema James Cameron participou de protesto contra a construção da usina. Mais lamentável que a sua presença no protesto é a cumplicidade de brasileiros que não só toleraram essa petulante intromissão em assuntos nossos, como a aplaudiram. Essa complacência se exerce também com brasileiros que aceitam associar-se a estrangeiros, a fim de que eles adquiram terras naquela região. Já são centenas de milhares de hectares alienados. É expediente estratégico de domínio, para o qual não estamos dando atenção.

do conversa afiada

segunda-feira, setembro 26, 2011

Dilma e Abbas sepultam tempo moralmente morto

Abbas e Dilma tratam na ONU das novas realidades. Incontornáveis
O Conversa Afiada tem o prazer de publicar artigo de Mauro Santayana – não deixe de ler também “Santayana busca a santa loucura” – sobre uma semana em setembro, extraído do JB online:

Uma semana de setembro


por Mauro Santayana


É quase certo que a semana que se encerrou ontem, sábado, tenha sido decisiva para a História deste século que se iniciou há dez anos, com os fatos misteriosos de Nova Iorque. A ONU, que não tem sido mais do que um auditório, espécie de ágora mundial, mas sem o poder político de que dispunham as praças de Atenas, ouviu quatro discursos importantes. Dois deles em nome da paz, do futuro, da lucidez e dois outros que ecoaram como serôdios. Dilma e Abbas, em nome dos que não aceitam mais essa divisão geopolítica do mundo; Netanyahu e Obama, constrangidos portavozes de um tempo moralmente morto. A assembléia geral estava separada em dois lados definidos, ainda que assimétricos.


A presidente do Brasil falava em nome das novas realidades, como a da emancipação das mulheres – pela primeira vez, na crônica das Nações Unidas, uma voz feminina abriu os debates anuais – e a impetuosa emersão de povos milenarmente oprimidos como agentes ativos da História. Mahmoud Abbas, embora em nome de uma pequena nação representou todos os povos oprimidos ao longo dos tempos. Por mais lhe neguem esse direito, a Palestina é  tão antiga que entre  suas fronteiras históricas nasceu um homem conhecido como Cristo.


O holocausto judaico, cometido pelos nazistas, e  que nos horroriza até hoje, durou poucos anos; o do povo palestino,  espoliado de direitos com a ocupação paulatina de suas terras, iniciada com o sionismo no fim do século 19, dura há pelo menos 63 anos, desde a criação, ex-abrupto, do Estado de Israel, em 1948. Recorde-se que a criação de um “lar nacional” para os judeus estava condicionada à sobrevivência, em segurança, do povo palestino em um estado independente. A voz de Dilma, mais comedida, posto que representando  nação de quase 200 milhões de pessoas no exercício de sua soberania política, teve a mesma transcendência histórica do apelo dramático de Abbas. A cambaleante comunidade internacional era chamada à sensatez política e à consciência ética. É duvidoso que ela corresponda a essa responsabilidade. Do outro lado, no discurso dissimulado e ameaçador de Netanyahu e na lengalenga constrangida de Obama, ouviram-se  os rugidos dos mísseis tomawaks e o remoto estrondo que destruiu as cidades de Hiroxima e Nagasáqui, em 1945. Enquanto Netanyahu balbuciava, sem nenhuma coerência, as expressões de paz, seus soldados matavam um manifestante palestino na Cisjordânia ocupada.


Os dois arrogantes senhores não falaram em nome dos homens; bradaram em nome das armas e dos grandes banqueiros sem pátria que, desde os Rotschild, mantêm a força contra a razão naquela região do mundo. Como muitos historiadores já apontaram, os judeus ricos, sob a liderança da poderosa família de financistas, decidiram acompanhar o ex-pangermanista Theodor Herzl, na idéia de criar um estado hebraico, a fim de se livrar da presença constrangedora dos judeus pobres na Inglaterra e na Europa Ocidental.


Na origem da sua independência, os Estados Unidos ouviram a constatação sensata de Tom Payne, de que contrariava o senso comum a dependência de um continente, como a América do Norte, a uma ilha, como a Grã Bretanha. O governo norte-americano é hoje refém de um estado diminuto, como Israel, representado em Washington pelos poderosos lobistas, capazes de influir sobre o Capitólio e a Casa Branca, contra as razões históricas da grande nação.


Ao apoiar, vigorosamente, o imediato reconhecimento, pelas Nações Unidas, da soberania do Estado Palestino, Dilma não falou apenas em nome dos países emergentes, solidários com o povo acossado e agredido,  cujas terras e águas são repartidas entre os invasores; falou em nome de princípios imemoriais do humanismo. Ela pôde dar autenticidade ao seu discurso com uma biografia singular, a de uma jovem que, na resistência contra um regime criado e nutrido ideologicamente pelos norte-americanos, foi prisioneira e torturada.


A presidente disse ao mundo que estamos, os brasileiros, trabalhando para que o Estado cumpra a sua razão de ser, ao reduzir as desigualdades sociais e ampliar o mercado interno, a fim de desenvolver, com  justiça, a economia nacional. Embora com a prudência da linguagem, exigida pelas circunstâncias solenes do encontro, o que Dilma disse aos grandes do mundo é que eles, no comando de seus estados, não agem em nome dos cidadãos que os elegeram, mas das grandes corporações econômicas e financeiras multinacionais, controladas por algumas dezenas de famílias do hemisfério norte. O resultado dessa distorção são as crises recorrentes do capitalismo contemporâneo, com o desemprego, o empobrecimento crescente das nações, a insegurança coletiva e o desespero dos mais pobres. E os mais pobres não se encontram hoje apenas nos países do antigo Terceiro Mundo, mas nas maiores e orgulhosas nações. As ruas de Londres e de Nova Iorque, de Nova Delhi e de São Paulo são caudais da mesma miséria. Daí a necessidade de que se mude o projeto de vida em nosso Planeta. Para isso é preciso que as novas nações participem efetivamente da construção do futuro do homem.


Outro ponto axial de seu discurso foi o da necessária e urgente reforma das Organização das  Nações Unidas, para que ela se restaure na credibilidade junto aos povos. Seu sistema decisório, construído na fase crucial da reacomodação do mundo, depois da tragédia da 2ª. Guerra Mundial, correspondeu a uma constelação circunstancial do poder, em que as maiores potências, possuidoras da bomba do juízo final,  assumiam a responsabilidade de garantir hipotética paz,  mediante o Conselho de Segurança. Contestado esse superpoder mundial pela consciência moral dos povos, desde o seu início, há quase duas décadas que se discute a sua ampliação democrática, mas sem qualquer conclusão efetiva. Dilma expressou a urgência de que isso ocorra, a fim de que o organismo possa ter a força da legitimidade política.


A paz, como a guerra, era, durante a Guerra Fria, um negócio a dois, e que só aos dois beneficiava. Sua disputa se fazia na periferia do sistema, a partir do conflito na Coréia, que inaugurou o sistema da divisão entre norte e sul, que se repetiria no Vietnã e em outros países.


Mais uma vez, no pacto Wojtyla-Reagan, a Igreja se somava ao dinheiro, para a aparente vitória do capitalismo, com a queda do muro de Berlim. Isso trouxe aos vitoriosos a ilusão de que a História chegara a seu fim, com a definitiva submissão dos pobres aos nascidos para mandar e usufruir de todos os benefícios da civilização. Como registramos, naqueles anos de Fernando Henrique, quando ele nos fez ajoelhar diante de Washington, os novos mestres do mundo se esqueceram de combinar com os adversários, como recomendou um filósofo mais atilado, o mestre Garrincha. A globalização, planejada para consolidar o condomínio dos países centrais, sob a hegemonia ianque, mediante a recolonização imperial, trouxe o efeito contrário, promoveu a unidade política dos países atingidos,  e se voltou contra seus criadores. Isso explica a emersão dos Brics.


Foi em nome do futuro, das novas e poderosas forças humanas que se organizam, que a Presidenta falou em Nova Iorque. 

*PHA

quinta-feira, julho 01, 2010

Desrespeito a Nação






Santayana e o vice:
é um menosprezo pela nação


A vice Sarah Palin ajudou a derrotar McCain



O Conversa Afiada reproduz texto de Mauro Santayana, publicado na página A2 do Jornal do Brasil.


Menosprezo pela nação

Por Mauro Santayana

Os candidatos à Presidência da República e seus partidos têm o dever de respeitar as instituições e, com elas, a nação. Cabe-lhes meditar a República, refletir em sua história, respeitar o seu povo. Não se apresentam ao país para uma experiência mas, sim, para reivindicar a mais alta missão a que pode aspirar um homem público. Ao apresentar-se, tendo em vista que a vida de cada um de nós é mera concessão do acaso, é do mandamento constitucional que seu nome seja acompanhado de um eventual substituto, o candidato à Vice-Presidência. O candidato à Vice-Presidência terá que ser uma pessoa preparada para, em caso de vacância, ocupar o cargo com a mesma respeitabilidade e competência do titular.

Memento mori, é a advertência dos velhos sábios. Todos nós iremos morrer, e a morte chegará quando não saberemos. Em um segundo, estamos vivos; no segundo seguinte já nada somos.

A Constituição de 1946 estabeleceu, sabiamente, que os vice-presidentes da República seriam eleitos isoladamente. Partia-se da razão lógica de que sua escolha era tão grave quanto a do presidente. Em qualquer momento, no caso de vacância do titular, o vice assumiria ungido da mesma legitimidade popular do presidente. Foi assim que, nas eleições de 1960, o povo escolheu entre Milton Campos, o candidato oficial da UDN, que tinha como postulante ao Planalto o instável Jânio Quadros, e João Goulart, o candidato da coligação PSD–PTB. Os eleitores elegeram Jânio e João Goulart, preferindo o jovem herdeiro de Vargas ao político mineiro. “A que o senhor atribui a derrota?” – um repórter de Belo Horizonte perguntou a Milton. E ele, em seu ceticismo montanhês, respondeu com a voz resignada: “Ao fato de que tive menos votos do que o outro”.

Entre as alterações absurdas do período militar houve a da eleição do presidente e seu vice em uma só votação, sob o pretexto de que assim ocorre nos Estados Unidos. Mesmo ali, esse costume não é o melhor. Uma das razões (e não a principal) da recente derrota republicana foi a escolha da desconhecida governadora do Alasca, Sarah Palin, para companheira de chapa de McCain. O candidato a vice-presidente só ocupará a Presidência, efemeramente, no caso de viagem do titular ao exterior. Mas passará a ser plenamente o chefe de Estado, no caso de impeachment ou no caso indesejável, mas sempre possível, da morte do titular. Ao eleger, com o titular, o vice-presidente, os eleitores estão escolhendo um presidente. Os candidatos à Presidência da República ofendem a nação ao se pressuporem invulneráveis à morte durante o mandato a que aspiram.

A situação escolheu o paulista Michel Temer seu candidato a vice. Se Temer fosse candidato à Presidência, dificilmente chegaria aos votos que obterá Marina Silva. A própria Marina Silva encontrou seu companheiro de chapa, em financiador de sua campanha, um industrial, também paulista, pessoa só conhecida entre seus amigos empresários. Agora, o PSDB, depois de não conseguir administrar o desentendimento com os conservadores, a eles se submete e aceita o nome do carioca Índio da Costa, deputado federal de 40 anos, indicado pelo ex-prefeito Cesar Maia.

Mais uma vez – e estamos pensando, sim, no nó górdio de 1930 – os políticos de São Paulo, a fim de conservarem a hegemonia sobre o país, perdem o bom-senso e, ao perdê-lo, desprezam a nação. É preciso que a cidadania exija, nas ruas, se for necessário, reforma constitucional que devolva ao povo o direito de escolher diretamente os vice-presidentes, e, entre outras medidas, acabe com a esdrúxula figura dos suplentes de senadores.

do Conversa Afiada


Serra só viu Índio uma vez…

Li ontem à noite, estarrecido, a nota da agência Reuters, informando que Serra admitiu ter visto seu candidato a vice, o deputado Índio da Costa, uma única vez, assim mesmo durante a transmissão do jogo Barasil e Coreia, 15 dias atrás.

Até então, o único contato que tinham tido foi por um curriculo que Índio mandou a ele, por ordem de Cesar Maia, que recebeu aquelas resposta de “cartinha padrão” dizendo que fosse em frente, jovem promissor, etc…

Leiam só, porque você não vão ver isso com destaque nos jornais:

“O deputado democrata de primeiro mandato Indio da Costa (RJ) acordou nesta quarta-feira candidato a deputado federal e vai dormir postulante a vice-presidente na chapa de José Serra (PSDB) sem nunca ter conversado por mais de 15 minutos com o candidato.

Aos 39 anos, disse que sua missão nesta campanha será conseguir o apoio do eleitorado jovem do país.

A única vez que trocou palavras com Serra foi na estreia do Brasil na Copa contra a Coreia do Norte, neste mês, quando os dois falaram das necessidades do Estado do Rio.

Quando o deputado Fernando Gabeira (PV) estava em dúvida se concorria ao governo do Estado do Rio, o ex-prefeito Cesar Maia (DEM) cogitou a indicação de Indio da Costa. O deputado então enviou a Serra um texto de duas páginas com propostas para o Rio e uma apresentação pessoal.

Após a definição de Gabeira pela candidatura ao comando do Estado, Indio da Costa recebeu de um emissário um comentário de Serra de que tinha achado o aliado um jovem de ideias modernas.”

Ninguém escolheria assim um candidato a vice. Se Índio está lá, é porque eles sabem que é um nome só para constar.

sexta-feira, setembro 09, 2011

Santayana: qual foi o alvo em 11 de setembro

O Conversa Afiada reproduz texto de Mauro Santayana, extraído do JB:

Nota do colunista: reproduzo abaixo, sem qualquer alteração, o texto do artigo que publiquei, no dia 12 de setembro de 2001, no Correio Braziliense. Ele foi redigido na tarde do dia dos atentados, sob o calor dos fatos. Nada a acrescentar, a não ser as crianças trucidadas no Afeganistão, no Iraque, e, agora,  na Líbia , sem falar nas que morriam antes e continuam a morrer na Faixa de Gaza.

A hora do medo


por Mauro Santayana


Qualquer que tenha sido o grupo terrorista responsável pelo surpreendente ataque contra Nova York , o alvo foi o modelo de sociedade que os Estados Unidos adotaram e pretendem impor ao mundo. O golpe pode ter sido desfechado por palestinos ou curdos, iraquianos ou corsos, líbios ou porto-riquenhos, como pode ter sido obra da direita norte-americana.


Pode significar represália contra a morte de crianças palestinas pelos mísseis israelitas, como pode expressar a vingança dos direitistas internos contra a execução do detonador de Oklahoma.


Um amigo norte-americano me disse, recentemente, que os seus compatriotas se encontram exaustos. Já não se orgulham, como se orgulhavam antes, de seu way of life.

Fortalecida a hegemonia mundial com a derrota do grande adversário, os Estados Unidos só têm sustentado a sua grandeza mediante uma economia fundada na virtualidade eletrônica e na ameaça que representam seus arsenais militares. No interior do país aumenta a pobreza, com a redução real dos salários e o endividamento cada vez maior das famílias norte-americanas. Não há sinais de melhora à vista. Anuncia-se forte recessão mundial, assunto de que tratamos, neste mesmo espaço, na semana passada e ainda não foi encontrado o caminho para enfrentá-la.


Depois da penosa depressão dos anos 30, a grande saída para a economia do país foi a guerra: Pearl Harbour lhes deu o pretexto, mais interno do que externo, para a participação no conflito e essa participação os levou ao comando da economia global. E agora? Já houve quem comparasse a explosão do World Trade Center, símbolo do capitalismo globalizador, ao ataque de dezembro de 1941 à grande base naval da Ásia.


Mas as coisas não são exatamente as mesmas. Em 1941, havia uma guerra em curso, e a Alemanha, tendo rompido o pacto Molotov-Ribbentrop, já estava ocupando grande parte da União Soviética. A Inglaterra sofria os ataques aéreos, desfechados pela Luftwaffe, a França estava ocupada havia mais de um ano, sofrendo, além da presença militar do inimigo, o vexame que representava o governo capitulacionista de Vichy.


Toda a simpatia do ocidente e dos povos submetidos ao Eixo estava com os Estados Unidos e seu grande presidente Franklin Roosevelt.


Hoje não ocorre o mesmo. O presidente dos Estados Unidos, e essa é a conclusão da grande imprensa norte-americana, é um texano bisonho, escolhido em pleito controvertido, que declarou guerra aos interesses do mundo quando rejeitou os compromissos do Protocolo de Kyoto e serve de chacota aos humoristas. Nós, brasileiros, temos ainda outras preocupações com Mr. Bush: ele e seu vice-presidente declararam, recentemente, que os países devedores devem vender suas florestas para pagar a dívida externa. Como não existem mais florestas na África, já sabemos para quem é o recado.


Pode ser que os falcões do Pentágono aproveitem o clima de vingança para optar por uma guerra contra todos, e Blair já fala em solidariedade das democracias, mas, se assim agirem, os Estados Unidos correm imenso risco.


Não é possível, nestas primeiras horas, identificar os responsáveis, ainda que possam surgir numerosas versões no calor dos fatos. Um exame sereno da situação mostra, no entanto, que seria muito difícil, ainda que não improvável, a um grupo de terroristas estrangeiros seqüestrar tantos aviões, sem qualquer suspeita e, mais ainda, atingir o coração do sistema militar, que é o Pentágono. Se o grupo é estrangeiro, é conveniente acreditar em algum tipo de cumplicidade interna.


A verdade poderá assustar mais ainda os dirigentes americanos: nada seria pior do que uma sublevação interna nos tempos modernos. Não seria como a Guerra da Secessão, com os interesses delimitados pela geografia, mas uma explosão de descontentamento difuso. Na Casa Branca não se encontra Abraham Lincoln, habita-a Mr. Bush, o que não é o mesmo.

O mais triste é saber que morreram pessoas inocentes, que nada têm a ver com os donos do mundo. Muitas das vítimas eram apenas turistas que visitavam as grandes e orgulhosas torres. As torres simbolizam, na arquitetura, a petulância dos que pretendem erguer-se à altura dos céus, como pontes erguidas para o absoluto. Outras eram apenas os descuidados e confiantes passageiros dos aviões.


Compraram os seus bilhetes, telefonaram para as famílias, leram os seus jornais e, antes da morte, se assustaram ao ver que voavam entre os grandes edifícios da cidade.


Qualquer que venha a ser a reação dos

Estados Unidos, o mundo mudou, será outro depois das explosões de Nova York e a fragilidade do sistema se tornou evidente.


Não há pessoas invulneráveis à violência de nosso tempo; não há tampouco povos invulneráveis. A mais poderosa das armas é ainda o homem e a sua disposição para a morte, em nome de uma causa, de um dever, ou, simplesmente, de um equívoco.


No fundo, o que está em jogo é a probabilidade ou não de a humanidade vencer esse tempo que, para citar o grande humanista norte-americano Thomas Paine, põe à prova a alma dos homens.


Em Belfast, os protestantes tentam agredir as crianças católicas a caminho das escolas.


No Oriente Médio, os israelitas matam outras crianças, como represália a ataques dos palestinos. Nas cidades norte-americanas, crianças assassinam professores e outras crianças nas escolas e o seu exemplo é seguido no mundo inteiro, até mesmo em nosso país.


O medo é nosso vizinho mais próximo e entra em nossa casa pelos canais de televisão.


O medo em Nova York poderá, ao agravar-se, igualar-se ao medo que se apossou da orgulhosa Cartago, tal como, sucintamente, o descreveu, com merveilleuse désolation, o grande Montaigne:


“Não se ouviam senão gritos pavorosos. Viam-se os moradores saírem de suas casas, atacarem-se uns aos outros, entrematarem-se, como se se tratasse de inimigos que tivessem vindo ocupar a cidade. A isso chamaram terror pânico, em homenagem a Pan…”


Pan é um deus destes tempos, modernos e americanos, of course: os gregos o criaram para cuidar da masturbação e do medo.

*PHA

sábado, janeiro 12, 2013

VIVO CONTRATA RATO E MANDA MAIS DE UM BILHÃO EM DIVIDENDOS PARA A EUROPA




A$$ustador!



Depois de pegar emprestados bilhões de reais a juros subsidiados com o BNDES nos últimos anos, a Telefónica Brasil (VIVO) aprovou,  ontem, o pagamento de um bilhão, seiscentos e cinquenta milhões de reais em dividendos, relativos apenas ao lucro auferido nos três primeiros trimestres de 2012. Setenta e quatro  por cento dessa quantia, ou o equivalente a quase 500 milhões de euros, vai direto para a matriz, na Espanha. 

Quanto ao cabide de empregos do Conselho da Telefónica - lembram que essa foi uma das desculpas para a  privatização das estatais, inclusive Telebras, na década  de 90 ? - continua lindo. 

Mal saiu Iñaki Undargarin, ex-jogador de basquete e genro do Rei Juan Carlos, o Caçador de Elefantes,  acusado de corrupção e contratado  por um milhão e quinhentos mil euros (quase 4 milhões de reais) por ano, como "conselheiro" para a América Latina, já entrou Rodrigo Rato, ex-presidente do FMI e  sob investigação por fraude no banco estatal Bankia, que vai receber  belíssima soma para atuar como "consultor externo" da multinacional espanhola.

 



Telefônica (Vivo) saqueia o Brasil

Por Mauro Santayana, em seu blog:

Depois de pegar emprestados bilhões de reais a juros subsidiados com o BNDES nos últimos anos, a Telefônica Brasil (Vivo) aprovou, ontem, o pagamento de um bilhão, seiscentos e cinquenta milhões de reais em dividendos, relativos apenas ao lucro auferido nos três primeiros trimestres de 2012. Setenta e quatro por cento dessa quantia, ou o equivalente a quase 500 milhões de euros, vai direto para a matriz, na Espanha.
*Miro

sexta-feira, abril 06, 2012

Cristão ou não, aproveite o texto brilhante do mestre Santayana para refletir

 

Via Jornal do Brasil
A crucificação de Cristo, o suicídio e a rebelião em Atenas
“… mediante a Trilateral e o Clube de Bielderbeg, controlados, como se sabe, por meia dúzia de poderosas famílias do mundo. Esse projeto é o de dizimar, por todos os meios possíveis, a população, e transformar a Terra no paraíso dos 500 mil mais poderosos ricos e eleitos, em oposição à utopia cristã”.
Mauro Santayana
O homem que prenderam, interrogaram, torturaram, humilharam, escarneceram e crucificaram, na Palestina de há quase dois mil anos, foi, conforme os evangelhos, um ativista revolucionário. Ele contestava a ordem dominante, ao anunciar a sua substituição pelo reino de Deus. O reino de Deus, em sua pregação, era o reino do amor, da solidariedade, da igualdade.
Mas não hesitou em chicotear os mercadores do templo, que antecipavam, com seus lucros à sombra de Deus, o que iriam fazer, bem mais tarde, papas como Rodrigo Bórgia, Giullio della Rovere, Giovanni Médici, e cardeais como os dirigentes do Banco Ambrosiano, em tempos bem recentes. O papa reinante hoje, tão indulgente com os gravíssimos pecados de muitos de sua grei, decidiu, ex-catedra, que as mulheres não podem exercer o sacerdócio.
Ao longo da História, duas têm sido as imagens daquele rapaz de Nazaré. Uma é a do filho único de Deus, havido na concepção de uma jovem virgem, escolhida pelo Criador. Outra, a do homem comum, nascido como todos os outros seres humanos, em circunstâncias de tempo e lugar que o fizeram um pregador, continuador da missão de seu primo, João Batista, decapitado, porque ameaçava o poder de Herodes Antipas. Tanto João, quanto Jesus, foram, como seriam, em qualquer tempo e lugar, inimigos da ordem que privilegiava os poderosos. Por isso — e não por outra razão — foram assassinados, decapitado um, crucificado o outro.
Os homens sentem a presença do Absoluto quando as circunstâncias o negam
Um e outro tiveram dúvidas, segundo os evangelistas. João Batista enviou emissário a Jesus, perguntando-lhe se era mesmo o messias que esperava, e Cristo, na agonia, indagou a Deus por que o abandonava. Os dois momentos revelam a fragilidade dos homens que foram, e é exatamente nessa debilidade que encontramos a presença de Deus: os homens sentem a presença do Absoluto quando as circunstâncias o negam. João Batista sentia-se movido pela fé, ao anunciar a vinda do Salvador.
Era um ativista, pregando a revolução que viria, chefiada por outro, pelo novo e mais poderoso dos profetas. Ao saber que Cristo pregava e realizava milagres, supôs que ele poderia ser aquele que esperava, mas duvidou. Nesse momento, moveu-se pela esperança de que o jovem nazareno fosse o Enviado — o que confirmaria a sua fé. Cristo, na hora da morte, talvez levasse a sua dúvida mais adiante, e se perguntasse se a sua morte, que previra e esperara, serviria realmente à libertação dos homens — desde que salvar é libertar. O Reino de Deus, sendo o reino da justiça, é a libertação. Daí a associação entre essa felicidade e a vida eterna, presente em quase todas as religiões.
Na pregação de Cristo, a libertação começa na Terra, na confraternização entre todos os homens. Daí o conselho aos que o quisessem seguir, e ainda válido — repartissem com os pobres os seus bens, como fizeram, em seguida, os seus apóstolos, ao criar a Igreja do Caminho. Se acreditamos na vida eterna, temos que admitir que a vida na Terra é uma parcela da Eternidade, que deve ser habitada com a consciência do Todo. Assim, a vida eterna começa na precariedade da carne.
Quarta-feira passada — quando em São João del Rei, em Minas, a Igreja celebrou o Ofício das Trevas no rito antigo — um grego, Dimitris Christoulas, chegou pela manhã à Praça Syntagma, diante do Parlamento Grego, buscou a sombra de um cipreste secular, levou o revólver à têmpora, e disparou. Em seu bilhete de suicida estava a razão: aos 77 anos, farmacêutico aposentado, teve a sua pensão, reduzida em mais de 30%, ao mesmo tempo que se elevou brutalmente o custo de vida.
As medidas econômicas, ditadas pelo empregado do Goldman Sachs e servidor do Banco Central europeu, nomeado pelos banqueiros primeiro ministro da Grécia, Lucas Papademos, não só reduziram o seu cheque de aposentado, como o privaram dos subsídios aos medicamentos. Quero morrer mantendo a minha dignidade, antes que me veja obrigado a buscar minha comida nos restos das latas de lixo — escreveu em seu bilhete de despedida, lido e relido pelos que tentaram socorrê-lo, e que se reuniam na praça. “Tenho já uma idade que não me permite recorrer à força — mas se um jovem agora empunhasse um kalashinov, eu seria o segundo a fazê-lo e o seguiria”.
No mesmo texto, Christoulas incita claramente os jovens gregos sem futuro à luta armada, a pendurar os traidores, na mesma praça Syntagma, “como os italianos fizeram com Mussolini em Milão, em 1945”. O tronco do cipreste se tornou um painel dos protestos escritos. Em um deles, o suicídio de Christoulas é definido como um “crime financeiro”.
A morte de Christoulas, em nome da justiça, pode trazer nova esperança ao mundo, como a de Cristo trouxe
A morte de Christoulas, em nome da justiça, pode trazer nova esperança ao mundo, como a de Cristo trouxe. Não importa muito se ainda não foi possível construir o reino de Deus na Terra, e não importa tampouco que o nome de Cristo tenha sido invocado para justificar tantos e tão repugnantes crimes. No coração dos homens de boa vontade, qualquer que seja o seu calvário — porque todos os homens justos o escalam, onde quer que nasçam e morram — a felicidade os visita, quando comungam do sentimento de amor de Cristo pela Humanidade. Nesses momentos, ainda que sejam apenas segundos fugazes, habitamos o Reino de Deus.
Nunca, em toda a História, tivemos tanto desdém pela vida dos homens, como nestes tempos de ditadura financeira universal. Estamos vivendo vésperas densas de medo, mas dentro do medo, há centelhas de esperança. A morte do aposentado, quarta-feira de trevas, em Atenas, é, com toda a carga trágica de seu gesto, partícula de uma dessas centelhas.
Estamos cansados de sangue, mas o que está ocorrendo hoje — teorizem como quiserem economistas e sociólogos — é a etapa seguinte do grande projeto dos neoliberais, que vem sendo executado sistematicamente pelos que realmente mandam no mundo e que assumiram sua governança (para usar o termo de seu agrado), mediante a Trilateral e o Clube de Bielderbeg, controlados, como se sabe, por meia dúzia de poderosas famílias do mundo. Esse projeto é o de dizimar, por todos os meios possíveis, a população, e transformar a Terra no paraíso dos 500 mil mais poderosos ricos e eleitos, em oposição à utopia cristã.
Mas é improvável que os pobres, que são a maioria, não identifiquem seu real inimigo, e se sacrifiquem, sem resistência, ao Baal contemporâneo — esse sistema financeiro que acabou com a antiga sacralidade da moeda, ao emitir papéis sem nenhuma relação com os bens reais do mundo e com a dignidade do trabalho. A força da mensagem do nazareno deve ser retomada: os oprimidos — negros, brancos, muçulmanos, cristãos, budistas e ateus — devem compreender que os habitam o homem, e não animais distintos, destinados à violência em proveito dos promotores da barbárie.
Ao expirar, depois de torturado, ultrajado seu corpo, humilhado, escarnecido, Cristo se tornou a maior referência de justiça. Aos 77 anos, o aposentado grego, ao matar-se, transformou-se em bandeira que ameaça iniciar, na Grécia, novo movimento em favor da igualdade — a mesma ideia que levou Péricles a fundar o primeiro estado de bem-estar social da História, ao reconstruir Atenas, empregar todos os pobres, e dotar os marinheiros do Pireu do primeiro conjunto de casas populares da História.
Vinte séculos podem ter sido apenas rápido intervalo — um pequeno descanso da razão. 
*Gilsonsampaio

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Mauro Santayana: OS LIMITES DA PÁTRIA

 do Mauro Santayana
“Quando a Família Real Inglesa e os círculos oficiais e financeiros norte-americanos cercam a menina pobre dos seringais de homenagens, usam de uma astúcia velha dos colonialistas, e fazem lembrar os franceses na aliança com a Confederação dos Tamoios, e os holandeses em suas relações com Calabar.”

         (JB) -           É difícil saber se a Sra. Marina Silva é uma pessoa ingênua e de boas intenções, ou se optou, conscientemente, por defender os interesses das grandes potências que, sob o comando de Washington, exercem o solerte condomínio econômico do mundo e pretendem o absoluto império político. Há uma terceira hipótese que, com delicadeza, devemos descartar: desmesurada ambição de poder, sem as condições concretas para obtê-lo e exercê-lo.
                Os admiradores lembram sempre sua  origem modesta, o que não quer dizer tudo, mas não podem, com a mesma convicção, dizer que ela tenha mantido, ao longo da carreira, o que os marxistas chamam “consciência de classe”. Suas alianças são estranhas a esse sentimento. Ela se tornou uma figura homenageada pelos grandes do mundo, mas, sobretudo, do eixo Washington-Londres. Se ela mantivesse a consciência de classe, desconfiaria desses mimos. Para dizer a verdade, nem mesmo seria necessária a consciência de classe: bastaria a consciência de pátria.
               A Sra. Silva, como alguns outros brasileiros que se pretendem na esquerda, é uma internacionalista. O meio ambiente, que querem preservar tais verdes e assimilados, não é o do Brasil para os brasileiros, mas é o do Brasil para o mundo. Quando a Família Real Inglesa e os círculos oficiais e financeiros norte-americanos cercam a menina pobre dos seringais de homenagens, usam de uma astúcia velha dos colonialistas, e fazem lembrar os franceses na aliança com a Confederação dos Tamoios, e os holandeses em suas relações com Calabar.
            Os tempos mudam, os interesses de conquista e domínio permanecem, com sua própria dinâmica e solércia. Os limites intransponíveis da razão política são os da pátria. Todos os devaneios são admissíveis, menos os que comprometam a soberania nacional.  Não são apenas os estrangeiros que adoçam os sonhos da defensora da natureza. São também brasileiros ricos e conservadores que, é claro, procuram dividir a cidadania, para que  fiéis servidores políticos mantenham sua posição no Parlamento e nos outros poderes. Há informações de que  grande acionista de banco poderoso se encarregou das despesas do espetáculo de lançamento do partido de dona Marina, que não quer ser chamado de partido. E não se esqueça de que quem sempre a financiou é um industrial enriquecido com a biodiversidade amazônica.
             Não há coincidências em política. Os mentores da Sra. Silva querem que seu movimento, como ela anunciou, não seja de direita, nem de esquerda, e muito menos de centro - que é o equilíbrio pragmático entre as duas pontas do espectro. É interessante a ilogicidade da proposta. Como é possível dissociar a ideologia da política e, ainda mais, a ideologia do viver cotidiano? Esquerda e Direita existem na vida dos homens desde as primeiras tribos  nômades, e são facilmente identificáveis na postura solidária de alguns e no egoísmo de outros. Sempre que pensamos em igualdade, somos, menos ou mais, de esquerda; sempre que pensamos na superioridade, de qualquer natureza, de uns sobre os outros, estamos na direita.  Mais ainda: idéia é a imagem que construímos previamente na consciência, seja a de um objeto, seja a de uma conduta social e política.
           Não é possível viver sem um lado. A doutrina da mal chamada Rede (apropriação apressada e ingênua do mundo da internet, que é um meio neutro) oferece essa aporia: é um partido sem partido, uma realidade sem geometria, uma idéia sem idéia.
*GilsonSampaio

sexta-feira, agosto 26, 2011

Murdoch em Oslo

O ódio ao imigrante é um dos produtos de um jornalismo sórdido que alimenta a direita, da Alemanha à Inglaterra, dos EUA ao Brasil.
Mauro Santayana
Mauro Santayana é colunista da RdBMurdoch símboliza a manipulação das ideias, a serviço do fundamentalismo mercantil. A crise política de 1929 fez com que o capitalismo alemão financiasse Hitler. Mediante o controle dos meios, o nazismo envenenou parte do povo alemão. A crise atual do capitalismo neoliberal financiou Murdoch e seus 200 jornais no mundo – mas ele não está só.
Entre as explicações para a grande tragédia de Oslo –  anúncio sangrento de que o nazismo, com outros nomes, está de volta –, uma não mereceu maior atenção dos analistas: a influência dos grandes meios de comunicação, como os controlados por Rupert Murdoch, xenófobos, anti-islâmicos, defensores de uma “Europa limpa e pura”.
Não é difícil associar o processo de homogeneização dos meios de comunicação do mundo inteiro – na defesa de ideias como as de que há uma guerra de civilizações, entre o Islã e o Ocidente Cristão – e o crescimento global de organizações de extrema direita. Melanie Phillips, no Daily Mail, resumiu a situação: “Brejvik talvez seja um psicopata desequilibrado, mas o que emerge agora de seu ato atroz é o delírio de uma cultura ocidental que perdeu sua razão”.
Por mais voltas que dermos à inteligência, na busca de profundas e complexas interpretações para essa tendência ao suicídio da civilização contemporânea, sempre chegaremos à ideia mais simples: o capitalismo apodreceu o que restava de solidariedade no processo de civilização ocidental ao universalizar o american dream, fundado na competição e no êxito individual, de qualquer forma. Quando um líder chinês, Deng Xiaoping, proclama que é bom enriquecer, o calvinismo se une ao taoísmo para sepultar Mao Tsé-tung e execrar Marx.
O grande perigo da infecção que, sob a Alemanha de Hitler, se identificou no nazismo é a combinação do instinto das feras – que lutam pela supremacia em seu espaço de caça – com a aparente lógica científica. O racismo é o mais perfeito “apodrecimento da razão”, conforme a definição de Lukács. Investigações recentes sobre a inteligência revelam que não há a menor diferença da capacidade mental entre todas as etnias do mundo: um negro africano tem, em média, o mesmo QI de qualquer nórdico. O que pode diferenciá-los, como indivíduos, e não como grupos étnicos, é a educação, isto é, o treinamento intelectual.
Desde que as sociedades políticas se organizaram, a linguagem passou a servir como instrumento de convencimento a favor do poder e como arma na resistência contra os opressores. A retórica está a serviço do poder, legítimo ou não; a crítica serve à resistência libertária. Como em tudo o mais, o melhor exemplo é grego: os oradores se dividiam, na praça pública, em defesa dos governantes ou contra eles. E os outros meios de comunicação – textos literários, ensaios filosóficos e, sobretudo, o teatro – iam mais além, na crítica ou no elogio ao sistema político de então.
As coisas não mudaram muito em sua essência, mas a tecnologia ampliou a força da palavra – e da imagem. A maioria dos mais poderosos veículos é controlada pelo poder financeiro, e tem servido para submeter governantes aos seus interesses. A técnica é impor o pensamento único e exacerbar a violência, a fim de manter os povos submissos, reduzir os homens à condição de trabalhadores dóceis e consumidores vorazes.
Murdoch é hoje o símbolo da manipulação da verdade e das ideias, a serviço do fundamentalismo mercantil. A crise política de 1929 fez com que o capitalismo alemão financiasse Hitler e seus criminosos. E mediante o controle dos meios de comunicação o nazismo envenenou parte do povo alemão com o mito da superioridade racial. A crise atual do capitalismo neoliberal financiou Murdoch e seus 200 jornais no mundo – mas ele não está só.
O ódio ao imigrante, um dos produtos desse jornalismo sórdido, deu origem a Brejvik, e alimenta a direita, da Alemanha à Inglaterra, dos Estados Unidos a São Paulo e ao Rio Grande do Sul. Os muçulmanos são os novos judeus da Europa, enquanto, para a extrema direita nacional, os negros, nordestinos e mestiços são os odiados “muçulmanos” do Brasil.

sexta-feira, abril 18, 2014

O G-20, os BRICS e a reforma do FMI



 




A reforma do Fundo Monetário internacional pretende dar maior peso aos países emergentes na instituição, diminuindo a importância, as cotas e o poder de decisão de nações europeias cuja economia perdeu importância relativa nos últimos anos.

A reforma, nos moldes em que está, precisa ser aprovada pelo legislativo dos países membros, e se encontra  travada no Congresso dos Estados Unidos, há quatro anos, embora já tenha recebido o aval de 144 países, ou 76% do total de votos da organização.
Por causa disso, autoridades como o Presidente do G-20 financeiro, o ministro australiano do Tesouro, Joe Hockey, e o próprio ministro brasileiro da Fazenda, Guido Mantega, disseram que, se nos próximos meses, não se superar o impasse, “alternativas” seriam buscadas, juridicamente, para superar o bloqueio do Congresso dos EUA.

Não é apenas a paciência do G-20 que se está esgotando com a posição norte-americana quanto ao FMI, mas, principalmente a do BRICS, cujos países serão beneficiados com um aumento em seu poder de voto equivalente a 6% das cotas da instituição, fazendo com que chegue a 14,1%, se aproximando do peso dos próprios EUA.

Nos dias 15 e 16 de junho, logo após a Copa, os líderes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, se reunirão, no Brasil, em Fortaleza, no Ceará, para sua cúpula presidencial de 2014.

No encontro devem ser discutidos dois temas: a criação de um Banco de Desenvolvimento para o BRICS, com um capital inicial de 50 bilhões de dólares; e de um fundo de reservas, que, na verdade, funcionaria como um embrião de um futuro FMI comandado pelos países emergentes, com capital também inicial de 100 bilhões de dólares.

Embora o fim dos BRICS esteja sendo cantado, há anos, em verso e prosa, pela imprensa ocidental - e por países que não tem nenhuma condição de  entrar para o grupo, como o México - o fato é que Brasil, Rússia, Índia e África do Sul, crescem na média, mais que os EUA e a Europa; têm, juntos, um PIB de 16,2 trilhões de dólares, superior ao da Zona do Euro; e até 2018, segundo o próprio FMI, a renda per capita de seus 3 bilhões de habitantes deve crescer 37%.    
    
Começando como uma sigla econômica, imaginada por um economista da Goldman Sachs, Jim O´Neill, o BRICS é, hoje, por mais que isso não agrade a alguns, uma aliança estratégica de alcance global, que mudará a história do mundo nos próximos anos."
*Saraiva

domingo, outubro 21, 2012

O referendum islandês e os silêncios da mídia

 

 

Via CartaMaior
Os cidadãos da Islândia referendaram, ontem, com cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua nova Constituição, redigido por 25 delegados, quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo a estatização de seus recursos naturais.
Mauro Santayana

Os cidadãos da Islândia referendaram, ontem, com cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua nova Constituição, redigido por 25 delegados, quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo a estatização de seus recursos naturais. A Islândia é um desses enigmas da História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 qm2, só é ocupada em seu litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do século 19, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus assuntos internos.
Em 2003, sob a pressão neoliberal, a Islândia privatizou o seu sistema bancário, até então estatal. Como lhes conviesse, os grandes bancos norte-americanos e ingleses, que já operavam no mercado derivativo, na espiral das subprimes, transformaram Reykjavik em um grande centro financeiro internacional e uma das maiores vítimas do neoliberalismo. Com apenas 320.000 habitantes, a ilha se tornou um cômodo paraíso fiscal para os grandes bancos.
Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu, assim, dívida superior a dez vezes o seu produto interno bruto. O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos, cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.
A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos islandeses – de todas as idades - pagaria 130 euros mensais durante 15 anos. O povo exigiu um referendum e, com 93% dos votos, decidiu não pagar dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e da City de Londres.
A dívida externa do país, construída pela irresponsabilidade dos bancos associados às maiores instituições financeiras mundiais, levou a nação à insolvência e os islandeses ao desespero. A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de mudar tudo. Uma assembléia popular, reunida espontaneamente, decidiu eleger corpo constituinte de 25 cidadãos, que não tivessem qualquer atividade partidária, a fim de redigir a Carta Constitucional do país. Para candidatar-se ao corpo legislativo bastava a indicação de 30 pessoas. Houve 500 candidatos. Os escolhidos ouviram a população adulta, que se manifestou via internet, com sugestões para o texto. O governo encampou a iniciativa e oficializou a comissão, ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.
Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população, o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.
Embora a Islândia seja uma nação pequena, distante da Europa e da América, e com a economia dependente dos mercados externos (exporta peixes, principalmente o bacalhau), seu exemplo pode servir aos outros povos, sufocados pela irracionalidade da ditadura financeira.
Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação internacional fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em Reykjavik. É eloqüente sinal de que os islandeses podem estar abrindo caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
*GilsonSampaio

domingo, janeiro 06, 2013

O jardineiro uruguaio

 

Via CartaMaior
Ao receber, em sua casa o repórter do New York Times que o entrevistou, Mujica ofereceu-lhe um trago de cachaça uruguaia, enquanto demonstrava a sua cultura, citando Spinoza. Lembrou uma passagem de Dom Quixote e Sancho Pança, que, hóspedes de pastores de cabras, bebem vinho e comem cabrito assado, com seus anfitriões.
Mauro Santayana

O New York Times publicou, neste fim de semana, um perfil do presidente do Uruguai, José Mujica. Não é a primeira vez que seus hábitos modestíssimos ocupam alguns importantes jornais do mundo. Mais instigante do que o estranho chefe de Estado e de governo, que doa quase todos os seus subsídios presidenciais aos pobres, e que cultiva crisântemos, é o próprio Uruguai, que chegou a ser comparado com a Suíça nas primeiras décadas do século passado.
A comparação foi injusta para com o Uruguai, embora o país meridional tenha servido também de paraíso fiscal para os meliantes de sempre: lavadores de dinheiro e ladrões de recursos públicos dos países vizinhos.
O Uruguai se destacou, na América Latina, pela coragem de um grande presidente, José Battle y Ordoñez. Quando o continente se encontrava sob a influência reacionária da Igreja Católica, ainda em 1906, o presidente, que era homem da poderosa oligarquia uruguaia (seu pai foi presidente da República e a família continuou poderosa até recentemente), mandou retirar os crucifixos dos hospitais, promoveu a legislação que instituiu o divórcio, e proibiu a evocação de Deus e dos Evangelhos nos juramentos oficiais.
Mais ainda: determinou o sufrágio universal, reformou, ampliando-o, o sistema de ensino, na confessada e obstinada decisão de construir uma poderosa classe média. Em seu segundo mandato, de 1911 a 1915, Battle se declarou contra o imperialismo, estabeleceu o seguro desemprego, com a lei de compensação contra a falta de trabalho, ao mesmo tempo em que acabou com os grandes monopólios privados, estatizando-os.
O Uruguai era, e continua a ser, país privilegiado pela fertilidade de suas terras, o que o fez um dos maiores exportadores de carne e de lã do continente. A população sempre foi reduzida, e urbana: no campo só ficavam os vaqueiros e os cultivadores de trigo. Isso favoreceu a evolução do país, e contribuiu para que a sua sociedade fosse a menos desigual do continente, até a onda golpista dos anos 60 e 70 na nossa América Latina, promovida pelos norte-americanos, e a adesão ao neoliberalismo.
Com os recursos obtidos no comércio internacional, o Uruguai foi o pioneiro no mais exitoso sistema de bem-estar social do hemisfério. A aposentadoria era precoce para os trabalhadores mais sacrificados, fosse pelas condições físicas da atividade, fosse pela sua pressão psicológica (como os pilotos de aviões, por exemplo).
José Mujica talvez exagere em seus hábitos, ao desprezar a residência oficial dos chefes de Estado e mesmo, como fez, usá-la como abrigo para os moradores de rua, que o neoliberalismo está produzindo em seu país. Mas, com isso, ele – como de alguma forma já fizera seu antecessor, Tabarez Vázquez – despe o poder de seus ornamentos costumeiros.
Constantino, o grande imperador, vestia roupas novas e cobertas de ouro, todos os dias. Mujica, o antigo guerrilheiro tupamaro, que passou 14 anos preso, não usa gravatas.
Ao receber, em sua casa (sem empregados domésticos) o repórter que o entrevistou, Mujica ofereceu-lhe um trago de cachaça uruguaia, enquanto demonstrava a sua cultura, citando Spinoza. Lembrou uma passagem de Dom Quixote e Sancho Pança, que, hóspedes de pastores de cabras, bebem vinho e comem cabrito assado, com seus anfitriões, e observou que os pastores são os homens mais pobres da Espanha.
“Provavelmente, por isso mesmo, sejam os mais ricos”, completou o presidente, que é contra a reeleição, e pretende voltar a plantar flores, quando seu mandato terminar.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
*GilsonSampaio