Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 04, 2010

Fé de mais




Fé de mais
Pena que a imprensa tenha dedicado tão poucas linhas à passagem do candidato tucano à Presidência, José Serra, por Santa Catarina. Em pleno Dia do Trabalho, o ex-governador paulista preferiu ficar longe das comemorações das centrais sindicais em seu Estado e foi a estrela de um encontro de evangélicos em Camboriú.
Os breves registros de sua passagem por terras catarinenses, porém, são suficientes para mostrar que o homem é mesmo um predestinado. Ou um cara de pau sem tamanho.
Não me refiro ao fato de ele ter começado seu discurso de campanha com o "Que todos estejam com a paz do Senhor", a tradicional saudação dos evangélicos - justamente ele, que foi um dos membros mais ativos da Ação Popular, o braço marxista da Igreja Católica. Mas isso é uma outra história, ou melhor, um fato que ficou perdido numa história longínqua, que o nosso personagem, certamente, prefere não lembrar.
Também não me espanta que ele tenha aproveitado a multidão de fiéis para pedir uma ajuda ao divino - até os ateus mais empedernidos têm seus momentos de dúvida e na dúvida... "Peçam que Ele me dê sabedoria para enfrentar as batalhas daqui por diante. Todas elas voltadas ao progresso do país", solicitou o humilde candidato.
O que me espantou mesmo na performance do tucano foi a sua intimidade com o Deus louvado pelos cristãos. Tendo como mote a sua passagem pelo Ministério da Saúde do saudoso governo FHC, Serra defendeu a lei que fez para proibir que se fume em áreas fechadas e, de quebra, afirmou que os fumantes são, se não a escória do mundo, pelo menos os seres mais indicados para arderem eternamente no fogo do inferno: "A pessoa que fuma sabe que o cigarro vai fazer mal, mas continua assim mesmo. Depois, adoece e mesmo assim continua fumando. Assim é uma pessoa sem Deus. Sabe que Ele está ali, mas não o procura", afirmou o nosso herói.
Pois é, o homem está mesmo impossível. E ainda nem encomendou a mudança para o Palácio do Planalto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário