Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, outubro 06, 2011

Sôbre esperança e mudança

"Taxem os gatos gordos". O mercado já não é o Deus da América
Em 2008, na crise, o negro Barack Obama foi a esperança. Afinal, um negro na presidência da maior nação “branca” do mundo seria a negação do sistema que falia, e literalmente  ele falia, sim.
A opinião pública mundial, de fora para dentro, empurrou Barack Obama para além dos negros e latinos norteamericanos que, com o apoio de um parcela da intelectualidade encantada com a perspectiva do novo.
A perspectiva do que Obama poderia representar – e não os atos que praticara ou praticaria – deu a ele o Prêmio Nobel da Paz, antes que retirasse um só soldado ou desarmasse uma única ogiva nuclear.
A crise de 2011 não tem um Obama.
Na verdade, os que protestaram na Europa, como os  que protestam em número cada vez maior  nos EUA, numa surpreendente sequência de manifestações, têm um grito aflito, não um projeto. Têm muito, muito mais princípios do que fins. Isso talvez seja sua maior carência e sua maior virtude.
Podem não ter uma perspectiva de poder. Mas são dissonantes, e isso é muito depois de tempos de fé na harmonia do capital como música do mundo.
Quando a prosperidade ruiu, em 2008, foi um choque. A nova onda da crise, não, não espanta. Não é um acidente de percurso, é a inviabilidade do “caminho único”  do qual, mesmo depois do desastre, não se saiu.
Para nós, pode soar estranho que milhares de pessoas se reúnam nas ruas para pedir mais presença estatal e mais impostos. Mas não pode soar mais estranho isso aqui do que nos EUA.
A ordem e a lógica econômica e política do mundo ou se reformula, ou se reformula.
A esperança de 2008 perdeu-se por não mudá-la. A esperança de 2011 talvez não espere vencer, mas sabe que é preciso mudar.
*Tijolaço

Nenhum comentário:

Postar um comentário