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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, julho 03, 2013

Aula Pública OcupAção: DESMILITARIZAÇÃO DA POLÍCIA (c/ prof. Túlio Vianna)

Não temos nada a ganhar com militarização da polícia, defende prof. Túlio Vianna em aula pública

Em aula aberta no MASP, professor de direito penal ressaltou que mesmo os policiais perdem com a militarização e defendeu polícia 100% civil e com controle externo e independente
COLETIVO DAR
A segunda-feira gelada e molhada em São Paulo não impediu que cerca de cem pessoas ocupassem o vão livre do MASP para assistir ao professor de Direito Penal Túlio Vianna falar sobre a necessidade da desmilitarização da polícia brasileira – outras inúmeras acompanharam a aula pública, organizada pelo coletivo OcupAção, pela Internet. Após exposição inicial do professor, houve rodas de conversas, formulação e propostas e depois mais debate, com a conclusão final, evidente, de que se por enquanto é difícil extinguir a polícia é necessário, ao menos, que ela mude radicalmente sua forma de agir, e que a sociedade mude radicalmente a forma de controlar esses descontrolados agentes estatais.
“O que a gente quer dizer com a desmilitarização da policia?”, questionou Vianna ao abrir sua participação, explicando que, mais do que mudanças de procedimento e organização, o que está em jogo na bandeira da desmilitarização é a transformação da lógica de como a sociedade transfere responsabilidades à polícia: “O problema é da estrutura do militarismo. A lógica é treinar soldados pra guerra, temos um inimigo a ser combatido. Um cidadão não pode ser visto como um inimigo. O Estado deveria, antes de tudo, preservar direitos”.
O professor lembrou que, a partir dessa lógica militarista, a formação policial se dá de forma completamente brutal e violenta, desrespeitando inclusive os próprios policiais e tendo impactos diretos sobre o cotidiano violento de nossas cidades. “O treinamento da policia militar é feito para ser violento. Com os rituais próprios do militarismo, uma das grandes estratégias é humilhar aquele individuo que está entrando. Ele aprende desde cedo que tem um valor que tem que ser respeitado: a hierarquia. Ele é treinado para cumprir ordens, não para garantir direitos”, explicou, complementando apontando que “a sociedade opta que se cumpram ordens sem refletir sobre elas. Nós pagamos a policia pra ser isso. Como eu vou exigir que esse sujeito não seja violento com um suspeito? Esse individuo tem todos seus direitos desrespeitados, ele pode ser humilhado pelo superior hierárquico dele a qualquer momento”.
Este tipo de preparação leva a que o policial encare os cidadãos, que deveria proteger, como inimigos. “Eu que sou um cidadão de bem, eu que sou autoridade, se nem meu chefe tem que me respeitar, por que eu vou respeitar um ‘vagabundo’? Quem está abaixo do soldado na hierarquia militar? Nós, os civis. Abaixo dos civis, somente os ‘bandidos’, ‘marginais’”, prosseguiu Vianna. “Tudo que ele aprendeu lá ele vai jogar no preso. Me respeite que eu sou autoridade. A estrutura do militarismo é planejada pra isso. Quando a gente pensa nas forças armadas, isso faz mais sentido. Guerra é um estado de permanente tensão, você pode estar em minoria, sendo atacado, etc. A policia não é um estado de guerra permanente, não deveria ser. Não estamos lidando com inimigos, estamos lidando com cidadãos”.
Segundo o professor mineiro, a primeira coisa a ser levada em mente é a policia não serve pra combater o inimigo, porque o cidadão não é inimigo. “Nós chamamos o exercito pra subir o morro! No momento que o estado chama o exercito pra sub o morro, ele diz que aquele indivíduo que mora lá não tem cidadania, não tem direito aos direitos fundamentais”.
Unificação das polícias para uma polícia 100% civil
A partir dessa análise de que, evidentemente, do jeito que está não pode ficar, Tulio Vianna buscou comentar propostas concretas para melhor se controlar o trabalho policial no Brasil. A principal delas seria a transformação das polícias brasileiras em órgãos 100% civis, o que representaria uma mudança de lógica na segurança pública e no treinamento dos policiais, maior possibilidade de garantia de direitos e inclusive melhores condições de trabalho e de carreira para os seres fardados.
Segundo Vianna, a diferenciação existente no Brasil entre policiamento ostensivo (militar) e investigativo (civil) não existe em nenhum outro lugar do mundo. Ele cita os exemplos de Inglaterra e Estados Unidos, onde as polícias são 100% civis. Em alguns países europeus, como França, Portugal e Espanha, existe polícia militar, mas só em locais rurais, com a tarefa sobretudo de controle de fronteiras. “Polícia militar urbana é só no Brasil”, critica.
Outro aspecto bastante importante ressaltado por Túlio Vianna é a necessidade de existir um controle externo e independente das forças policiais, acabando com a ridícula e absurda situação atual, na qual existem tribunais específicos para a polícia, que na prática julga e investiga seus próprios desvios.  “Se for assim eu também vou querer uma justiça universitária se for acusado de algo, imagina que beleza ser julgado por meus pares”, brincou o professor.  “Fiscalização interna e nada é a mesma coisa”, resumiu.
“Temos duas policias que às vezes competem entre si. Quando pensamos em policia única, civil, estamos falando de economia de gastos públicos também. O policial teria carreira, perspectiva de trabalho, como é em qualquer país do mundo.Não temos que inventar nada, na verdade o nosso modelo que é inventado”, prosseguiu Vianna, ressaltando: “Inventado pela ditadura militar, diga-se de passagem. Para os militares era muito cômodo colocar a PM e submetê-la às forças armadas, e até hoje ela é subordinada ao Exército”.
Vianna aponta que, no caso da polícia civil, também haveria hierarquia, mas não da forma como se dá na PM. “Na universidade eu sou subordinado ao chefe do meu departamento, mas não tenho que bater continência pra qualquer chefe de qualquer departamento de qualquer universidade pública do Brasil, isso não tem cabimento”. Por conta desse tipo de privilégio e ordenamento, o professor avalia que é entre os oficiais, entre os policiais de maior poder (e salário, claro) que estão as maiores resistências às mudanças. “Quem mais é contra a desmilitarização da policia são os oficiais, que já tão no comando da situação. Para os praças seria ótimo, eles são os mais humilhados”.
Por fim, Vianna resumiu: “Não temos nada a ganhar com a militarização. Nem o policial militar nem o cidadão ganham. O policial é humilhado e não tem garantia de plano de carreira. Para o cidadão é péssima, não é garantia de não corrupção e é garantia de violência”.
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*coletivoD.A.R

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