Entrevista com Joel Kovel, que teve um destacado papel em várias edições do Fórum Social Mundial (FSM), que nesta semana acontece em Dacar, e que afirma que o movimento deve ter por base uma práctica e uma lógica anticapitalistas. Por Kanya D’Almeida, da IPS.
Artigo | 11 Fevereiro, 2011 - 20:35
Joel Kovel, considerado o pai do movimento Ecossocialista.
Considerado o pai do movimento Ecossocialista, Joel analisa a história, trajectória e o futuro do movimento. Também é um dos autores do Manifesto Ecossocialista, que detalha um caminho alternativo ao actual de destruição ambiental. Joel disse à IPS que é preciso dar nome a este “outro mundo” e posicioná-lo firmemente contra a ameaça do capital global.
IPS: Qual foi seu papel nas edições anteriores do FSM?
JOEL KOVEL: Ecossocialismo é um conceito inerentemente global, não internacional, por isso o FSM é um lugar ideal para discutir as suas principais ideias. Apresentámos o manifesto em Nairobi em 2007, e discutimo-lo com um grupo de centenas de pessoas. O Ecossocialismo cresce magnificamente no terceiro mundo, mas é o quarto mundo, dos indígenas e dos povos sem Estado, o que realmente está à frente neste assunto. As pessoas do quarto mundo vivem em relações comunitárias e são vítimas directas das corporações mineiras e petrolíferas predadoras que se enfiam no coração da terra e destroem as comunidades que são parte do solo. Por isso, dependemos do espaço único do FSM para difundir as ideias do Ecossocialismo.
IPS: O que se discute no FSM sobre a crise ecológica é suficiente?
JK: O FSM tende a concentrar-se em áreas específicas dentro do assunto mais amplo do ecocídio, ou ecodestruição, como as sementes geneticamente modificadas ou a acidificação dos oceanos e o desmatamento. É preciso atender esses assuntos, mas não é suficiente para lidar com a magnitude da crise, que exige um diagnóstico muito mais amplo do que apenas das causas subjacentes do problema. Há pouquíssimo rigor teórico ou agudo sobre a crise ecológica em geral no FSM por muitas razões. As pessoas estão tão aterradas, há tantas causas válidas para se lutar, os problemas são difusos, com diferentes assuntos arraigados em localidades dispersas e ninguém pode decidir quais são os limites entre uma crise e outra. São tantas interrogações, como a de quando a crise dos oceanos passou para a atmosfera. É compreensível que as pessoas se mostrem reticentes em questões simples como a proliferação das garrafas de plástico.
IPS: O que o FSM pode dar de novo para avançar rumo a uma solução?
JK: Actualmente existe um problema de definição no FSM. Surgem diferentes questões que são transtornos ecossistémicos, como a dúvida de quando se destrói a floresta pela monocultura, por exemplo. Cada crise ecossistémica tem sua própria realidade concreta e localização específica, como o desastre de Bhopal, na Índia. A verdadeira crise ecológica é o conjunto de todas elas, que se agravam com rapidez, se propagam pelo mundo e aumentam de forma exponencial. Se quisermos encontrar a causa das diferentes crises sistémicas, devemos olhar todas elas em conjunto e encontrar o que têm em comum. Cada problema tem a sua própria causa, mas, virtualmente, cada uma está vinculada à expansão capitalista e pode seguir-se o seu rastro até à porta de um banco ou uma potência imperial. Se o FSM pretende atender o problema, deve identificar e articular a questão do capital global, que pode ser pensada de forma metafórica como um cancro que apresenta metástase. Sem importar a forma escolhida para tratar a doença, deve reconhecer-se que é uma realidade.
IPS: Em que o FSM mudou desde sua primeira participação em 2003?
JK: Infelizmente, o FSM tem tendência a girar em falso devido aos limites inerentes ao seu lema de “outro mundo é possível”, que é repetido até cansar e acaba sendo desanimador porque nunca chega a ser realmente desenhado. Porém, facto é que o FSM é o único lugar no qual se pode articular uma nova realidade, não apenas pensar na possibilidade de uma. Logicamente, deveríamos poder dizer que este “outro mundo” é o do Ecossocialismo. Entretanto, dada a natureza das organizações não-governamentais e a sua especialização em certas crises, o FSM não se refere o suficiente à causa da crise do capitalismo. O Fórum deve identificar o inimigo e responder-lhe.
IPS: Pensa que Dacar oferece uma oportunidade para consegui-lo?
JK: Totalmente. A África é um dos lugares mais vulneráveis da Terra, o que é tremendamente irónico, pois é o menos industrializado do planeta. O continente é saqueado pela desapiedada extracção de recursos como em nenhum outro lugar do mundo, em primeiro lugar porque é rico. E, em segundo, pela falta de protecção para deter a chegada das companhias. Há mais incentivos na África para começar a pensar de forma sistémica. Dacar também é um centro mundial de pesquisa em ecologia, muito mais do que Nairobi, e até mesmo do que Mumbai. O calibre geral dos intelectuais de esquerda presentes é extremamente alto no Senegal.
IPS: O que o FSM pode fazer para lidar com os desafios apresentados no Fórum Económico Mundial que acontece quase simultaneamente?
JK: É preciso basear-se firmemente numa prática e uma lógica anticapitalistas. É difícil, mas certamente possível. Creio que acima de tudo o FSM é um lugar onde a grande variedade de tendências se encontra, conscientes de que os seus diferentes problemas são sistemáticos e têm a ver com a penetração do império e do capital global em cada recanto da Terra. Para continuar com a analogia médica, se você tem um paciente com um tumor no pâncreas, só é possível tratá-lo se os médicos concordarem que se trata de cancro. Só a partir daí se pode reunir e pensar no remédio, e há muitíssimas formas de curar isto.
11/02/2011, Nova York, Estados Unidos, IPS/Envolverde.