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segunda-feira, fevereiro 14, 2011
O País do Pecado
Mas agora temos a ocasião: eis uma notícia boa para algumas reflexões.
A origem é o blog amigo Notícias Alternativas, a data 21 de Janeiro passado.
A razão? Segundo as autoridades, a taxa de crime está em declínio.
Noutras palavras: não há criminosos suficientes para preenche-las.
Mas a verdade é que a população carcerária actual da Califórnia é de 171 mil presos.
Como já referido no passado, Informação Incorrecta não deseja ver incrementado o uso das drogas, bem pelo contrário.
Esta noite, um minuto após a meia-noite, nascerá uma nova Nação. O demónio da bebida faça o testamento. Começa uma era de ideais claras e modos limpos. Os bairros pobres serão coisas do passado. As prisões ficarão vazias: vamos torna-las fábricas e depósitos de cereais. Todos os homens voltarão a caminhar erguidos, todas as mulheres sorrirão e todas as crianças rirão. Fecharam-se para sempre as portas do Inferno.
A proibição:
- não impediu o consumo da substância, finalidade para a qual tinha nascido;
- não impediu a venda da substância;
- tem aumentado o consumo da substância;
- tem aumentado as vendas e a distribuição da substância;
- criou um mercado negro gerido pelo crime organizado com a violência;
- tornou criminosos cidadãos por causa do próprio vício privado;
- multiplicou o preço da substância;
- tornou normal a prática da adulteração e a falta de controles de qualidade;
- custou a vida de milhares de pessoas inocentes;
- criou impérios criminosos, capazes de competir como o poder dos governos, com base no produto de contrabando.
- 1907-1948 na Ilha Prince Edward, mas ao longo de períodos mais curtos em outras províncias no Canadá
- 1914-1925 na Rússia e na União Soviética
- 1915-1922 na Islândia
- 1916-1927 na Noruega
- 1919, na Hungria
- 1919-1932 na Finlândia
- 1920-1933 nos Estados Unidos
Destilarias e cervejarias no Canadá, México, e Caraíbas tinham florescido pois os seus produtos eram consumidos directamente no lugar ou importados ilegalmente para os EUA.
Chicago tinha-se tornado famosa como um paraíso para os traficantes e revendedores durante o período conhecido como The Roaring Twenties (Os Loucos Anos Vinte) .
No geral, a Proibição chegou ao fim no final das décadas de 1920 ou 1930 na maioria da América do Norte e na Europa,
Proibir nunca impediu a difusão duma substancia ou dum habito. Pelo contrário, favoreceu o aparecimento de mercados paralelos, fora de controle,que deram (e continuam a dar) enormes lucros. Ao Estado? Não, aos traficantes, sejam eles normais criminais, bancos, políticos.
Simples? Não, não é.
Mas a Holanda parece ter encontrado um caminho.
Contrariamente ao que se pode pensar no estrangeiro, na Holanda produção, posse, venda e compra de qualquer droga (incluindo derivados de cannabis) são proibidas.
No entanto, é o costume não proceder contra a compra de 5 gramas de cannabis nos coffee-shop, contra a detenção de uma pequena quantidade de drogas para consumo pessoal e contra o cultivo de um número limitado de plantas, também para uso pessoal.
De acordo com as directrizes, não é perseguida a venda de cannabis nos coffee shops se forem respeitados os seguintes critérios:
- Não é permitida a venda para a mesma pessoa de mais de 5 gramas por dia;
- Não é permitido vender drogas pesadas (heroína, por exemplo);
- Não é permitido fazer publicidade de droga;
- Não é permitido perturbar a paz e a ordem no bairro;
- Não é permitida a venda a menores de idade (18 anos) e os menores não podem entrar nos coffee shop.
- Não é possível vender álcool e drogas na mesma transacção
- O estoque da loja não pode exceder 500 gramas
Detenção de drogas "pesadas" além dos limites? 12 anos de prisão e 45.000 € de multa.
Isso não é brincadeira. E estamos bem longe do cenário de "Sodoma e Gomorra".
Esta política, coadjuvada por uma intensa e constante campanha de sensibilização, levou ao desaparecimento de 36% dos coffee-shop entre 1997 e 2003. As pessoas, simplesmente, deixam de consumir drogas.
Quem consome droga "ligeiras", raramente passas a consumir drogas "pesadas".
Então: não é simples mas nem impossível.
E mesmo assim os presos diminuem.
Porquê será?
Mire-se no exemplo da Cristina, .israel "doa"armas proibidas, Fora berlusconni
Fosse aqui no Brasil, o prestimoso Ministro Johnbim e o patriota Ministro Patriota se encarregariam de evitar qualquer constrangimento para a “nação amiga”.
Dá-lhe, Cristina Kirchner.
Dá-lhe, Argentina.
Via Diário Liberdade
Argentina: Armas e drogas não declaradas em avião militar estadunidense
[Horacio Verbitsky] [Tradução do Diário Liberdade] Um avião militar estadunidense tentou entrar com carregamento não declarado de armas de guerra, equipamentos de comunicação encriptada, programas de informática e drogas narcóticas e estupefacientes. Cristina Fernández de Kirchner ordenou a abertura da mala, que os estadunidenses se negavam a entregar. O governo reitera, assim, sua recusa à militarização da segurança interna.
Israel enviou armas a Mubarak para dispersar multidões
A Rede Internacional para os Direitos e o Desenvolvimento afirmou que apoio logístico israelense foi enviado ao presidente do Egito, Hosni Mubarak, para ajudar seu regime a enfrentar as manifestações públicas exigindo sua deposição. Segundo relatórios da organização não-governamental, três aviões israelenses aterrissaram no Aeroporto Internacional do Cairo no sábado, carregando equipamentos perigosos para dispersar multidões e reprimi-las.
O comunicado da Rede Internacional afirma que as forças de segurança egípcias receberam a carga completa de três aviões israelenses que carregavam uma quantidade abundante de gás internacionalmente proibido para dispersar multidões. Se as notícias forem precisas, indicam que o regime egípcio está se preparando para o pior em defesa da sua posição, apesar do naufrágio país no caos.
No domingo, 30 de janeiro, o primeiro-ministro sionista Benjamin Netanyahu dirigiu-se aos ministros do governo israelense em uma declaração pública dizendo: "Nossos esforços visam a manutenção continuada da estabilidade e da segurança na região ... e devo lembrar que a paz entre Israel e Egito durou mais de três décadas ... atualmente trabalhamos para garantir a continuidade dessas relações ... Estamos acompanhando o desenrolar dos acontecimentos no Egito e na região em alerta ..."
O primeiro-ministro sionista pediu aos ministros do governo israelense que se abstenham de fazer quaisquer declarações adicionais para a mídia.
Multidão na Praça Tahir, no Cairo, Egito: se depender de Israel, os milhares de egípcios que lutam contra a ditadura em seu país receberão doses altas de gases perigosos para a saúde como "prêmio" pela ousadia de decidir escolher o próprio destino. O governo sionista, com isso, comprova sua posição de pária em relação ao direito internacional, de desrespeito à vida humana e à soberania dos povos.
Mulheres saem à rua em protesto contra Berlusconi
domingo, fevereiro 13, 2011
Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa
Venício: a obra magistral de Paulo Freire sobre Comunicação
Saiu na Carta Maior:
Comunicação e cultura em Paulo Freire: 30 anos depois
Hoje, a contribuição de Paulo Freire para o campo da comunicação é fonte de inspiração e referência. A situação, certamente, não era a mesma no final da década de 70. Embora reconhecido internacionalmente e estudado em várias disciplinas, seu pensamento era quase que totalmente ignorado nos estudos de comunicação, inclusive no Brasil.
Venício Lima
Visitando a trabalho o sul da Índia, estado de Tamilnadu, no início de 2010, o professor de física da Universidade de Brasília, Amílcar Rabelo de Queiroz, deparou-se com uma situação reveladora. Em viagem para a região de Thanjavur conheceu um vilarejo pobre – Pattukkotta – que vive basicamente da pequena agricultura. Lá visitou uma escola de educação fundamental. Para facilitar sua apresentação e criar um clima amistoso, os colegas do Institute of Mathematical Sciences (IMSC), que com ele viajavam, informam aos professores da escola que Amílcar era brasileiro, da terra de Pelé. “Brasil? Pelé?”. Repetem várias vezes. De repente, um deles sorri e exclama: “ah, ah, Brasil, claro, terra de Freire, Paulo Freire!” E alcança na estante vários livros de um dos nossos maiores educadores, traduzido, estudado e reconhecido em todo o mundo.
Paulo Freire faleceu há quase 14 anos, em maio de 1997. Se estivesse vivo, completaria noventa anos em setembro. Sua obra, seu pensamento e sua ação deixaram marcas profundas em vários campos do conhecimento. Seu único ensaio especificamente sobre comunicação – Extensão ou Comunicação? – foi escrito no exílio chileno, em 1968, e publicado pela Editora Paz e Terra, no Brasil, em 1971.
Tenho afirmado recorrentemente que as reflexões de Freire sobre comunicação nunca estiveram tão atuais. [cf. nesta Carta Maior “Paulo Freire, direito à comunicação e PNDH3”].
Direito à comunicação
A necessidade de construção e positivação de um direito à comunicação foi identificada há mais de 40 anos pelo francês Jean D’Arcy, quando diretor de serviços audiovisuais e de rádio do Departamento de Informações Públicas das Nações Unidas, em 1969. Naquela época ele afirmava:
Virá o tempo em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos terá de abarcar um direito mais amplo que o direito humano à informação, estabelecido pela primeira vez 21 anos atrás no Artigo 19. Trata-se do direito do homem de se comunicar.
A proposta de D’Arcy, na verdade, assumia e consagrava uma perspectiva “dialógica” da comunicação que já havia sido elaborada, do ponto de vista conceitual, por Paulo Freire no ensaio “Extensão ou comunicação”?
Freire recorre à raiz semântica da palavra comunicação e nela inclui a dimensão política da igualdade, a ausência de dominação. Para ele, comunicação implica um diálogo entre sujeitos mediados pelo objeto de conhecimento que por sua vez decorre da experiência e do trabalho cotidiano. Ao restringir a comunicação a uma relação entre sujeitos, necessariamente iguais, toda “relação de poder” fica excluída. O próprio conhecimento gerado pelo diálogo comunicativo só será verdadeiro e autêntico quando comprometido com a justiça e a transformação social. A comunicação passa a ser, portanto, por definição, dialógica, vale dizer, de “mão dupla”, contemplando, ao mesmo tempo, o direito de ser informado e o direito de acesso aos meios necessários à plena liberdade de expressão.
Como se vê, Freire teoriza a comunicação interativa antes da revolução digital, vale dizer, antes da internet e de suas redes sociais. No nosso tempo, quando as novas tecnologias [TICs] rompem com a unidirecionalidade da comunicação “de massa” tradicional, o conceito de comunicação relacional e transformadora oferece uma referencia normativa revitalizada e desafiadora.
História das idéias
Ao reafirmar a atualidade do pensamento de Paulo Freire, especificamente para o campo da comunicação, tomo a liberdade de registrar os trinta anos de “Comunicação e Cultura: as idéias de Paulo Freire”, publicado pela Paz e Terra, em março de 1981 (2ª. edição 1984). O livro é uma adaptação de tese de doutorado defendida em agosto de 1979.
Na verdade, o argumento central sobre a importância de Freire para o estudo da comunicação já havia aparecido em artigo anterior que publiquei, com Clifford Christians, na revista inglesa Communication (vol. 4, n. 1, 1979) sob o título “Paulo Freire: the political dimension of dialogic communication”, traduzido e publicado em português pela revista Síntese (vol. VI, n. 16, maio/agosto de 1979).
A história das idéias nos diferentes campos do conhecimento – inclusive na Comunicação – muitas vezes contém omissões, deliberadas ou não, ao deixar de registrar contribuições feitas por autores que, por diferentes razões, não se situam no seu “mainstream” ou não se alinham aos grupos dominantes na academia. Daí, às vezes, a necessidade de auto-registros isolados como esse.
Hoje, a contribuição de Paulo Freire para o campo da comunicação é fonte de inspiração e referência. A situação, certamente, não era a mesma no final da década de 70 do século passado. Embora reconhecido internacionalmente e estudado em várias disciplinas – filosofia, sociologia, serviço social, religião, história – seu pensamento era quase que totalmente ignorado nos estudos de comunicação, inclusive na sua terra, o Brasil.
A incrível história do prof. Amílcar na Índia, de que só agora tomei conhecimento, serviu de mote para que fizesse, então, esse duplo registro: a permanente atualidade do pensamento do educador brasileiro e os trinta anos do Comunicação e Cultura: as idéias de Paulo Freire.
Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.
“É preciso respeitar a decisão do povo de cada país”
Via CartaMaior
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, analisa os recentes acontecimentos no Oriente Médio e norte da África e suas possíveis repercussões. O ex-chanceler chama a atenção para o fato de que as revoltas populares ocorrem em países considerados “amigos do Ocidente” que não eram alvo de nenhum tipo de crítica ou sanção. “Há algumas lições a serem tiradas destes episódios. A primeira delas é que é preciso respeitar os movimentos internos e não querer impor mudanças a partir de fora”, diz Amorim, defendendo a postura adotada pela diplomacia brasileira nos últimos anos.
Marco Aurélio Weissheimer
- “Há algumas semanas, se fosse realizada uma consulta entre especialistas em política internacional pedindo que apontassem dez países que poderiam viver proximamente uma situação de conflito político-social, duvido que algum deles apontasse a Tunísia”.
O embaixador Celso Amorim, ministro de Relações Exteriores do Brasil por mais de oito anos (dois mandatos do governo Lula e mais um período no governo Itamar Franco), iniciou a conversa telefônica, direto da embaixada do Brasil em Paris, chamando a atenção para a complexidade e o dinamismo do cenário internacional e para o baixo nível de conhecimento que se tem sobre a situação de muitos países. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, concedida no início da tarde desta sexta-feira, Celso Amorim analisa os recentes acontecimentos no Oriente Médio e no norte da África e suas possíveis repercussões. Como que para ilustrar o dinamismo mencionado por Amorim, quando a entrevista chegou ao fim, Hosni Mubarak não era mais o presidente do Egito.
Na entrevista, o ex-chanceler brasileiro chama a atenção para o fato de que as revoltas populares que o mundo assiste agora, especialmente na Tunísia e no Egito, acontecem em países considerados “amigos do Ocidente” que não eram alvo de nenhum tipo de sanção por parte da comunidade internacional. “Isso mostra que a posição daqueles que defendem sanções contra o Irã é equivocada”, avalia. Amorim acredita que uma mudança política no Egito terá impacto em toda a região, cuja extensão ainda é difícil de prever. E defende a política adotada pelo Brasil nos últimos anos apostando na capacidade de diálogo do país, reconhecida e requisitada internacionalmente.
CARTA MAIOR: Qual sua avaliação sobre a rebelião popular no Egito e seus possíveis desdobramentos políticos e geopolíticos na região?
CELSO AMORIM: Uma primeira característica que considero importante destacar é que os protestos que estamos vendo agora são movimentos endógenos. É claro que eles se valem de novas tecnologias e de alguns valores modernos, mas são motivados pela situação interna destes países. O Egito e a Tunísia, cabe assinalar também, não estavam sob sanções por parte do Ocidente. Isso mostra que a posição daqueles que defendem sanções contra o Irã é equivocada. Sanções só reforçam internamente um regime. Uma das expectativas das sanções contra o Irã era atingir a Guarda Revolucionária. Na verdade, só atingem o povo. O Iraque foi submetido a sanções durante anos e Saddam só ficava mais forte. Não havia, repito, sanções contra a Tunísia e o Egito, países considerados amigos do Ocidente e aliados inclusive na guerra contra o terrorismo, implementada pelos Estados Unidos.
Acredito que uma mudança política no Egito terá certamente um impacto em toda região, podendo inclusive provocar uma mudança de relacionamento com países como Israel e Síria. Mas isso dependerá da evolução dos acontecimentos.
CARTA MAIOR: A sucessão de acontecimentos semelhantes em países do Oriente Médio e do Norte da África já pode ser considerada como uma onda capaz de expandir para outros países também?
CELSO AMORIM: Potencialmente, sim. Mas é difícil prever. Depende dos desdobramentos do Egito. Não há dúvida que Mubarak sairá [enquanto concedia a entrevista, a renúncia do ditador egípcio foi confirmada]. A questão é saber como ele sairá. Certamente haverá uma mudança no regime político do Egípcio. Não sabemos ainda em que intensidade. Mas é importante ter em mente que as duas forças organizadas no país são as forças armadas e a Irmandade Islâmica. A Irmandade Islâmica não é nenhum bicho papão. Cabe lembrar que muita gente tem citado a Turquia (que tem um partido islâmico no poder) como um modelo de caminho possível para o Egito.
A influência dos acontecimentos no Egito deve se manifestar em ritmos e intensidades diferentes, dependendo da realidade de cada país. Como a Tunísia nos mostrou, é preciso esperar o inesperado.
CARTA MAIOR: A diplomacia ocidental foi pega de surpresa por esses episódios?
CELSO AMORIM: Certamente que sim. O próprio presidente Obama admitiu isso ao falar dos relatórios dos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Ninguém estava esperando o que aconteceu na Tunísia que acabou servindo de estopim para outros países como Yemen e Egito. Nos mais de oito anos que trabalhei como chanceler nunca ouvi uma palavra de crítica sobre a Tunísia. E alguns conceitos fracassaram. Entre eles o de que se o país é pró-ocidental é necessariamente bom. Os Estados Unidos seguem poderosos no cenário internacional, mas frequentemente superestimam essa influência.
Há algumas lições a serem tiradas destes episódios. A primeira delas é que é preciso respeitar os movimentos internos e não querer impor mudanças a partir de fora. As revoltas que vemos agora (na Tunísia e no Egito) iniciaram dentro destes países contra governos pró-ocidentais e não nasceram com características antiocidentais ou anti-imperialistas.
CARTA MAIOR: O Oriente Médio é hoje uma das regiões mais conflituosas do planeta. Os levantes populares que estamos vendo podem ajudar a melhorar esse quadro?
CELSO AMORIM: Creio que teremos agora um quadro mais próximo da realidade. Há uma certa leitura simplificada do Oriente Médio que não leva em conta o que o povo desta região pensa. Não é possível ignorar a existência de organizações como a Irmandade Islâmica ou o Hamas. Se ignoramos fica muito difícil traçar uma estratégia que leve a uma paz estável.
CARTA MAIOR: O jornalista israelense Gideon Levy escreveu ontem no Haaretz dizendo que o Oriente Médio não precisa de estabilidade, referindo-se de modo à crítica à suposta estabilidade atual, que seria, na verdade, sinônimo de pobreza, desigualdade e injustiça. Qual sua opinião sobre essa avaliação?
CELSO AMORIM: De fato, a desigualdade social é uma das causas muito fortes dos problemas que temos nesta região. É um fermento muito grande para revoltas. A verdadeira estabilidade não se resume a ter um determinado governante no poder. Não basta ter eleição. É preciso aceitar o resultado da eleição. Estamos falando de uma região muito complexa, com sentimentos anticoloniais muito fortes. Esse quadro exige uma flexibilidade muito grande e capacidade de diálogo com diferentes interlocutores.
CARTA MAIOR: Qual sua análise sobre a evolução dos acontecimentos no Oriente Médio à luz da política externa praticada durante sua gestão no Itamaraty?
CELSO AMORIM: Como referi antes, nós procuramos manter uma relação ampla com diferentes interlocutores. As críticas que sofremos vieram mais da mídia brasileira do que de outros países. Nossa política em relação ao Irã, por exemplo, não foi para mudar esse país. O objetivo era contribuir para a paz, tentando encontrar uma solução para a questão nuclear. Quem mudou de ideia no meio do caminho foram os Estados Unidos. O próprio El Baradei (ex-diretor geral da Agência de Energia Atômica), que agora voltou a cena no Egito, chegou a dizer, comentando a Declaração de Teerã, que quem estava contra ela é porque, no fundo, não aceitava o sim como resposta.
Acredito que nós precisamos de países com capacidade de ver o mundo com uma visão menos maniqueísta. Agora, todo mundo está chamando Mubarak e Ben Ali de ditadores. Até bem pouco tempo não assim. A maioria da imprensa internacional não os chamava de ditadores. O importante é saber respeitar a vontade e a decisão do povo de cada país. O Brasil tem essa capacidade reconhecida mundialmente. Várias vezes fomos requisitados para ajudar na interlocução entre países. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, por exemplo, nos pediu para ajudar a retomar o diálogo com a Síria. O Brasil tem essa capacidade de diálogo que não demoniza o outro. Essa é a pior coisa que pode acontecer na relação entre os países: demonizar o outro. Não se pode, repito, ignorar a presença da Irmandade Islâmica ou do Hamas. Podemos não gostar destas organizações. Isso é outra coisa. Mas estamos que estar prontos para conversar.
Espero que o Brasil faça jus às expectativas que existem sobre ele, sobre sua capacidade de diálogo e interlocução. Não se trata de mania de grandeza. Nós temos essa capacidade de diálogo e ela é requisitada. Seguramente o Brasil tem a possibilidade, e eu diria mesmo a necessidade, de ter essa participação e ajudar a construir a paz. Até porque esses fatos nos afetam diretamente. Basta ver o preço do petróleo que está aí aumentando em função dos conflitos.