Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 24, 2012

Dilma 'nocauteia' Globo no 1º round da CPI do Cachoeira

http://www.dnit.gov.br/noticias/contratos-delta

A Globo, Veja, Folha, Estadão, Álvaro Dias, José Serra, Aécio Neves, José Agripino, queriam emparedar a presidenta Dilma na CPI do Cachoeira, através da empreiteira Delta Construções. Era essa a pauta que o noticiário desta imprensa demotucana martelava.

Pois a CPI do Cachoeira nem começou, e a presidenta Dilma já "nocauteou" a Globo, e o resto da oposição partidária e midiática.

Mandou o DNIT colocar na internet todos os contratos da Delta com o governo federal, com total transparência. Além disso a CGU abriu processo para declaração de inidoneidade da Construtora Delta.

A batata quente agora está passando de mão em mão dos governadores e prefeitos que tem contratos com a empreiteira.

E agora, Marconi Perillo, Geraldo Alckmin, Kassab, Anastasia, Siqueira Campos, Simão Jatene, quando vão fazer o mesmo?

Quanto ao senador José Agripino Maia (DEMos/RN) é a segunda vez que vai a "nocaute". O primeiro embate foi quando Dilma era Ministra da Casa Civil:


*osamigosdopresidentelula

Contratos da Delta estão na web. E as ligações do Policarpo?

Quem achava – e, sobretudo, quem escrevia nos jornais – que a presidenta Dilma Rousseff estava temerosa do que a CPI do Cachoeira pudesse descobrir sobre os contratos da empreiteira Delta com o Governo Federal, vai ter de arranjar outra história para contar.
Ela mandou e o Ministério dos Transportes colocou na internet todos os contratos entre Dnit e a empresa. Que vai ser auditada até à medula dos ossos.
Enquanto isso, continuam secretos os diálogos – seriam mais de 200 – entre o padrinho da Delta, aquele que a Veja chama de “empresário de jogos” e seu editor de escândalos, Policarpo Júnior.
Em matéria de transparência, o placar é de 100 a zero.
Por mais mistificação que se faça, os fatos vão deixando claro quem tem medo que aflore toda a verdade.
E ela vai surgir, revelando a central de conspiração Veja-Cachoeira, uma associação para obter vantagens. Econômicas para o bicheiro, políticas para a revista.
Uma relação de cúmplices  que já dura quase uma década.
Agora, por mais que tente abafar, a Veja é a protagonista do escândalo. Um escândalo que vai deixar o caso Murdoch parecendo brincadeira de criança.


Chavez não “morre” e abre 19 pontos de vantagem

 

 

O presidente venezuelano participou de uma entrevista telefônica, hoje, desde Havana, onde está submetendo-se a mais uma  etapa de tratamento radioterápico contra o câncer.
Chávez teve de, outra vez, desmanchar a boataria que se faz sobre seu estado de saúde e assegurou que o  tratamento atual é “mantequilla” (manteiga) perto do que já passou.
– Parece que vamos ter que nos acostumar a viver com esses rumores porque são parte dos laboratórios da guerra psicológica, da guerra suja, disse ele
No mesmo dia, uma empresa de pesquisa ligada ao conservadorismo – a Hinterlaces – anunciou que Chávez abriu 19 pontos de vantagem sobre seu oponente, o direitista Henrique Capriles: 53% a 34% nas intenções de voto para as eleições de 7 de outubro.
Em fevereiro, logo após a escolha do candidato oposicionista o mesmo instituto apontava uma vantagem bem menor: 12 pontos, com 49% para Chávez e 37 % para Capriles.

No divã da Cantanhêde

 

 

Agora que não é mais especialista em aviação de caça, com a saída de Nélson Jobim do Ministério da Defesa, a colunista Eliane Cantanhêde, da Folha, dedida-se a um assunto mais estratosférico: a interpretação telepática da mente humana.
Sua coluna de hoje  – leia aqui a transcrição feita pelo Paulo Henrique Amorim – traça um diagnóstico psicológico de “alta precisão” sobre o ex-presidente Lula.
“Dilma tem que administrar um dado político fundamental -o ego do padrinho.”
“Quanto mais Dilma acerta e cresce, mais ele alimenta a paranoia de que tentam “desconstruir a sua imagem”.
“Lula está absolutamente convencido de que foi o melhor presidente da história da humanidade, mas os adversários (entre os quais inclui a imprensa) não reconhecem.”
“Ele não suporta ver a sua criatura se tornando mais admirada do que o criador. Sente-se injustiçado, senão perseguido, e reage com mágoa e rancor.”
Impressionante. Isso é que é objetividade jornalística. Não é preciso um fato, uma declaração sequer, nada. Nem mesmo uma horinha de divã foi necessária para D. Cantanhêde traçar um perfil assim profundo da personalidade ególatra e rancorosa de Luiz Inácio Lula da Silva.
Sigmund Freud não faria melhor. Não sei como Cantanhêde não falou algo sobre D. Lindu, a mãe de Lula, para tornar mais precisa sua patética incursão pela psicanálise.
A colunista da “massa cheirosa” não pode ver em um operário – nem num ex-operário que chegou à Presidência – nada senão mesquinhez e baixeza.
Passa batido pelo fato de que Dilma foi candidata e elegeu-se pela força de Lula – e ninguém mais que a presidenta sabe e valoriza isso. E, muito menos, não percebe o óbvio: que Lula é o maior interessado em que Dilma continue acertando, porque – se resolver ser candidato -  terá a seu favor uma presidenta extremamente bem avaliada pela população, como ela o teve em Lula em 2010.
Mas Cantanhêde vive num mundo povoado por Serras, Jobins  e FHCs, onde a vaidade e a egolatria são os combustíveis de mentes sem compromissos com a massa mal-cheirosa.
E acaba julgando a todos pelos mesmos critérios e pelos critérios que lhe ditam seus próprios sentimentos e conceitos.
É realmente um caso de psicanálise, não de jornalismo político.

*tijolaço

LUTO Blogueiro assassinado no Maranhão


Foi assassinado há pouco - (por volta de 00 h) - em São Luís, no Maranhão, um dos mais aguerridos e críticos blogueiros políticos do estado, Décio Sá.
Ele estava sozinho no Bar da Marcela - Estrela do Mar, na Av. Litorânea, da capital, onde Fábio Câmara, pré-candidato a vereador iria encontrá-lo. Décio pediu um prato com caranguejo quando foi alvejado por vários disparos – um deles na cabeça – por um motoqueiro que fugiu, sem deixar pistas.

Acredita-se que o crime tenha sido motivado por vingança, pois o jornalista Décio Sá, diariamente vinha denunciando ações fraudulentas de políticos em todo o estado do Maranhão. Em outras palavras, "acerto de contas"...
Décio Sá era repórter do jornal O Estado do Maranhão. No seu blog pessoal, colecionava milhares de acessos e algumas polêmicas pelo estilo crítico dos seus textos e dos assuntos que explorava. Ele dedicava o trabalho a cobrir a política do Maranhão e seu blog era o mais acessado no estado.
Seu site é http://www.blogdodecio.com.br/
*comtextolivre

“Uma das lições que Hitler deixou é como, às vezes, é estúpido ser inteligente.”

A estupidez da inteligência

 

 

“Uma das lições que Hitler deixou é como, às vezes, é estúpido ser inteligente.” Eis uma frase de Adorno e Horkheimer que os franceses deveriam meditar. Os filósofos de Frankfurt aludiam a essas explicações articuladas e cheias de dados que provavam, de maneira absolutamente convincente, a impossibilidade dos nazistas chegarem ao poder na Alemanha.
Em 2002, após o resultado das eleições francesas que colocou a extrema direita de Jean-Marie Le Pen no segundo turno, lembro-me de ouvir explicações da mesma natureza.
Um professor universitário amigo demonstrava, por exemplo, que o problema todo fora a inépcia do governo socialista em marcar eleição em época de feriado escolar, o que teria aumentado a abstenção dos professores.
Como no caso de Adorno e Horkheimer, ninguém queria ver o óbvio, a saber, que havia uma enorme faixa de eleitores racistas, xenófobos dispostos a, agora, falar em voz alta. Faixa que devia ser combatida como prioridade política número um, em vez de “analisarmos sem preconceitos”.
Exatos dez anos depois, um fenômeno semelhante acontece. Agora, a França é o país europeu que tem a extrema direita mais forte (17,9% para sua candidata, Marine Le Pen).
No entanto esse número é muito maior, já que seu presidente, Nicolas Sarkozy, é daqueles que não sente dor no coração quando mobiliza os sentimentos mais baixos da população (como a islamofobia, a caça a ciganos e os discursos sobre “o homem africano que não entrou na história”).
O verdadeiro objetivo maior dessa eleição era retirar a Frente Nacional da posição de definidor da pauta do debate político. O único candidato que compreendera isso foi o esquerdista Jean-Luc Mélenchon, que levou uma batalha solitária contra os temas da extrema direita e em favor de uma sociedade mestiça. Ele chegou a aparecer em terceiro lugar nas pesquisas, mas perdeu fôlego na reta final.
A razão para tal esgotamento lança luz sobre a estupidez da inteligência. Um dos traços maiores dessa eleição foi a exposição da inutilidade dos intelectuais.
Em vez de insistir na importância de retirar a Frente Nacional da cena política, os mais midiáticos se deleitaram em atirar contra Mélenchon e seus traços “jacobinos” (como o fez Michel Onfray e os verdes) ou fazer pregação suicida pelo voto nulo (como o fez Alain Badiou), como se estivéssemos em 68, com suas brigas entre a esquerda libertária, os comunistas e a miríade de grupelhos.
Com isso, os intelectuais de esquerda só serviram para desmobilizar e fazer vista grossa diante de uma catástrofe anunciada. Prova de que a inteligência é sempre a última a ver o abismo. Há de perguntar quem precisa de inteligência parecida.
Vladimir Safatle
*comtextolivre

“Em 64, acabou tudo”, diz ex-piloto de Jango – Especial para o QTMD?

 

 do QTMD?

Momento em que o Comandante Mello Bastos contava como fez para que o avião em que trouxe João Goulart de Buenos Aires para Porto Alegre, em 1961, não fosse atacado por aviões de caça: "Voei baixinho". Foto: Ana Helena Tavares
Paulo Mello Bastos, ex-piloto da Aeronáutica e da Varig, resgatou uma caixa-preta. Não a de um avião acidentado, mas a de um país que foi impedido de voar.
Ana Helena Tavares
O livro “A caixa-preta do golpe” conta como o que aconteceu em 1º de Abril de 1964 tolheu o sonho dos trabalhadores brasileiros de construírem um país mais justo através das reformas de base. Seu autor escreve com propriedade: era líder sindical atuante e foi ele quem pilotou o avião trazendo Jango de Buenos Aires para Porto Alegre, em 1961.
O então vice-presidente voltava da China para assumir a presidência, após a renúncia de Jânio Quadros. O voo foi tenso, pois o avião estava ameaçado de ser abatido por militares brasileiros que queriam dar o golpe já naquele ano. Com a criação da “Cadeia da Legalidade”, Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, havia feito da capital gaúcha o pouso mais seguro.
Com invejável lucidez e incrível vitalidade aos 94 anos, o comandante Mello Bastos contou, em entrevista exclusiva ao “Quem tem medo da democracia?”, sua bela história.
Correio Aéreo e definição de fronteiras
“Quando Getúlio estava no poder, havia fazendeiros paraguaios com suas terras dentro do Brasil. Dois terços do Exército brasileiro eram aquartelados no sul. Então, Getúlio criou a “Marcha para o Oeste”. Começou devolvendo todos os troféus que o Brasil tinha ganhado na Guerra do Paraguai. Um gesto simpático para que as fronteiras fossem bem definidas.”.
“Eu fazia correio aéreo (pela Aeronáutica), de norte a sul, por todas as áreas fronteiriças, e ajudei nessa definição. Depois, passei para a reserva, no posto de tenente-coronel, com 20 anos de serviço ativo (em 1953). Cortei todas as minhas vinculações, saí do Clube Militar, passei a ter uma vida civil e fui para a Varig, onde fiquei 10 anos”, contou.
Em São Borja com Getúlio
Mello Bastos conheceu Getúlio Vargas na intimidade de sua fazenda em São Borja (RS): “Fui Lá (no final da década de 40), com uma comitiva, para convencê-lo a se candidatar em 50, já que não tinham cassado os seus direitos políticos, e a criar Petrobras. Ele lá com seu charutão… Aceitou, elegeu-se e criamos a Petrobras”.
Em 1954, Getúlio se suicidou. “Ele havia chamado os generais para o Catete, para discutir a situação do Brasil perante o mundo, as conspirações, os golpes… Só um, o Brigadeiro Epaminondas, ministro da Aeronáutica, se definiu a favor de Getúlio. Os outros ficaram calados. Disse Getúlio: ‘Já que os senhores não se decidem, decido eu’. Saiu da reunião, subiu para o quarto, deu um tiro no coração e morreu.”
De acordo com Mello Bastos, logo após o suicídio de Getúlio, “foi decretada intervenção em todos os sindicatos”.
JK: “criador e vaidoso”
Falou ainda sobre Juscelino Kubistchek: “Fez um bom governo. Era um sujeito criador e muito vaidoso.” Sobre a criação de Brasília, disse que “é um capítulo à parte em nossa história.”
E garantiu que não foi ideia de JK.“Era ideia da coroa. Para evitar ataques de navios piratas, o imperador (D. Pedro II) pensou em transferir a capital para o interior, mas não fez”, historiou Mello Bastos.
Jânio Quadros: “inteligente, mas mau caráter”
Sobre Jânio Quadros, disse que “era inteligente, mas muito mau caráter. Armou uma visita de Jango à China comunista.”. E descreveu, em detalhes, como fez João Goulart chegar são e salvo ao Brasil naquele ano de quase golpe (1961).
O então piloto soube da renúncia voando: “Eu ia do Rio de Janeiro para Uberaba, levando 30 ou 40 fazendeiros a um leilão de gado, sempre havia isso. Eu estava na escuta, sabia da agitação e anunciei: o presidente Jânio Quadros renunciou.”
“Parece que eu joguei toneladas de gelo, foi um silêncio absoluto. Um caos… Jango estava na China, voltou por Paris e Nova York, onde conferenciou com Kennedy. E, em lugar de fazer Nova York – Rio de Janeiro, como até hoje se faz, ele veio pelo Pacífico. E chegou a Buenos Aires. O Brasil todo revoltado, armado, aquela complicação toda.”
O voo histórico
“A Varig sabia que eu era janguista e, para resguardar, fui buscá-lo. Eu era comandante de avião a jato, Caravele, beleza de avião. Então, fiz um plano. Em vez de vir a 40 mil pés, 13 mil metros, eu vim a 300 pés, infringindo. Porque, como o avião de caça ataca, com metralhadora, de baixo para cima, eu vindo baixinho ele não tem espaço para me atacar, senão ele bate. Eu que trouxe o Jango de Buenos Aires para Porto Alegre”, relatou orgulhoso da missão cumprida.
Logo após deixar o presidente em segurança, Mello Bastos foi de Porto Alegre para São Paulo, onde recebeu voz de prisão.
“Jango ficou em Porto Alegre e, naquela mesma noite, eu fiz um voo para Natal. Pousei em São Paulo. Estava tudo revoltado lá… Mandaram me prender. Muito embora eu estivesse na reserva (como Coronel da Aeronáutica), o cara que queria me prender tinha dois anos atrás de mim na antiguidade (patente inferior).”
“Então, eu disse: Mudou agora, é?! Onde é que já se viu?! Sou mais antigo que você e você vai me prender?! Me dá essa pistola aí, eu disse. E ele: ‘Ah, não vou lhe prender… É que querem falar com você lá dentro’. Fui… Entrei lá… Todos os oficiais numa sala. Poxa, eu tinha trazido o presidente da República e eu sabia de tudo, né…”
“Mas, em determinadas horas, eu sou meio de teatro… Entrei acenando e dizendo: boa noite, boa noite, pode ficar todo mundo descansadinho, podem voltar para casa, porque o presidente da República, Dr. João Goulart, eu já trouxe, deixei em Porto Alegre para ele tomar um banhozinho, mudar de roupa para assumir a presidência.”, contou gesticulando os acenos e continências daquela noite.
“O céu de Brigadeiro é aquele sem nuvens, perfeito para voar, mas eu voava em qualquer tempo. Sempre exerci a profissão com vontade, com amor, buscando dar o meu melhor. E não tem mistério para isso: é só se dedicar.”, assegurou o comandante.
“Greve Mello Bastos”
Em 1963, ele foi demitido da Varig, deflagrando uma grande paralisação dos transportes no Brasil – conhecida como “greve Mello Bastos”. A convocação foi feita pelo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e atendida não apenas por aeroviários e aeronautas, mas também por trabalhadores de transportes ferroviários, marítimos e petroleiros.
Toda essa solidariedade se explica. Além de comandante da Varig, Mello Bastos era diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos, e presidente-fundador da Federação. Se não bastasse, junto com Dante Pellacani, Hércules Corrêa e Oswaldo Pacheco, compunha o secretariado político do CGT.
“Foi aí que eu peguei a minha ‘ficha de comunista’… Engraçado… Um cara cujo salário era 10 mil dólares ia lutar para rebaixar o salário? Isso não existia!”, frisou.
Petróleo e maniqueísmo
Segundo Mello Bastos, a luta pelo petróleo foi “o que definiu a nação” e deu o tom do maniqueísmo que caracterizou a época: “Eram chamados de comunistas todos os militares que defendiam que a Petrobras tinha que ser inteiramente brasileira. Nós chamávamos os outros de entreguistas.”, lembrou.
A mídia e o golpe
“Maria Antonieta disse diante de uma multidão: ‘Por que não dão brioche para o povo?’” Mello Bastos revelou acreditar que é isso o que a grande mídia, que ele definiu como “representante da alta burguesia”, diz diariamente ao povo e foi o que disse em 64 para desvirtuar as atenções sobre o que realmente estava acontecendo e ajudar no golpe. Para ele, “se não houvesse o jornalismo, tudo seria pior. Mas é preciso que só se procure o caminho da verdade. Sendo assim, é insubstituível na sociedade”.
Preso na embaixada
Em 09 de Abril de 1964, poucos dias do golpe, Paulo Mello Bastos teve os direitos políticos cassados pelo Ato Institucional – Nº 1. No dia seguinte, o jurista Clóvis Ramalhete, já falecido e que era próximo politicamente ao então líder sindical, disse que iria esperá-lo na esquina da embaixada chilena.
Corriam, no rádio, diversos boatos sobre Mello Bastos. “Um dava conta de que eu tinha sido morto na Baixada Fluminense. Outro dizia que eu tinha sido preso ferido na Baixada Santista. Que estavam me procurando, isso estavam…”.
Achando que Clóvis Ramalhete “não iria se expor” e desconfiado das intenções do jurista, com quem tinha o que definiu como “amizade de conveniência”, Mello Bastos decidiu não ir à embaixada chilena.
Foi para a uruguaia. “Eu estava todo bonito… Meu paletó era cor de petróleo. A embaixada do Uruguai estava cheia. Já tinha umas 20 autoridades lá dentro. Polícia na porta. Não entrava ninguém. Tive que dar uma “chave de galão”, que é quando o cara impõe sua autoridade pelo posto (hoje seria uma “carteirada”). Mostrei minha carteira de coronel e consegui entrar.”
“Um cara me perguntou: ‘O que o Senhor quer?’ Achei um desaforo num clima daqueles… Mandei que chamasse o embaixador e rápido. Ele foi… O embaixador chegou e me perguntou: ‘O Senhor é o Comandante Mello Bastos?’ Digo:sou.”
“E fiquei lá 71 dias até o governo uruguaio mandar um avião me buscar. Um amigo me deu o livro “O crime do século”, sobre o assassinato de Kennedy, para eu levar. E fiquei 3 anos e 2 meses exilado no Uruguai. Tinha gente infiltrada lá.”, garantiu.
A infiltrada
Mello Bastos contou sobre uma jornalista, casada com um fotógrafo, chamada Madalena: “Ela era do PTB e chegou a escrever matérias para o partido. Um dia, nos encontramos saindo da casa de Brizola (no exílio). Ela me perguntou: ‘você é comunista?’ Eu disse: ‘então você não sabe que a pessoa quando diz que é comunista é logo perseguida?! Me admira você, uma jornalista, bem informada, me perguntar isso.’ Respondi que não sou, porque não sou mesmo. E se fosse, também diria que não. Anos mais tarde, já no Brasil, eu li uma matéria que revelava que ela tinha sido ‘cachorra da ditadura’. Quer dizer, estava lá no Uruguai para passar informações sobre o comportamento dos exilados”.
Um delegado agente da CIA
“Eu morava com um general no exílio. Um dia tocou o telefone às 4h da manhã. Era a Polícia de Segurança. Disseram: ‘o Senhor está convidado a ir à delegacia’. Eu disse: ‘não aceito o convite!’ E disseram: ‘tem que ir de qualquer maneira’. Fui… Cheguei lá e dei de cara com um delegado que eu sabia que era agente da CIA. Ele era também juiz de futebol.”
“Primeiro, ele me disse uma verdade: ‘o Senhor esteve na fronteira.’ Sim, estive. Fui buscar minha esposa (que ainda é viva e acompanhou a entrevista). ‘O Senhor cruzou a fronteira’. Não, não cruzei.”
“‘O Senhor sabe que está ameaçado de morte?’ Digo: ‘é difícil, não tenho inimigos’. E ele disse: ‘tem muitos! A sua segurança está por um fio e o governo uruguaio tem compromisso com a vida do Senhor. Queremos pôr vigilância na sua porta’.”
“Digo: ‘eu não quero!’ E ele disse: ‘então, o Senhor vai assinar uma declaração’. Digo: ‘redija!’ Ele redigiu e eu assinei, eximindo a polícia uruguaia de qualquer ocorrência que atingisse a minha segurança, da violência até a morte.”
Convivência com Jango no exílio
Segundo Mello Bastos, João Goulart era “uma figura humana maravilhosa. Não perseguia nem discriminava e não se vingava de ninguém, de nada. Era um homem pacifista.”. Além de ter sido piloto do avião presidencial, Mello Bastos conviveu durante algum tempo com Jango no exílio. “Havia uns doze sargentos exilados conosco. Jango todo mês pagava a estadia dos doze. Ele dava o dinheiro para mim e para o Waldir Pires, que recentemente foi ministro da Defesa, e nós repassávamos para a dona da pensão. Era gozado… Ele tinha uma perna dura, com defeito. Virava pra gente, metia a mão no bolso e já estava com o dinheiro contado.”
Reformas de base
Sobre as reformas de base, defendidas por João Goulart e apoiadas pelo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), Mello Bastos disse que a intenção era que, para debater as propostas, fosse formada uma Assembleia Nacional Constituinte: “Queríamos promover debates durante 1 ou 2 anos. Em cidades, vilas, fazendas, reunindo todos os sindicatos. Depois de todo mundo palpitar, cada categoria escolheria seus representantes para uma Constituinte. Tinha até um cara, (Francisco) Julião, de Pernambuco, que dizia: ‘Reforma Agrária – na lei ou na marra’. Nada de golpe! Quando chegou em 64, acabou tudo. Foi dado o golpe e todo mundo teve que desaparecer não sei como.”, lamentou-se.
CGT
Contando sobre a criação do CGT, o ex-líder sindical fez questão de explicar a origem da palavra “pelego”: “Getúlio tinha dividido o movimento sindical à semelhança da organização italiana fascista, de Mussolini. Naquela época, na Itália como aqui, o presidente da Confederação (dos pilotos) tinha um belo carro e levava tudo na base da influência política. Vivia cheio de pelegos em volta.”, contextualizou Mello Bastos.
Para, em seguida, definir: “Pelego é o couro do carneiro que as pessoas usavam muito no Rio Grande do Sul para se cobrirem por causa do frio. Então, passou a ser usado para designar o cara que fazia tudo só para se proteger e era menino de recado do Ministro do Trabalho.”.
E continuou: “Construímos o CGT para dar combate aos pelegos. Começaram a achar que estávamos querendo comandar a política do país… O que não era… Miguel Arraes, por exemplo, era nosso companheiro. Sarney quase foi para o nosso lado, mas, quando viu que a coisa ficou preta, caiu fora…”.
José Sarney: “nunca foi de confiança”
Instigado a detalhar sua opinião sobre o atual presidente do Senado, Mello Bastos ponderou: “Ao substituir Tancredo, Sarney prestou um grande serviço ao país. Pacificou e evitou uma guerra civil, porque o homem no qual se tinha esperança morreu, ficou um vazio e os militares estavam com as armas nas mãos. Prestou um ‘servição’, mas nunca foi de confiança”.  
Corrupção na ditadura
“Nossa senhora, como havia!, garantiu Mello Bastos. “Você acha que o (Mário) Andreazza construiu a ponte Rio-Niterói (batizada de ‘Costa e Silva’) com dinheiro que ganhou de herança? A estrada Rio-Teresópolis é outro exemplo. E digo mais: eu trabalhei em empresa de consultoria em engenharia. Conheci o pai do Eike Batista: Eliezer Batista. Sei bem como esses caras ganham dinheiro.”.
Volta do exílio e prisão
Mello Bastos voltou do exílio em 1967. Estava clandestino e era considerado morto. Primeiro foi para São Paulo, em seguida para o Rio de Janeiro: “Eu não podia sair de casa. Mas tinha amigos importantes que me diziam: ‘você tem que colocar a cara de fora!’ Foi o que eu fiz… Vendi meu carro, um fusca vagabundo, e comprei um táxi. Trabalhei de taxista. Saía cedinho de casa e nem saía do carro para comer.”
“Até um dia que me prenderam. Perguntei: ‘por ordem de quem?’ Responderam: ‘do chefe de polícia’. E eu: ‘Por quê?’ E eles: ‘ah, comandante! Nós sabemos de tudo… O senhor veio do Uruguai, pousou no Galeão, depois foi para a Tchecoslováquia, passou uma temporada lá, voltou pro Galeão de novo e agora está aqui na clandestinidade’. Digo: ‘meus parabéns! Não foi nada disso!’ Já viu que os caras estavam por fora, né…”
“Aí me levaram para o DOPs. Num regime ditatorial, não fazia diferença eu ser coronel…  Quiseram que eu fizesse uma declaração de bens… Depois, pediram pra eu fazer uma declaração sobre como voltei pro Brasil, como cruzei a fronteira, quem me trouxe… Menti. A verdade é que voltei de ônibus, com identidade falsa, etc…. ”
Filha torturada
Mello Bastos foi solto em pouco tempo e não chegou a ser torturado, mas sua filha, a jornalista Solange Bastos, que também acompanhou a entrevista, foi. “Violentamente, no DOI-CODI”, conta o pai. Na época, ela era aluna do Colégio de Aplicação na Lagoa (Rio de Janeiro) e tinha uma professora que era do Partido Comunista. “Eu nunca incentivei meus filhos à participação política”, garantiu Mello Bastos. “Mas ela quis ir para o Chile, estudar. Estava lá quando Allende caiu. Participou de um panelaço lá. E, quando voltou, foi presa. Posta em câmara de gelo, etc…”.
A luta pela anistia
Como narra em seu livro “Bastidores da Anistia”, Mello Bastos ajudou a construir a Lei de Anistia. “Fui para Brasília (meados da década de 70). Eu era representante de nomes como Oscar Niemeyer e minha missão era iniciar uma campanha de desmoralização da ditadura no exterior. Um trabalho diário. O então 1º secretário da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Henrique Cordeiro, um sujeito fantástico, era quem coordenava essa desmoralização.”
“Como era feito isso? Nós enviávamos para outros países (principalmente para a Europa) denúncias sobre as barbaridades que a ditadura estava fazendo aqui. Essas denúncias eram escritas e organizadas em envelopes, uns 15 ou 20 de uma vez (não podiam ser muitos para não dar na vista). E eu colocava no Correio. A imprensa europeia quase sempre publicava. Era difícil para o governo brasileiro dizer que as denúncias eram falsas. Foi um processo lento, uma lei negociada. Mas a minha tarefa eu cumpri.”
Nesse momento, o comandante, hoje completamente anistiado, vai às lágrimas. Para ele, a anistia foi mesmo “ampla, geral e irrestrita”. “Eu, na Anistia, me dediquei de corpo e alma. Um vai e vem de deputados, senadores, uma loucura… Tinha um senador alagoano, Teotônio Vilela, que liderou a campanha no Senado. Da última vez que ele entrou na ABI, o salão cheio, todos choraram” (e o comandante chora de novo).
Figueiredo: “ditador, torturador”
Ditador e torturador” foram os termos usados por Paulo Mello Bastos para definir João Batista Figueiredo, general que estava no poder na época da Lei de Anistia. Mello Bastos contou que o pai de Figueiredo participou de uma revolta em 1922 e foi anistiado, mas assegurou que a abertura política só aconteceu porque o general não teve outra saída.
“Figueiredo nunca sonhou em ser presidente, foi colocado lá, aquilo deve ter pesado nele. A pressão internacional era muito grande e o Brasil estava isolado, como está hoje a Coréia do Norte. Isso é uma coisa que influi comercialmente, em importações/exportações, dívidas, e é muito difícil para um governo controlar”, sustentou Mello Bastos. Internamente, a pressão também era grande. “Teotônio Vilela era um usineiro rico. E a Igreja também estava pressionando. E o povo, de um modo geral. Quando saiu a Lei de Anistia, foi uma festa”, lembrou jogando as mãos para o ar como quem solta papel picado.
“Congresso legítimo”
Para Mello Bastos, o Congresso que aprovou a Lei de Anistia “era legítimo e possuía deputados corajosos, que, inclusive, citavam outros países onde havia ditaduras para comparar com o Brasil”.
A execração pública como punição
“Se eu estou de um lado e você está de outro, seus dentes são iguais aos meus, você tem sofrimentos como eu tenho, a única diferença entre nós é o desejo, a fixação, de obter privilégios. Quando uma autoridade do regime dizia para um agente do Estado: ‘ou você tortura fulano ou você morre!’ claro que ele torturava. Mas para torturar alguém, por vontade, você tem que ter raiva… Ora, os torturadores nem conheciam aquelas pessoas! Então não faziam por prazer, mas para adquirir a confiança de seus superiores, promoção, vantagens, prestígio, status, dinheiro! Foi isso o que aconteceu. Ou seja, quem tinha prazer era o mandante, ele era o maior torturador, é ele que deveria ser preso. Mas todos já morreram. Quem colocou a mão para torturar tem que ser punido através da execração pública”, recomendou Mello Bastos.
E completou: “O mais importante é que os arquivos sejam abertos e que se saiba os locais onde os torturadores enterraram corpos. E que se saiba quem foram os comandantes das operações, no Araguaia, por exemplo. Se algum estiver vivo, que responda por tudo ou diga quem estava mais acima… Mas quem torturou e está ainda vivo eu, sinceramente, não prenderia. Por mim, eu fritava eles e fazia picadinho (diz rindo)… E depois mandava rezar uma missa para irem para o inferno. Agora sério: os caras já velhos vão ficar quanto tempo presos? Eu faria assim… Proibia o cara de se mudar e pendurava na porta da casa dele uma placa: ‘Aqui mora um torturador’”. 
“Levante da Juventude” e “Esculacho”
Isso já tem sido feito em alguns pontos do Brasil por um grupo, denominado “Levante da Juventude”, num movimento a que chamam “Esculacho”. Mas o ex-líder sindical sugere que isso fosse oficial. Para ele, “diante do que esses caras devem, a prisão não é nada. Matá-los também não serve. Muito pior que estar preso, onde estará protegido de ser morto, com comida e médico à disposição, é sair na rua e ser alvo de chacota. Todos apontando, gargalhando e dizendo: ‘ah, aquele cara torturou um montão’”
E que ninguém diga para Mello Bastos que isso é ‘revanchismo’… “Ora, esses caras nunca foram julgados… Eu não quero que peguem os torturadores e torturem eles!  Isso, sim, seria revanchismo! Não quero saber o que eles fizeram para fazer o mesmo com eles. Se for assim, a coisa não acaba nunca. O que diz a lei? Que tortura é crime imprescritível. Desaparecimento de corpos também. Então, que sejam julgados.”
Perguntado sobre sua opinião a respeito do comportamento dos jovens que protestaram contra a comemoração do golpe de 64 em frente ao Clube Militar, o comandante respondeu sem hesitar: “Eu acho que os jovens estão sempre certos. Eles agem sem medir as consequências porque são movidos pelo impulso e não conseguem encontrar outra maneira de influenciar no sistema. Qual o instrumento legal que eles têm? Nenhum! Então, o que lhes resta é cuspir.”
Comissão da Verdade
Mello Bastos considera que é importante que a Comissão da Verdade dê certo para “mostrar que o Brasil tem organização”. Acredita que vai dar certo, e que poderá ser uma “satisfação para a sociedade”, mas acha que deveria ser investigado apenas o período da ditadura militar e sente falta de alguém de peso liderando a Comissão. “Imagina se D. Hélder Câmara fosse vivo e estivesse à frente disso? Seria uma maravilha”, suspira.
“Muito satisfeito” com Dilma
O ex-líder sindical disse estar “muito satisfeito” com Dilma, mas “com pena” da presidente: “Ela tem que arrumar a casa… Até tem uma meia dúzia de senadores e deputados corretos… Mas, fora isso, qual o material que ela dispõe? Os partidos e os políticos que eu conheço, você conhece, todo mundo sabe… Não deve ser fácil.”
Vivemos uma “democracia política”
Segundo Mello Bastos, “o Brasil vive hoje uma democracia política, mas, devido à dependência do poder econômico, não é uma democracia social. Esta nenhum país no mundo vive. ”. E quem tem medo? “Quem tem malfeitos”, resumiu.
=> Essa entrevista é a 12ª de uma série sobre a ditadura. Clique aqui para conferir as anteriores.
*GilsonSampaio

'A Dama de Ferro' de genial. E, depois, mulheres fazendo cinema, sempre resulta em algo inteligente e instigante.

A Dama de Ferro' é uma alegoria sobre o declínio do neoliberalismo

 

Ontem à noite, quando saí do cinema onde assistira ao filme da diretora britânica Phyllida Lloyd, me ocorrerem três coisas. Senti uma vontada danada de beber um uísque. Pura sugestão, é que madame Thatcher bebe o tempo inteiro do filme. Lembrei de Getúlio Vargas e da jornalista Gilda Marinho, uma figura meio folclórica no cenário high society porto-alegrense dos anos 70 e 80.
Me explico: Gilda Marinho foi atacada uma vez por um inimigo oculto e dado a brincadeiras pesadas e maliciosas. Tal pessoa mandou publicar nos classificados em jornal edição dominical um anúncio onde se vendiam dezenas ou centenas de garrafas de uísque vazias. "Tratar com Gilda Marinho, no telefone tal" - dizia o anúncio.
Confesso que desconhecia essa propensão à sede da Baronesa Thatcher. Sendo assim, vejo que a guerra das Malvinas foi um verdadeiro duelo de pinguços. Ninguém desconhecia na Argentina e arredores que o general Leopoldo Galtieri, presidente-ditador na época da guerra pelas ilhas do Atlântico Sul, era outro que abrigava uma pedra de sal na garganta e buscava a cura através da ingestão de hectolitros de álcool.
E falando sobre Getúlio Vargas já podemos comentar o filme sobre a dama de ferro. A imortal frase de Vargas, na hora da morte, "saio da vida para entrar na história", não serve para a senhora Thatcher. Ela ainda vive, mas a história já a abandonou, antes mesmo de convidá-la a adentrar o seu templo de glórias e ilusões.
A qualidade do filme de Phyllida Lloyd está justamente no fato de não entrar muito no mérito político da ex-primeira ministra da Grã-Bretanha. Ao mostrá-la no fim da vida, já enferma pelo Alzheimer, açoitada por fantasmas os mais diversos, mas em especial, Denis, o marido pimentinha, Phyllida faz um julgamento branco do legado político da Baronesa.
David Cameron, o atual primeiro-ministro britânico, igualmente conservador como ela, não gostou do filme, e perguntou "por que logo agora aparece um filme sobre Thatcher?".
Ora, a resposta parece óbvia. Tudo aquilo que foi sólido e sagrado, tudo o que foi construído/destruído por Thatcher agora se desmancha no ar e é profanado. Margaret não saiu da vida e nem entrou para a história.
Margaret é um zumbi condenado a escutar vozes e a ter que ligar todos os eletrodomésticos da sua vetusta residência para ter um segundo de sossego e paz de espírito. Como já não pode mais fazer uma faxina nacional no País, o faz no seu quarto atulhado de lembranças e espectros zombeteiros.

A abertura do filme é brilhante. Margaret apanha meio litro de leite numa mercearia de esquina e não é reconhecida por ninguém. Ao contrário, é ignorada com ênfase de má educação, um sujeito se atravessa no balcão e não respeita a fila do caixa, um negro jovem e muito alto roça o seu traseiro e não presta a atenção à sua idade e sobretudo à sua antiga condição de primeira mandatária do País.
 
Ela sente que voltou a ser a moça do cotidiano (no sentido lukacsiano), quando auxiliava o seu pai na quitanda da família, interior da velha Inglaterra. Chega em casa e tem uma pilha de livros para autografar, até que volta a assinar Margaret Roberts, seu nome de solteira. O inconsciente é malcriado, mesmo não consultado emite seus pareceres sobre nós mesmos, e sobretudo contra nós mesmos.
 
O carrossel da história volta ao seu ponto de partida. Tudo o que fez de sagrado, está sendo profanado. Ela já não se reconhece no mundo por ela forjado.
 
'A Dama de Ferro' é um filme sobre o ocaso do neoliberalismo, mesmo sem citá-lo uma única vez e ainda que modelado na linguagem da subjetividade de uma senhora muito idosa governada por sua memória, nem sempre amigável.
 
Margaret Thatcher foi a face do neoliberalismo, agora está no declínio da existência, cumpre um roteiro meramente biológico, porque a história já a rechaçou e a economia não mais a reconhece.
 
Margaret sente que já não é mais deste mundo e o fantasma de Denis Thatcher (o marido, que morreu em 2003) insiste em apontar-lhe o excesso de ambição pessoal e o excesso de uísque. Neste ponto, a diretora e a roteirista (Abi Morgan) usam um recurso narrativo de sutil mas aguda crueldade: os fantasmas são uma forma de autocrítica para quem - arrogante - é incapaz de fazer autocrítica.

O fenômeno Thatcher resultou da profunda crise de acumulação do capital experimentada pela Grã-Bretanha nos anos 1970. O sindicalismo foi muito organizado e logrou obter êxito na disputa por melhores salários, condições de trabalho e demais conquistas sociais do chamado welfare state.
 
Enquanto houve excedente para ser dividido com o capital, os trabalhadores ingleses souberam negociar de forma a se apropriar de parte do bolo produtivo. Quando sobreveio a crise escasseou a redistribuição, surgiram os conflitos, as greves (que não ocorriam desde 1926), a estagflação (inflação de 26%) e rápido aumento das taxas de desemprego (cerca de 1 milhão de pessoas, em 1975).
Passou a haver crise de legitimidade, aumento das dificuldades fiscais, crise na balança de pagamento e monumentais deficits orçamentários. Trabalhistas e conservadores (partido de Thatcher) se revezavam no poder entre 1974 e 1979, com aprofundamento crescente da crise e recrudescimento das greves (transportes, limpeza urbana, setor saúde e inclusive coveiros fizeram paralisações prolongadas).
 
É neste contexto de profunda crise do capital pondo fim a uma prolongada política de aliança de classes entre os trabalhadores e a grande burguesia decadente que emerge ascensional a estrela de Maggie Thatcher.
 
O filme mostra a dificuldade sentida por ela para se impor junto ao establishment do partido conservador, não só por ser mulher, mas sobretudo por ser filha de um pastor metodista e pequeno comerciante do Norte do País. Uma outsider adventícia no seio do baronato que foi e é íntimo da Coroa inglesa.
 
Pois, para não decepcionar la crema y nata da velha nobreza inglesa, a filha do quitandeiro (como a chamavam à socapa nos corredores do partido) fez de tudo para se impor como a mais realista do Reino Unido.
 
Assumiu o poder em maio de 1979, já mostrando a que veio. Fez provocações diretas aos então fortíssimos sindicatos de trabalhadores e esgarçou o frágil tecido das relações capital/trabalho ao máximo. Conseguiu com isso, estimular muitas greves prolongadas e que paralisaram o país, por muitos meses. A greve dos mineiros durou quase um ano de confrontos entre o Estado e os sindicatos. Tudo o que ela desejava, politicamente.
O desmantelamento do Estado de bem-estar social atacou as áreas da saúde, assistência social, educação pública, Universidades, a burocracia estatal e o poder judiciário. O salário mínimo foi extinto e os impostos passaram a ser regressivos (poll tax, onde os ricos pagam menos e os trabalhadores pagam mais impostos), como forma de estimular os investimentos privados, já que o Estado estava se exonerando da economia.
 
Thatcher comprava briga em várias frentes ao mesmo tempo e procurava se legitimar através de um programa habitacional de venda direta das propriedades do Estado aos seus antigos locatários.
 
O discurso para conseguir o consentimento legitimador calcava nas consignas do ultraliberalismo de Friedrich Hayek: direito de propriedade individual (o plano habitacional garantia isso), cultura do empreendedorismo e do individualismo, regras de controle, responsabilidade financeira e produtividade nas instituições públicas, estímulo aos valores conservadores da classe média (Thatcher é o próprio triunfo da classe média), incentivo ao consumo intensivo à custa do endividamento em massa dos assalariados (como forma de criar um compromisso inescapável com o sistema).
 
A partir deste ponto, o centro da vida é o mercado. A mercadificação de tudo significa direitos de propriedade sobre processos, coisas e relações sociais (Harvey), supondo que tudo sob o céu é passível de ser atribuído um preço - em dinheiro - e portanto negociável nos termos de um contrato legal.
 
É o surgimento do chamado homem unidimensional, de que falava Marcuse ainda em 1964. O mercado (e as mercadorias) é um guia próprio para todas as ações humanas, ou seja, o mercado é uma ética.
 
A meu ver o mais grave dos legados da era Thatcher (1979-1990) é a tentativa de abolição da esfera política.
 
A queda de braço com o movimento sindical visava a eliminação física dos trabalhadores, como atores sociais reconhecidos. Ela decidiu importar carvão mineral para não negociar a agenda dos mineiros ingleses.
 
Preferiu comprometer mais e mais as finanças já combalidas do Estado a recuar um milímetro no seu intento de esmagar a capacidade política e orgânica dos sindicatos.
 
A anulação e a subsunção da esfera política às desigualdades do mercado é a suprema maldade do ultraliberalismo thatcherista. É o seu legado mais forte e permanente. Se a política diz respeito à coexistência e associação de homens diferentes, como nos ensina Hannah Arendt, já se vê que a sua derrocada representa um retrocesso civilizatório.
 
Aniquilar o fazer político é o mesmo que erradicar a pluralidade humana, estreitar a capacidade que adquirimos culturalmente de buscar objetivos que contemplem o diferente e o desigual, numa síntese dinâmica, provisória e em vias de permanente aperfeiçoamento.

Matar a política é o mesmo que condenar o homem a renunciar a sua liberdade, é mantê-lo escravo das suas próprias contingências, batendo cabeça num eterno cotidiano opressivo e redutor.
 
O neoliberalismo é uma fórmula perversa de apagar a política em favor da ditadura dos mercados.
 
Os governos que sucederam a primeira-ministra Thatcher conseguiram abolir algumas medidas antissociais da ex-quitandeira, como: o salário mínimo (Tony Blair, trabalhista) e o imposto regressivo (John Major, conservador), mas a desqualificação da esfera política está sendo de difícil reversão, até porque isso se alastrou pelo mundo todo, com a crescente importância da economia sobre a política.
 
Nem a duplicação da taxa de pobreza na Grã-Bretanha, durante os 11 anos de Maggie no poder, pode ter repercussões tão deletérias como o ataque à política.
 
Talvez por esse motivo o filme de Phyllida Lloyd tenha igualmente um olhar tão distante da política propriamente dita, embora não seja um filme apolítico. Não o é. Mas, não falar não significa não ser.
 
'A Dama de Ferro' é um filme fortemente político, exageradamente politizado. Uma alegoria se notabiliza precisamente por não falar diretamente sobre a sua identidade. Uma alegoria é sempre um disfarce, uma representação do objeto ao qual se refere.
 
A diretora Phyllida e a roteirista Abi quiseram falar do neoliberalismo, justamente no momento do seu lento e inexorável crepúsculo, e o fizeram falando e narrando sobre Thatcher - hoje Baronesa Thatcher de Kesteven (viram ela também virou la crema y nata da sociedade british!) - no ocaso de sua vida biológica. Simples e direto como pôr um ovo em pé.
 
Não é à toa que a direita britânica, a comerçar pelo primeiro-ministro Cameron, não gostou do filme.
 
Claro, foram cínicos, alegaram que a ex-primeira-ministra foi retratada na sua demência senil, que isso é cruel, etc. Mas jamais admitiram que falar de Thatcher é falar da senilidade do próprio sistemão que ela criou.
 
Por esse singelo motivo eu reputo o filme 'A Dama de Ferro' de genial. E, depois, mulheres fazendo cinema, sempre resulta em algo inteligente e instigante.
 
Cristóvão Feil
No Diário Gauche
*comtextolivre

A gestão Serra-Kassab em São Paulo e os privilégios ao mercado imobiliário 

 

A gestão Serra-Kassab em São Paulo e os privilégios ao mercado imobiliário


Poderá também gostar de:

 

— registrado em:
Habitação e 'limpeza urbana': para Kassab e Serra, políticas irmãs
Ao longo de oito anos, prefeitos de PSDB e PSD montam estrutura jurídica que facilita a remoção de moradores – em geral os mais pobres – de determinadas áreas
Conselho Municipal de Habitação de São Paulo tem eleição adiada mais uma vez
 
'Pra ser cidadão em São Paulo, tem que pagar', diz diretora de Habitação da prefeitura
 
São Paulo: operações urbanas são frentes de expansão do mercado imobiliário
Pesquisadora do Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura da USP, Mariana Fix diz que a expansão do mercado entra em contradição com o direito à moradia, uma marca das operações urbanas na capital paulista
Na gestão Serra-Kassab, estruturas públicas são adequadas ao setor imobiliário
Concessão de bairros ao setor privado, criação de secretarias para incentivar repasse de espaços a construtoras e decretos para facilitar desapropriações marcam os últimos oito anos da administração paulistana
Obra em São Paulo que vai desapropriar 50 mil no Jabaquara foi 'soco no estômago', diz morador
 
Morador ironiza campanha da prefeitura de São Paulo em protesto por desapropriações
Faixas com o slogan 'Milhares de desapropriações e desperdício do dinheiro público, antes não tinha, agora tem!' são fixadas em casas a serem desapropriadas no Jabaquara, na zona sul
Moradores do Jardim Edith conquistam uma das esquinas mais caras de São Paulo
Líder comunitário de 69 anos garantiu na Justiça direito a moradia para parte das 50 mil pessoas retiradas pela prefeitura de área nobre da capital paulista
Contra moradores e comerciantes, prefeitura de São Paulo aprova plano urbanístico de Zeis da "Nova Luz"
Documento é pré-requisito para licitação de 45 quadras da região central que será transferida para a iniciativa privada
Idosos do Jabaquara, em São Paulo, sofrem com desapropriações para construção de túnel 
 
+http://www.redebrasilatual.com.br/temas/especiais/a-gestao-serra-kassab-em-sao-paulo-e-os-privilegios-ao-mercado-imobiliario/atct_topic_view?b_start:int=10&-C=
 
 *comtextolivre

segunda-feira, abril 23, 2012

Lula confirma presença em lançamento de documentário

Vídeo destaca momentos emocionantes de Lula presidente

Está previsto para a próxima quarta-feira (25) em Brasília, no Museu da República, o lançamento do documentário “Pela Primeira Vez”, do fotógrafo Ricardo Stuckert. Em trailer divulgado na internet, da a entender que o filme mostrará os momentos finais do segundo mandato de Lula e a posse de Dilma Rousseff.
Logo na abertura do documentário, Lula aparece ao visitar o então vice-presidente José Alencar. As imagens são do dia 1 de janeiro de 2011, e Lula fala “Nunca antes na história do mundo um presidente teve um vice da qualidade que eu tive, nunca, caráter, companheiro, solidário, fiel ao presidente. Meu companheiro, você é mais que um companheiro, você é um irmão!”.
Dilma Rousseff também aparece em destaque. Stuckert registrou o momento em que a presidenta chora ao assumir a presidência. “E sei que meu mandato deve incluir a tradução mais generosa desta ousadia do voto popular, que após levar à presidência um homem do povo, um trabalhador, decide convocar uma mulher para dirigir os destinos do país. A partir deste momento sou a presidenta de todos os brasileiros!”.
Outro momento do documentário mostra Lula voltando ao lugar onde sente-se em casa. São Bernardo do Campo. Na ocasião, Lula participa de comício e pede votos para Dilma. “Portanto companheiros e companheiras, agora o que eu peço para vocês é que com o mesmo carinho que vocês me apoiaram a gente tem que apoiar a companheira Dilma, os adversários são os mesmos, os preconceitos são maiores e muito mais!”.


*comtextolivre
"Ditadura é coisa que tem que ser contada. Anistia não é amnésia, nós temos o direito de saber"


O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, critica Lei da Anistia e defende punição aos torturadores da ditadura, durante audiência da Comissão Parlamentar da Memória, Justiça e Verdade, vinculada à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.


“Para garantir a nossa subsistência hoje e no futuro é preciso que todos os torturadores e todos os ditadores do mundo saibam que os seus crimes jamais serão impunes”





*Mariadapenhaneles