Ao invés de pontes Israel não para de construir muros e mais muros: “Uma doença mental nacional”
Franklin Lamb (de Beirute), Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Os pesquisadores terão talvez de examinar nada menos que 14 séculos, do século 3 AC
até o início do século 17, para encontrar outro regime que construa
muros e barreiras em tal frenesi, na tentativa desesperada de conseguir
manter-se sobre terras roubadas, semelhante ao que nós logo veremos
também aqui, no sul do Líbano, na fronteira com Israel. No ano 221 AC,
para proteger a China contra a invasão do povo Xiongnu da Mongólia – e a
tribo Xiongnu era, então, o principal inimigo da China, e lutava para
reconquistar terras que acusava os chineses de terem roubado –, o
imperador Qin Shi Huang ordenou que se construísse um muro, para
preservar as conquistas territoriais chinesas.
Ao
longo da história, construíram-se muitos muros, para proteger terras
ocupadas. Os romanos construíram o Muro de Adriano na Grã-Bretanha, para
manter os pictos do lado de fora; e os alemães do leste construíram o
Muro de Berlin, para manter do lado de dentro quem quisesse sair dali.
Mas nenhum regime na história construiu, em 60 anos, a quantidade de
muros que foram e continuam a ser erguidos pelo paranoico governo de
Telavive. Agora, planejam outros cinco novos muros, chamados “barreiras
de proteção antiterroristas”, entre os quais um, cuja construção deve
ser iniciada em breve, sobre a fronteira entre Líbano e Palestina, na
cidade libanesa de Kfar Kila. E esse muro pode vir a criar problemas
ainda mais graves que outros.
A decisão de
erguer um muro “para substituir a barreira técnica israelense existente”
ao longo da Linha Azul, junto à cidade de Kfar Kila, foi anunciada por
Telavive na semana passada. O anúncio aconteceu depois de uma reunião
entre militares israelenses e a UNIFIL [orig. United Nations Interim
Force In Lebanon, Força Provisória da ONU no Líbano] e os dois lados
continuam estranhamente silenciosos sobre esse novo muro; mas o
porta-voz da UNIFIL, Neeraj Singh, deixou escapar, em conversa comigo,
que a primeira parte do muro terá cerca de 500m comprimento e cerca de
5m de altura.
Moradores
do sul do Líbano opõem-se fortemente à construção da muralha, dentre
outras razões, porque bloqueará a visão das belas paisagens da Palestina
que se veem dali. Outros tem rido das razões apresentadas pelo lobby EUA-Israel, que pedirá ajuda aos contribuintes norte-americanos para as despesas de construção do muro.
David Schenker, conhecido militante pró-Israel (até quando ser pró-Israel implica ser contra os EUA; em ing. Israel firster), ligado ao Institute for Near East Policy, em Washington, associado ao AIPAC, disse em audiência no Congresso, recentemente:
“O
sul do Líbano é área obviamente muito sensível [para Israel], muito
próxima de Metula e via pela qual o Hezbollah e palestinos podem
infiltrar-se. A preocupação de Israel é legítima. O governo israelense
crê que o muro, naquele ponto, impedirá que terroristas lancem ataques
diretos com foguetes e morteiros. Impedirá também que turistas que
visitam a região lancem pedradas contra Israel, o que muitos fazem e já
se tornou praticamente um hábito”.
Observadores
locais, oficiais da UNIFIL e especialistas como Timor Goksel, que
trabalhou por 24 anos como porta-voz da UNIFIL na área da Linha Azul,
têm-se mostrado surpresos e intrigados por Israel andar falando tanto de
Kfar Kila como região particularmente perigosa, que necessitaria de
muros.
Nada,
de fato, jamais aconteceu ali; aquela área nunca foi perigosa nem
“sensível”, sequer quando a OLP controlava a região, nos anos 1970s.
Goksel explicou:
“Nos meus 24
anos de experiência, jamais houve ataques nesse ponto, porque é muito
próximo de uma cidade libanesa; ataques nesse ponto criariam
dificuldades, sobretudo, para os libaneses que vivem ali. Que eu saiba,
ninguém jamais pensou em atacar ali. Além do mais, mesmo
que alguém invada o território israelense por Kifa Kula, é preciso andar
muito até encontrar o primeiro posto israelense. Não faz sentido algum
atacar aqui. Atacariam quem, nesse local?”
Moradores
locais comentam que o verdadeiro motivo para Israel querer erguer um
muro em Kfar Kila é impedir que soldados israelenses troquem ali armas e
informações, por drogas; como todos sabem na região, o problema do
consumo de drogas entre soldados de Israel no “Comando Norte” aumentou
muito, desde a campanha mal-sucedida de Israel, naquela região, na
guerra contra o Líbano, em julho de 2006.
O mais novo muro da vergonha em Israel seguirá o traçado de outro muro, que está já em construção, ao longo dos 700 km
de fronteira entre os desertos do Sinai e do Negev. Esse muro deverá
estar construído até o final de 2012. Então, se se somar o muro de Kfar
Kila, Israel estará quase completamente cercada por aço, arame farpado e
concreto; com uma única abertura, na fronteira com a Jordânia, entre o
Mar Morto e o Mar Vermelho, onde não há barreira física. Mas logo também
haverá um muro nesse ponto, segundo informação de Shenker; explicou que
o muro é necessário também ali, porque há “incerteza” na Jordânia e o
reino mostra-se cada vez mais vacilante.
Há mais muro, a cerca de 11km do Mediterrâneo, ao longo da fronteira sul, que se encontra com a jaula que Israel já construiu em torno de Gaza. Esse
muro estende-se por 51km e é protegido por uma faixa de terra
fortemente minada; os palestinos não podem andar ali, e o muro invade
cerca de 1km da estreita Faixa de Gaza; por causa desse muro, os
palestinos proprietários não conseguem chegar às suas melhores terras
para a agricultura. Esse “muro de segurança” mantém os palestinos
enjaulados dentro de Gaza, mas não impediu que o soldado Gilad Shalit,
do exército de Israel, fosse capturado, bem ali, em 2006.
Depois
que Israel foi expulsa do Líbano, em 2000, depois de 22 anos de
ocupação, a barreira ao longo da fronteira Palestina-Líbano foi
reconstruída. Essa barreira não impediu que o Hezbollah, em 2006,
invadisse território israelense e capturasse dois soldados israelenses,
que adiante foram usados numa troca, para libertar militantes que Israel
mantinha prisioneiros. Também não impediu que o Hezbollah disparasse
seus muitos mísseis, em guerra de retaliação que durou 33 dias, depois
que Israel bombardeou e destruiu vastas áreas no sul do Líbano.
Apesar disso, os “muros de proteção” continuam a brotar do chão, como cogumelos depois da chuva.
Mais
para o leste do Líbano, está sendo erguido outro muro, sobre a linha do
cessar-fogo traçada ao final da guerra de 1973, do Yom Kippur; passa
entre as colinas do Golan – que Israel ocupa ilegalmente há cerca de 45
anos – e a Síria. Exatamente por aí centenas de manifestantes
pró-palestinos entraram em território palestino ocupado, em maio
passado, pelo Golan e ao longo da fronteira libanesa. Mais de dez
manifestantes foram mortos, e muitos foram feridos, quando o exército
sionista abriu fogo contra manifestantes civis desarmados.
Um
posto de passagem em Quneitra, atualmente operado pela ONU, permite
alguma mobilidade ao pessoal da ONU, dá passagem a alguns caminhões
carregados de maçãs, a uns poucos estudantes drusos e a uma ou outra
esporádica noiva síria de véu e grinalda [1].
Poucos quilômetros ao norte de Quneitra está a Colina dos Gritos [orig. Shouting Hill],
onde famílias drusas do Golan gritam, de um lado de uma faixa de terra
minada, para serem ouvidos pelos parentes e amigos que vivem na Síria,
do outro lado da faixa minada de território sírio ocupado por Israel [2].
Rumo
ao sul, por campos e colinas pesadamente minados, a linha do
cessar-fogo de 1973 é semeada de bases militares e zonas militares
vedadas, restos de tanques que sobraram de outros combates, até que se
conecta com a fronteira com a Jordânia. Ali se une a um dos primeiros
muros construídos por Israel, ainda no final dos anos 1960s, e que hoje
se estende quase desde o Mar da Galileia, pelo Vale do Jordão, até o Mar
Morto. A maior parte dessa linha não é fronteira de Israel; é,
simplesmente, mais um muro, para separar a Jordânia, de um lado; e, de
outro a Cisjordânia ocupada por Israel.
A
cerca de dois terços do caminho, a barreira liga-se ao sempre infame
muro de aço e concreto da Cisjordânia. Esse muro acompanha a linha do
armistício de 1949, engolindo, na passagem, muitas áreas plantáveis de
terras palestinas, rasgando ao meio vilas e comunidades e separando
sitiantes e agricultores de suas plantações de oliveiras.
Como
sobre outros 18 muros e barreiras, o regime sionista diz que se trata
de simples medida de segurança. Mas, para muitos, o muro marca o limite
de um futuro estado palestino, e já consumiu mais 12% do território da
Cisjordânia. Cerca de dois terços dos quase 748km de muro já estão
prontos, quase todo ele uma barreira de aço, com largas faixas de
exclusão dos dois lados. Segundo o traçado atual, 8,5% do território da
Cisjordânia e 27.520 palestinos vivem do lado ‘israelense’ da barreira.
Outros 3,4% da área (com 247.800 habitantes) está completamente ou
parcialmente já cercada pelo muro.
Duas
outras barreiras semelhantes – a que separa Israel e a Faixa de Gaza; e
o muro que Israel construiu, 7-9m, que separa Gaza do Egito (que foi
temporariamente derrubado dia 23/1/2008), atualmente sob controle dos
egípcios –, também têm sido amplamente criticadas pela comunidade
internacional.
De volta ao tema
do novo projeto de novo muro, cada vez mais o regime sionista dedica-se a
impedir discussões, audiências, visitas, expressões de solidariedade
com os palestinos; agora já tenta impedir, até, que, do sul do Líbano,
se aviste o estado sionista militar. O movimento de impedir que se veja e
reveja uma paisagem que há milênios fascina os viajantes é mais um
passo na direção do autoisolamento de Israel, cada vez mais xenófobo.
Depois da reunião conjunta em Kfar Kila, o major-general Serra, da UNIFIL, disse:
“A
reunião foi convocada para ajudar Israel a implantar medidas adicionais
de segurança ao longo da Linha Azul, na área de Kfar Kila, para
minimizar as causas de tensões esporádicas ou de desentendimentos que
poderiam levar a uma escalada da situação”.
O mais provável, de fato, é que o muro em Kfar Kila provoque efeito exatamente oposto.
Em
recente visita ao campo palestino de Ahmad Jibril no vale do Bekaa, e
em conversa com grupos salafistas em Saida, pude ver bem claramente que o
muro logo virará alvo para prática de tiro; o que só dificultará o
trabalho da UNIFIL e do Hezbollah, que tanto se esforçam para manter
calma a região de fronteira.
Em comentário sarcástico, recentemente publicado em Yedioth Ahronoth, o jornal de maior circulação em Israel, Alex Fishman, conhecido analista da Defesa, escreveu:
“[Israel]
Nos tornamos uma nação que se autoaprisiona atrás de muros e cercas,
que se encolhe aterrorizada por trás de escudos de defesa”.
Já é, disse Fishman, “uma doença mental nacional.”
Notas dos tradutores
*GilsonSampaio