Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, junho 02, 2012

A Líbia sob o domínio do Pentágono e da OTAN: Corrupção, conflitos internos e os ”frutos” do belicismo imperialista

Abayomi Azikiwe
Tradução: Renzo Bassanetti
Global Research
No dia 8 de maio passado, uns 200 rebeldes descontentes que lutaram junto ao Pentágono e à OTAN na missão militar de mudança de regime contra o governo da Al-Yamahiria na Líbia, durante o ano de 2011, fizeram o que puderam para tentar assassinar o primeiro-ministro interino Abdurrahim–el-Kib. Ao que parece, os rebeldes se sentiram irritados pela suspensão dos pagamentos mensais aos milicianos que serviram como tropas de terra na campanha que derrotou ao líder martirizado, o coronel Muammar Kadhafi.
O programa de compensação para os rebeldes, que distribuiu 1,4 bilhões de dólares, está tomado por fraudes e, por tal motivo, foi suspenso em abril passado. A propósito dessas fraudes, soube-se que alguns dos que receberam os pagamentos estavam mortos, e que também havia elementos que nunca tinham lutado contra Kadhafi, e que assim mesmo estavam recebendo. Além desses problemas de fundos públicos faturados aos combatentes rebeldes, enviou-se em viagem ao estrangeiro um grupo de rebeldes para que recebessem tratamento médico sem estes terem sofrido qualquer ferida ou doença.
Esses grupos de milícias serviram como tropas terrestres na guerra imperialista contra a Líbia, que tinha posto em marcha um embargo de armas contra o governo de Kadaffi, um bloqueio naval, uma série de sanções, o confisco de ativos no estrangeiro e quase infinitas missões de bombardeio, que chegaram a alcançar 26 mil saídas e 10 mil ataques aéreos. A corrupção tem sido um fato endêmico no denominado Conselho Nacional Transitório (CNT), desde sua criação na guerra do ano passado. Uma vez alcançado o poder em Trípoli, no final de agosto de 2011, e em todo o país após o brutal assassinato da Khadaffi em 20 de outubro, começaram a desaparecer bilhões de dólares do tesouro nacional. Ao descobrir a corrupção rampante que assola a Líbia, o ministro interino das finanças, Hassam Ziglam, anunciou em 11 de maio que se demitiria imediatamente. Sua demissão deve-se ao “desperdício de fundos públicos” (Reuters, 11 de maio).
O primeiro-ministro interino, Al-Keib, o que foi objeto da tentativa de assassinato, chamou de “foragidos” aos responsáveis pelo tiroteio, que deixou pelo menos um morto. Os diversos grupos de milícias disseminados pela capital, Trípoli, e por outras partes do pais, nunca chegaram a constituir um exército nacional. Ziglam, o ministro das finanças demissionário, disse sobre o incidente de 8 de maio: “Vieram carregados de armas. Como se pode trabalhar em semelhante ambiente?” (Reuters, 11 de maio).
Outras acusações de corrupção surgidas durante os últimos meses incluem diversas irregularidades da Autoridade Líbia de Investimentos, onde cerca de 1,5 bilhões de dólares de receitas com o petróleo, que supunha-se que seriam transferidos ao Tesouro Nacional, continuam com paradeiro desconhecido. Também os ativos que os estados imperialistas congelaram no estrangeiro durante as primeiras fases da guerra contra a Líbia continuam sendo fonte de disputas sobre seu valor atual. Na região oriental produtora de petróleo, a Arabian Gulf Oil Company tem visto obstaculizados seus trabalhos em função das greves dos trabalhadores, que estão exigindo responsabilização dos executivos que dirigem a companhia. Ainda que a produção de petróleo tenha aumentado, segundo foi informado, para até um milhão de barris por dia, estão aparecendo muitas interrogações sobre o uso que está sendo dado a essas receitas e a remuneração aos trabalhadores.
Violações dos direitos humanos ignoradas pelos imperialistas e seus representantes
As razões oferecidas para justificar a guerra imperialista contra a Líbia em 2011 foram que o governo de Khadafy estava violando os direitos humanos de seus cidadãos, para orquestrar outra rebelião armada financiada e coordenada pelos interesses estrangeiros. Apesar do fato de que não se encontraram provas concretas de assassinatos e prisões em massa, essa mesma narrativa é a que continua a se manter como justificativa do que realmente aconteceu.
Contudo, sob o atual regime do CNT, os relatórios assinalam que pelo menos 7 mil pessoas continuam detidas no país, e que muitas delas estão sofrendo torturas e assassinatos extra-judiciais. Inclusive as Nações Unidas, que através das Resoluções 1970 e 1973 proporcionaram uma base pseudo-legal para bombardear a Líbia e derrotar seu governo, manifestou-se contra as prisões injustas efetuadas pelos rebeldes líbios. Segundo Ian Martin, que encabeça a missão das Nações Unidas na Líbia, “continuam se registrando casos de maus tratos e torturas aos detidos. Abordar essas práticas deveria ser uma alta prioridade para o governo, com a finalidade de por em prática uma nova cultura de direitos humanos e de império da lei” (AFP, 11 de maio).
Em abril, afirmou-se que três pessoas sofreram torturas até a morte em uma prisão situada na cidade costeira de Misrata. Essa prisão tem se tornado tristemente célebre pelas torturas aos detidos, e há acusações de que outras sete pessoas foram assassinadas lá. Os detidos estão sendo acusados de combater pelo exército líbio em defesa do país, que foi atacado internamente e por mar e ar durante 2011. Outro método para levar as pessoas à prisão é proibindo qualquer “glorificação” do governo e dirigente anterior, Muammar Khadafi. O governo do CNT aprovou uma lei que ordena às milícias que persigam e processem a qualquer um que apóie o anterior sistema político, que governou o país por 42 anos. Em conseqüência disso, as próximas eleições bloquearão os interesses políticos que continuam apoiando a Jamahiria. As ameaças contra os seguidores do do ex-governo de Khadafi estendem-se também ao exterior da Líbia.
O Dr. Chokri Ghanem, anterior primeiro-ministro e ministro do petróleo, apareceu morto em Viena no final de abril, flutuando no rio Danúbio. O CNT estava pressionando Ghanem para que voltasse à Líbia e fornecesse provas que facilitassem a perseguição aos anteriores membros do governo. Em uma entrevista à Reuters em dezembro de 2011, esse licenciado pela Universidade de Boston comentou a um jornalista sobre os rebeldes do CNT: “Lançaram pela janela um homem a quem estavam interrogando”(Reuters, 13 de maio). Noman Benotman, analista e durante muito tempo opositor ao regime de Khadafi, falou sobre a morte de Ghanem: “Foi um crime executado por profissionais. É uma amostra do poder global da máfia. Tem a ver com corrupção e acordos secretos. Havia gente que queria assegurar-se de que ele não falasse nunca mais”.(Reuters, 13 de maio).
O filho de Muammar Khadafi, Seif-al-Islam, continua sendo mantido em uma prisão secreta em Zintam, e não foi permitido a ele dispor de uma representação legal escolhida por ele. Um representante da Corte Penal Internacional (CPI) visitou-o recentemente e comprovou que tinha dois dedos cortados e um dente arrancado. Os fiscais da CPI estão permitindo que se mantenha Seif-al-Islam detido dentro da Líbia, embora o CNT afirme que não controla as instalações onde ele está preso. Em tais condições, e com o total caos político que campeia pelo país, será impossível que possam submetê-lo a qualquer arremedo de julgamento justo.
As eleições serão inevitavelmente uma vergonha
As eleições marcadas para o dia 19 de junho não poderão ser consideradas, sob ótica alguma, eleições livres e justas.
Os antigos funcionários do governo de Khadafi e seus seguidores têm sido criminalizados, e muitos deles continuam fora do país. Todo o processo de inscrições eleitorais tem estado cheio confusões e irregularidades.
Um líbio, citado pela BBC, disse sobre o processo: “Não entendemos nada de eleições. E há muita gente que não sabe absolutamente nada sobre elas!”. Pela televisão, não é oferecido nenhum programa que informe sobre as mesmas, sobre como votar, sobre o que é preciso fazer”.(BBC, 11 de maio). Enquanto isso, os elementos separatistas da zona oriental do país, onde começou a rebelião contra Kadhafi em fevereiro de 2011, o denominado Conselho Baqa, rechaçou o processo eleitoral e realizou um chamado para boicotá-lo. Os líderes dessa região, que denominam a si mesmos como Conselho da Cirenaica, estão pressionando para conseguir um estatuto de autonomia que fique fora da autoridade do CNT em Trípoli.
Ao mesmo tempo, informa-se que na região sul da Líbia prosseguem os conflitos transversais. Tem havido muitos mortos nos últimos meses em combates descritos como entre o povo Toubou e as tribos árabes. Em 14 de maio, a AFP informou: “Um dos candidatos para as eleições para a próxima assembléia constituinte morreu assassinado no deserto do sul da Líbia, pouco depois de apresentar sua candidatura. Khaled Abu Saleh foi assassinado a 30 km de Ubari”. Mohammed Saleh, a quem a AFP descreve como representante da Alta Comissão para a Segurança, disse que ”um grupo armado que viajava em cinco veículos o seguir depois que ele se registrou na comissão eleitoral, até cercarem-no e assassiná-lo”.
Os frutos da guerra imperialista na África
A situação na Líbia é conseqüência das guerras imperialistas pelos Estados Unidos e outros países ocidentais ao longo da última década. Iniciadas por supostas preocupações humanitárias, tais intervenções terminam sempre piorando das massas em seus respectivos países. Nos próprios EUA, a crise econômica está causando a destruição das cidades e o aumento da violência racista. Os desmedidos gastos militares não criaram nenhuma nova oportunidade em postos de trabalho para as dezenas de milhões de desempregados. No Canadá, que ostensivamente dirigiu as operações da OTAN na Líbia, explodiu um escândalo ao haver se tentado ocultar os custos da guerra. O ministro da defesa do governo conservador, Peter MacKay manifestou-se no rádio a 13 de maio, num esforço para diminuir os estragos causados pelas acusações de distorções nas informações sobre financiamento da guerra. As matérias na imprensa estão denunciando que o custo atual da campanha de bombardeios na Líbia para o Canadá foi 700% maior do que se afirmou publicamente. MacKay disse: “As intervenções são caras. Em minha opinião, esse dinheiro foi bem gasto”.
Abayomi Azikiwe é editor do Pan African News Wire, um serviço internacional de imprensa eletrônica projetado para estimular o debate inteligente dos assuntos dos povos africanos por todo o continente e pelo mundo.
*GilsonSampaio

Nenhum comentário:

Postar um comentário