Brasil se isola ao acobertar crimes da ditadura
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Por VâniaDo Blog da Cidadania
Vem aumentando a pressão internacional para que o
Brasil investigue e puna os crimes da ditadura militar. A Organização
das Nações Unidas (ONU), ao lado da Anistia Internacional e do Tribunal
Penal Internacional, pressionam o país para que puna militares que
sequestraram, torturaram e assassinaram entre 1964 e 1985.
Na última quinta-feira, a Anistia Internacional denunciou que “O
Brasil continua atrasado em comparação aos demais países da região em
sua resposta às graves violações de direitos humanos cometidas no
período militar”, o que constitui um eco do clima internacional em
relação ao acobertamento institucional daqueles crimes.
ONU, Anistia Internacional, Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e TPI condenam o Supremo Tribunal Federal brasileiro por ter se
manifestado contra ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) iniciada
em 2010 que questionava a Lei da Anistia, de 1979. A condenação informal
do Brasil por leniência com os crimes de Estado durante a ditadura tem
amplo apoio dos principais países-membros.
Entre os países que integraram a Operação Condor – aliança secreta
entre Brasil, Argentina, Chile e Uruguai orquestrada pelos Estados
Unidos entre os anos 1960 e 1970 para combater movimentos de esquerda –,
só o Brasil ainda não iniciou punições de militares que cometeram
crimes de lesa-humanidade.
A desculpa da Justiça, de setores da imprensa e dos próprios
militares é a de que a Lei 6.683, aprovada pela ditadura em 1979, a dita
Lei da Anistia, abrangeu “os dois lados”, ou seja, os que cometeram
crimes em nome do Estado ou contra ele. Tal premissa, porém, é rejeitada
pelas vítimas da ditadura, por descendentes dessas vítimas e pela
comunidade internacional.
A ONU, por exemplo, considera que o Estado não pode praticar crimes
imprescritíveis como seqüestro, tortura e assassinato, não importando
que outros crimes possam ter sido cometidos pelos que resistiram ao
regime militar, pois o Estado tem que se pautar pela lei, sendo negado
que atue contra a lei sob pretexto de combater “crimes”.
Desenhando, para quem se nega a entender: o Estado não pode se
igualar ao criminoso. Se um criminoso tortura, o Estado não pode
torturá-lo. Até mesmo para aplicar pena de morte, onde ela existe,
exige-se um julgamento e diversos outros ritos legais.
Outro fator que torna insuportável a Lei da Anistia que a ditadura
brasileira aprovou em benefício próprio, a exemplo do que fizeram outras
ditaduras da região, é que foram punidos os acusados pelos ditadores de
terem cometido seqüestros, assaltos e assassinatos, seja com o exílio,
com prisão, com torturas ou até com a morte.
Já os agentes do Estado que cometeram crimes, esses jamais
responderam por nada. Não há um só caso de punição de membros da
ditadura, ao passo que há centenas de casos de punições formais de
membros da resistência àquele regime. A hoje presidente da República,
Dilma Rousseff, é o exemplo mais conhecido, ao ter cumprido pena de
prisão.
Houve leis de anistia na Argentina, no Chile ou no Uruguai, mas essas
leis foram derrubadas justamente devido ao conceito mundialmente
reconhecido de que o Estado não pode praticar seqüestros, torturas e
assassinatos em hipótese alguma, nem sob a desculpa de combater
insurreição.
Agora, após a Justiça do Pará ter rejeitado ação do Ministério
Público Federal contra o coronel da reserva Sebastião Curió, acusado de
sequestro e assassinato de cinco pessoas na década de 1970, o Superior
Tribunal Federal, sob demanda da OAB, voltará a julgar a Lei da Anistia.
O julgamento deve ser reaberto na semana que entra.
O que impressiona, em um momento como este, é que o resultado desse
julgamento foi antecipado pelo advogado-geral da União, Luís Inácio
Adams, que está afirmando que o Supremo Tribunal Federal deve revalidar a
Lei da Anistia.
Então ficamos assim: após a ditadura punir duramente todos os que
conseguiu, fosse por meios legais ou ilegais, o último ditador, João
Figueiredo, conseguiu garantir que, à diferença dos que enfrentaram os
que usurparam o poder ilegalmente, nenhum integrante daquela ditadura
jamais respondesse por nada.
Ao nos tornarmos o único país-membro da Operação Condor no Cone Sul a
não punir crimes da ditadura, passamos ao mundo mensagem de que o
Brasil ainda não consolidou a sua democracia, de que o que temos é um
simulacro, uma mera concessão de militares criminosos que ainda
chantageiam o país com ameaça de novo golpe.
MPF vai recorrer pela condenação de membros da ditaduraDo Portal Terra
O
Ministério Público Federal decidiu recorrer da decisão do juiz João
César Otoni de Matos, para que o coronel da reserva Sebastião Rodrigues
Curió seja processado pelos crimes de sequestro contra guerrilheiros do
Araguaia na década de 1970, quando o oficial ocupava o posto de major do
Exército. De acordo com o órgão, os procuradores da República do Pará,
Rio Grande do Sul e São Paulo que atuam no caso já estão trabalhando no
recurso que será dirigido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Na decisão de não receber a denúncia criminal contra Curió, o juiz
Otoni Matos considerou que a Lei da Anistia impede qualquer tentativa de
punir os crimes do coronel reformado. “Pretender, depois de mais de
três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão
sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que,
além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias
históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à
sua edição”, disse o juiz.
Para o MPF, a denúncia criminal contra Curió não questiona a Lei da
Anistia e sim os precedentes do próprio STF em casos análogos, além de
obedecer a decisão da Corte Interamericana, porque o Pacto
Interamericano de Direitos Humanos foi assinado pelo Brasil e tem força
de lei no País. “Se o Brasil não quer cumprir o pacto, o que seria uma
decisão política absolutamente desastrosa em minha opinião, a adesão do
Brasil tem que ser desfeita, isso tem que ser feito oficialmente. O país
voluntariamente aderiu ao pacto e, a partir disso, precisa cumpri-lo,
não pode se recusar toda vez que uma decisão lhe desagradar”, disse o
procurador da República Ubiratan Cazetta, um dos responsáveis pelo caso.
“Estamos efetivamente dispostos a cumprir a determinação da Corte
Interamericana de Direitos Humanos que deixou clara a obrigação
brasileira de trazer a verdade sobres os fatos que ocorreram naquele
momento, de dar uma satisfação às famílias que até hoje não sabem o que
ocorreu com seus parentes e também a cumprir o precedente do Supremo
Tribunal Federal (STF) sobre vítimas de desaparecimento forçado”, disse
Cazetta.
A decisão, citada pelo procurador, é a da Corte da Organização dos
Estados Americanos (OEA), sobre os crimes cometidos por agentes da
ditadura na guerrilha do Araguaia que determinou ao Brasil “conduzir
eficazmente, perante a jurisdição ordinária a investigação dos fatos do
presente caso a fim de esclarecê-lo, determinar as correspondentes
responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções”.
O procurador também relembra as decisões do STF em pedidos de
extradição do governo argentino, no qual os ministros decidiram
extraditar militares acusado de sequestro. “Embora tenham passado mais
de trinta e oito anos do fato imputado ao extraditando (desaparecimento
forçado de presos políticos), as vítimas até hoje não apareceram, nem
tampouco os respectivos corpos, razão pela qual não se pode cogitar, por
ora, de homicídio”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, relator de um
dos casos.
“Não existe convicção de que as pessoas estão mortas, portanto, é
fundamental que a Justiça analise os casos, permita a produção de
provas, traga à luz a história dessas vítimas. Não se pode simplesmente
presumir sua morte sem mais indagações e dispensando-se a instrução
processual”, disse o procurador da República Tiago Rabelo, que atua em
Marabá e trabalha há mais de dois anos colhendo depoimentos e
testemunhos sobre as operações de repressão no Araguaia.
“O MPF considera insuficientes os fundamentos da decisão do juiz
Otoni Matos, porque afirma que a Lei de Anistia é válida e alcança fatos
passados, mas não considera que ela própria, expressamente, se refere a
fatos ocorridos até 15 de agosto de 1979, não se aplicando, portanto, a
condutas que se prolongam no tempo, como no caso do crime de sequestro
referido na denúncia, de caráter permanente, já que não se sabe o
paradeiro das vítimas” explica Tiago Rabelo. A permanência do crime é o
argumento determinante para os procuradores da República que atuam no
caso.
Os procuradores também ressaltam que a consumação do sequestro não
depende necessariamente da manutenção da vitima em cativeiro, como
sugere a decisão. “O próprio STF já teve a oportunidade de tipificar
fato idêntico como sequestro qualificado”, disse Rabelo. “Não estamos
questionando a decisão do STF de manter a validade da Lei de Anistia. Ao
negar que o processo criminal continue, a Justiça sim contraria, não só
a Corte Interamericana, como o próprio STF, que permitiu extraditar
militares para serem julgados pelos mesmos crimes imputados ao coronel
Curió no Brasil”, conclui o procurador Felício Pontes Jr.
ONU pede para Brasil levar à frente denúncia contra Curió
De O Globo
Coronel é acusado de cinco sequestros na região do Araguaia durante a ditadura militar
RIO – A Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra divulgou na
manhã desta sexta-feira um comunicado em que pede que o Judiciário
Brasileiro leve à frente a denúncia do Ministério Público Federal contra
o coronel Sebastião Curió Rodrigues de Moura por cinco sequestros na
região do Araguaia, durante o período da ditadura militar.
O texto diz que o acolhimento da denúncia contra o militar seria “um
primeiro passo crucial na luta contra a impunidade que rodeia o período
do regime militar no Brasil”.
“Estamos esperançosos de que o Judiciário brasileiro vai defender os
direitos fundamentais das vítimas à verdade e à justiça, permitindo que
este processo muito importante vá para a frente”, diz o comunicado.
Caso a denúncia seja aceita, será a primeira ação penal do país com o
objetivo de punir um militar por crime cometido na ditadura. As vítimas
apontadas pelos procuradores são todas guerrilheiras: Maria Célia
Corrêa, a Rosinha; Hélio Luiz Navarro Magalhães, o Edinho; Daniel
Ribeiro Callado, o Doca; Antônio de Pádua
Costa, o Piauí; e Telma Regina Cordeira Corrêa, a Lia.
O presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional
(Abdconst), Flávio Pansieri, afirmou nesta quinta-feira, ao comentar a
denúncia do MPF que a “simples leitura da Constituição e da Lei deixa
claro que os crimes cometidos por militares, na ditadura, não foram
anistiados”. Segundo Pansieri, a ação contra Sebastião Curió é o início
de uma resposta cívica aos crimes cometidos durante o regime ditatorial.
- Esperamos que seja somente o começo.
O Brasil é o único país do Cone Sul onde não houve condenações
penais, por conta da Lei de Anistia de 1979, que protege os repressores
de prisão e julgamentos. Em várias partes do país familiares de vítimas e
promotores já apresentaram ações civis.
O procurador da República Sérgio Suiama, um dos que assinaram a ação,
informou que o processo não contraria a ADPF (Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental) 153 contra a Lei da Anistia, em
que o STF determina que a Lei de Anistia é válida para todos os crimes
cometidos até agosto de 1979.
- Nesse caso, são cinco sequestros que continuam, por isso, a lei não beneficia o major Curió. Afirmou.
Procuradores driblaram Lei de Anistia
Segundo a denúncia do MPF contra Curió, o grupo foi sequestrado por
tropas comandadas pelo militar entre janeiro e setembro de 1974. Após
sessões de tortura, não houve mais notícia do paradeiro de nenhum deles.
Para driblar a Lei de Anistia – que, em 1979, perdoou os ilícitos
cometidos por militares e militantes -, os procuradores alegaram que o
crime de sequestro é permanente enquanto as vítimas não forem
encontradas. Com isso, os casos não poderiam ser enquadrados na Lei de
Anistia.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que a ação
ajuizada pelo MP contra o coronel pode chegar ao Supremo Tribunal
Federal (STF) para que seja discutida se a tese sustentada esbarra na
Lei de Anistia. O sequestro dos guerrilheiros começou a ser investigado
em 2009.
No comunicado, a própria ONU lembra que outras tentativas de punir
militares que praticaram crimes caíram por terra porque esbarravam na
lei:
“Esta é a primeira vez que o Brasil está perseguindo as violações dos
direitos humanos cometidas durante esse período – as tentativas
anteriores foram bloqueadas por interpretações da Lei de Anistia de
1979”.
Em seu comunicado, a ONU remete ainda a uma decisão da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, que declarou a Lei de Anistia
inválida e que, portanto, as investigações criminais e processos
deveriam prosseguir.
Em novembro de 2011, a ONU já havia parabenizado o Brasil pela
criação de uma Comissão da Verdade para investigar os abusos de direitos
humanos cometidos durante o regime militar. O comunicado é assinado
pelo porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos,
Rupert Colville.
*luisnassif