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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, setembro 26, 2015

Hoje fui violentada pela Polícia



Categoria » Violência contra Mulher

CHORO-011

Porque compartilhar é preciso, necessário e ajuda a sobreviver.
Por Cris Faustino, no FCM
Hoje, 24 de setembro/2015, desembarquei por volta de 8:30 (voo 4764 da TAM. Noite inteira de viagem) no Aeroporto Internacional Pinto Martins em Fortaleza. Retornava de Manaus, de um encontro com algumas das minhas companheiras da Articulação de Mulheres Brasileiras. O desembarque doméstico estava interditado e os passageiros seguiram pelo desembarque internacional. Eu não havia embarcado bagagem, pois como era viagem rápida, levei poucas coisas e sinto muita satisfação em não ter que ficar esperando malas na esteira. Que fácil estava a vida naquele momento de cansaço.
Porém fui retida na porta de saída pela Polícia Federal: um policial me fez uma série de perguntas, de onde eu vinha, o que fui fazer lá, e para onde eu ia agora. Respondi todas, numa boa. Ele me pediu documento e solicitou que eu aguardasse ao lado. Perguntei o que estava havendo, ele, relutante, disse que era uma operação da Polícia Federal. Perguntei se podia ir ao banheiro, ele e outro, ao que parece, subalterno, não permitiram. Tudo bem. E com aquela sensação desconfiada de racismo, imaginei mais ou menos: ‘de rotina’. Ok. Segura a onda.
O meu voo estava lotado. No entanto notei que em meio a muitas outras pessoas, somente eu havia ficado retida. Eles perguntavam qualquer coisa para as outras e as liberavam. Sou feminista militante com cara misturada de negra e índia, luto todos os dias e muito veementemente contra o racismo. Conheço essa chaga, essa desgraça humana, não só na minha vida, mas na de todas as pessoas iguais a mim, com quem convivo, ou não. Minha consciência negra, então não pôde se conter, e perguntei para um dos policiais (o subalterno, que estava mais próximo): por que somente eu estou retida? Ele disse que eu deveria perguntar ao outro, o que havia me abordado primeiro, que era o chefe da operação, ou sei lá que diabo de patente racista esse senhor representa.
O fato é que perguntei ao tal sujeito, por que só eu estava retida. Ele então me respondeu o seguinte: que eu tinha que estudar muito, fazer um concurso para polícia, pra eu saber porque estava retida! Eu fiquei em choque, e o que pude dizer pra ele, já bastante nervosa e irônica, foi o seguinte: é muita cidadania que eu mereço de sua parte! Ele fingiu que não ouviu. Mas ouviu, eu sei que ouviu porque eu disse exatamente para ele ouvir e olhando em sua cara. E sei que ele sabe o que eu estava dizendo.Fiquei aturdida, liguei pra uma companheira de trabalho e relatei o fato, falando em voz alta e emitindo meu ponto de vista, para que, de alguma forma, eles soubessem, que eu sabia exatamente o que se passava: entre todas as aquelas pessoas, ‘brancas, lindas e arrumadas’, eu era a única suspeita, com minhas roupas coloridas, meu cabelo preso num penacho indígena, minha pele preta e meu jeito, certamente de ‘pobre’, não dona de drogas, mas ‘avião’ ou ‘mula’! Porque eles sabem exatamente a quem de fato pertencem as drogas ilícitas. Fiquei ligando para algumas pessoas, enquanto o tal chefe, ou sei lá o que, racista da polícia me rodeava, falando ao telefone. Eu queria que eles soubessem que eu não estava com medo deles! Que eu sabia que o fundamento do procedimento deles é racista, racista, muito racista, racista até a última ponta! Aquelas pessoas não têm nada pessoal contra mim, na verdade é provável que eles nem me considerem pessoa, e aí é que está o ponto.
Depois de me ‘amornar’, eu pensava que seria liberada, mas não. Eles me levaram numa sala e fizeram a revista vexatória, aquela a qual as mulheres negras são subtidas nas unidades prisionais. Posso dizer que já passei por centenas de situações racistas manifestas, mas nunca havia experimentado tamanho constrangimento e humilhação! Tudo era quase inacreditável, não fosse eu quem sou, e eles que são, nos lugares que ocupamos! Gritei muito, dizendo todas as coisas que vinham na minha cabeça dominada pela indignação: instituição racista! Polícia racista! Por que não revistam brancos, arrumadinhos e ricos? Que eu sou militante de direitos humanos, que sei da realidade da população negra e indígena. Que eles não têm vergonha de serem racistas e tudo o mais…  na tensão do momento, nem me lembro quantas palavras e frases consegui elaborar! Imagino que toda raiva histórica, da escravização aos presídios, tomou conta de mim! Descontrolei. Não estava disposta a ser razoável, nem com todos os riscos que corria. Os policiais subalternos estavam entre constrangidos e robóticos! A policial que me fez a revista, em sua imensa branquitude, acho que nunca tinha visto uma preta com raiva. No fim da revista, perguntei entre ódio, ironia e voz alta, olhando bem para ela: cadê o flagrante?
Ela e nenhum deles não tinham sequer a decência de me olhar na cara!
Um quarto policial revistou, sem muita segurança, notei, minhas bolsas! Nesse ínterim eu disse pra ele, quase numa boa, que pessoas brancas também traficam e são donas das drogas. Ele, que é branco, disse que não era racismo, que eles revistavam até alemães e que ele mesmo tinha sangue negro. Inocente? Perverso? Ridículo? Ou simples mal informado? Não sei, mas disse que ele poderia até ter sangue negro, mas eu tinha a pele preta e sabia exatamente o que tudo isso significava.
Saí chorando e sofrendo muito, não só por mim, mas por todas as pessoas negras que diuturnamente são humilhadas e destratadas: pelas mulheres, pelos homens, adolescentes e crianças, que diferente de mim, sequer têm forças para gritar a violência praticada pela instituição policial, uma personificação do racismo brasileiro. Nessas horas de racismo manifesto, que é uma representação também da vida cotidiana e das estruturas de desigualdades e discriminações, é como se toda essa gente estivesse representada em cada um de nós que sofremos. Isso não é indiferente na composição de nosso ser e das nossas vontades profundas, e talvez nem precisem ser politizadas para dar o troco.


Leia a matéria completa em: Hoje fui violentada pela Polícia - Geledés http://www.geledes.org.br/hoje-fui-violentada-pela-policia/#ixzz3msNvY8dK 
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A cultura do ódio é fascista, ou seja, ela tem como principal fundamento o individualismo

Cultura do ódio, a violência nossa de cada dia


Roseli Henriques compartilhou a foto de Alceu Castilho.

Primeiro, os fatos.
Herinaldo Vinícius de Santana tinha 11 anos e R$ 0,60 no bolso. Corria por um beco no Complexo do Caju, no Rio, quando foi visto por um policial da Unidade Pacificadora. Herinaldo foi executado. Suas últimas palavras: "Quero minha mãe". Ele saíra para comprar uma bolinha de pingue-pongue. ‪#‎pingue‬
Segundo, as hipóteses.
‪#‎pongue‬ Se Herinaldo morasse no Leblon. Se sua mãe não fosse uma empregada doméstica. Se a cultura da pacificação não fosse movida a metralhadoras. Se Herinaldo tivesse um sobrenome pomposo. Se o principal jornal carioca não inventasse que havia um tiroteio. Se a preocupação em outra notícia, diante do protesto de moradores, não fosse o impacto no trânsito. Se Herinaldo fosse branco. Se algum leitor boçal não escrevesse contra as "crianças", entre aspas. Se outro leitor inclassificável não escrevesse que, na foto, ele fazia "pose de bandido". Se Herinaldo estudasse no Colégio Dom Pedro II. Se não estivéssemos tão embotados. Se gritássemos, se chorássemos. Se a vida de Herinaldo fosse vista como mais importante que a cotação do dólar. Se ele tivesse bem mais que 60 centavos no bolso. Se os governadores (esses chefes de polícia) fossem fiscalizados. Se os secretários de Segurança Pública fossem rigorosamente escrutinados. Se não suportássemos cada risinho e cada lugar-comum dessas autoridades. Se os sinos de nossa sociedade cínica dobrassem por Herinaldo. Se os sinos do nosso jornalismo não estivessem desafinados. Se o nome de Herinaldo se tornasse um símbolo. Se houvesse mais movimentos por crianças livres, periferias livres. Se a população das periferias recebesse a parte que lhe cabe da riqueza nacional. Se essa riqueza não fosse expropriada há 515 anos por um punhado de cínicos, por uns poucos matadores de excluídos. Se a mãe de Herinaldo pudesse estar por perto dele, se ela ainda o amparasse, se seu grito fosse ouvido. Se a nossa noção mesquinha de democracia (de democracia para poucos) não ajudasse policiais despreparados a apertar o gatilho. Se produzíssemos menos armas, mais bolinhas de pingue-pongue. Se não exportássemos armas. Se nos importássemos. Se esta foto se tornasse história, se esse sorriso nos inspirasse vergonha, se o sangue de Herinaldo nos ajudasse a arrebentar esse silêncio.

nriques compartilhou o vídeo de UOL Notícias.
1 h


206.799 visualizações


Manifestantes jogam pedras em PMs durante velório de criança morta em UPPhttp://bit.ly/1LRZCIx
Reportagem exibida pelo SBT Brasil

Categoria » Violência Racial e Policial
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Qual sentido em discutir e divulgar de modo sensacionalista um crime depois que ele já foi cometido? Por não ser detetive, nem médico legista, a melhor maneira para dissecar a violência é regredir nos milhares de “pequenos” crimes cometidos de maneira sutil, muito antes do gatilho ser disparado. Não há maior violência que a própria cultura da violência, mais nociva que a bomba atômica.
Por Toni C.*, do Vermelho
“A reconstituição do crime deve ser feita anos antes” (GOG).
Quando falamos em cultura de violência, para muitos a primeira coisa que venha à mente talvez seja logo o funk pankadão com sua batida seca e mensagem direta, com papo reto. Mas o funk não é violento quando comparado à realidade onde essa cultura sobrevive. O fluxo, o rap, o samba e a cultura que vem do morro não são nem devem ser associados com as causas da violência. A violência vem da cultura do ódio dos subterrâneos muito mais profundos na escala moral, o ódio tem berço reluzente. Submerge transvestido de piada bem humorada, de jornalismo implacável, arte elitizada, chargistas libertários, se apresenta sob o álibi de pregarem a liberdade de expressão, doa a quem doer.
Essa cultura que destila ódio não é arte, mas é cultura que se dissemina de maneira infecto contagiosa por todas as classes sociais, por todas as cores, sem distinção de gênero ou idade.
Antes de alguém questionar sobre a tão falada cordialidade do povo brasileiro, é preciso dizer que a cultura do ódio também não faz acepção de nacionalidade. Com música podemos fazer uma rápida incursão pela nossa história.
Brasil, “Terra cujo herói matou um milhão de índios” (Racionais MC’s).
Um dia desses fui convidado para participar de uma conferência de jovens em um município da grande São Paulo. Ao entrar na cidade as boas vindas são dadas por uma placa que estampa com orgulho: “Bem vindo a cidade de Santana de Parnaíba, o berço dos bandeirantes”. A náusea só me deixou após recitar os versos para o público que ia dos mais jovens ao prefeito da cidade:
“Bandeirantes, Anhanguera, Raposo, Castelo
São heróis ou algoz? Vai ver o que eles fizeram
Botar o nome desses cara nas estrada é cruel
É o mesmo que Rodovia Hitler em Israel” (Inquérito).
Nunca é demais lembrar, nossa nação foi “A última a abolir a escravidão” (Racionais MC’s).
E desde então vivemos em um estado de guerrilha permanente, passando pela Balaiada, Praieira, Revolta da Chibata, Lanceiros Negros, Sabinada, Revolta dos Malês (…). Ouça o álbum Manifesto Popular Brasileiro: “Aproveito para citar Manoel Calafate, Pacifico Licutan, isso sim que é banbanban e ainda tem o Belchior, diz que lutar é bem melhor” (Face Da Morte).
Estamos submetidos a uma velocidade de 25 cenas de violência por hora na televisão brasileira, somente em programas infantis, assim a baba eletrônica inicializa nossas crianças ao adorável mundo da violência.
“Também morre quem atira” (O Rappa).
Ao mesmo tempo em que desenhos animados ferem, o grupo musical CTS Kamika-Z teve seu material proibido de qualquer veiculação, por qualquer meio, inclusive internet, determinado pela Juíza Juliana Miranda Pagano da 3º Vara Criminal da Comarca de Uberaba em Minas Gerais. A notificação digna do período da inquisição foi encaminhada há um mês para o principal portal de rap do país pouco depois de um vídeo onde policiais forçam sob ameaça o integrante do grupo Ananias a fazer de forma contrariada, elogios à polícia, “Tenho a falar que a polícia de Minas age certo”, o interlocutor sem aparecer no vídeo constrange: “Cê acha que eu tenho medo de você? De um bosta igual você?”. Para não deixar dúvidas que o aperto é uma perseguição ao grupo por suas músicas o policial continua: “Ninguém aqui se esconde atrás da farda não, você que se esconde atrás dessa musiquinha lixo seu” (sic). A própria decisão judicial adianta não se tratar de censura prévia.
Para o advogado Marcos Verenhitach, “O MC é um poeta, que denuncia aquilo que ele entende estar errado.” Ele chama atenção para a seletividade do sistema penal em sua tese sobre a co-cupabilidade e lembra que o Eu lírico no rap é por vezes acusado e imputado como crime, como já aconteceu com o videoclipe do Facção Central, MV Bill ou em shows do rapper Dexter ou do grupo Racionais MC’s. “Outra obra literária escrita por um presidiário, cujo teor da história [semelhante ao gangstar rap ou ao funk proibidão] retrata o cotidiano numa prisão, é Memória da Casa dos Mortos, de Fiódor Dostoiévski”, acrescentaria à lista Vigiar e Punir, de Michel Foucault e o que dizer de Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos? Devemos também censurar e impedir a circulação destes clássicos da literatura mundial? Pois então que façamos o mesmo com os filmes, os desenhos e os jogos violentos. A discriminação, e a criminalização que atinge os mais pobres, não pouparia sua produção artística (para saber mais).
“Todo homem é culpado pelo bem que não fez” (Voltaire).
Nesta guerra do ódio, um dos refúgios favoritos onde os fascistas se escondem é a trincheira do humor. Uma camuflagem muito utilizada para disseminar racismo, machismo e xenofobia.
O suposto comediante Danilo Gentili foi processado por ter afirmado que o ex-presidente Lula forjou o atentado à bomba contra o seu próprio instituto. Gentili fez o óbvio, se refugiou com seu ódio em seu disfarce de “comediante” e alegou que tudo não passou de uma “piada”.
Qual relação tem esta frase: “Não estupro porque você não merece” comparada com esta: “Mulheres feias deveriam agradecer caso fossem estupradas, afinal os estupradores estavam lhes fazendo um favor, uma caridade”, tente adivinhar qual é a piada. A primeira foi o insulto proferido no Plenário da Câmara pelo deputado Jair Bolsonaro à deputada Maria do Rosário, a segunda foi publicada pelo “humorista” Rafinha Bastos, o mesmo que se referiu à gravidez de Wanessa Camargo desta maneira: “Eu comeria ela e o bebê” [sic]. Bolsonaro acaba de ser condenado e terá de indenizar a deputada por agressão verbal.
“Enquanto a Ku Klux Klan bate panela na Paulista” (Flávio Renegado).
O rapper Emicida se manifestou em relação a personagem Adelaide do programa Zorra Total, uma mulher negra, pobre, desdentada, que anda pelos vagões de um trêm pedindo qualquer “50 centarru” sem abrir mão de seu tablet e jogando pragas aos que não colaboram com o bordão: “Só quero que Deus ilumina cada canto dos seus caminhos”. O programa foi descontinuado no início do ano. “Estamos em um momento delicadíssimo na história do Brasil. Discute-se sobre o racismo na obra de Monteiro Lobato, cria-se um plano de prevenção a violência contra a juventude negra, porém um ataque contra a etnia que mais trabalhou por este país passa despercebido desta forma, como uma piada, o mesmo tipo de piada que foi hospedeira durante todos estes séculos da doença que é o racismo (e só o dono da dor sabe o quanto dói)” refletiu em nota o rapper.
“Meu cabelo duro é assim, cabelo duro de pichaim” (Chiclete com Banana).
O programa da TV Globo saiu do ar, mas veja se esse “humor” estilo Zorra Total não se materializa na vida real, mesmo no ambiente universitário, em que estudantes brancos, ou que pensam ser, pintam o rosto com tinta preta para trotes como o da Federal de Minas Gerais em que uma jovem foi fotografada acorrentada e com um papelão escrito: “Caloura Chica da Silva”. Ou no caso onde quatro garotas pintaram o rosto com tinta preta e divulgaram a foto nas redes sociais com o título, “BlackFace”, e as hastag #negritude, #pestenegra, nos comentários o deboche continua: “inclusão social ahahaha” (sic). Ao rebater a critica de uma outra estudante exigindo respeito mais ironia e insultos “Querida, sei porque ficou tão ofendida e brava comigo, você é gorda e namora um negro, sendo assim deveria mesmo se sentir ofendida, compreendo” (sic). As estudantes são do curso, pasmem, de Medicina na Uniara, isso mesmo: me-di-ci-na(!).
Com estes exemplos de intolerância vindas da academia, é mais fácil entender a comitiva que médicos cubanos tiveram ao chegarem ao Brasil, ou a complascência na exposição pública de um garoto negro, sem roupas, violentado, amarrado a um poste. Para a apresentadora do telejornal, “um marginalzinho” que lançou uma campanha aos que se apiedaram: “Faça um favor ao Brasil, adote um bandido”. Resta ao deputado federal Marcos Feliciano demonstrar todo seu entendimento em diferenciar o negro e o homossexual: “Negro é negro e não pode mudar, diferente dos homossexuais”, o parlamentar evangélico decreta: “Aids é um câncer gay”.
“Eh! Meu amigo Charlie Brown” (Benito di Paula).
Tinha que ser o Charlie, para demonstrar que o insulto e intolerância é uma cultura disseminada por todo o mundo, o caso do jornal Judaico-francês é emblemático ao afrontar mulçumanos com charges do profeta Maomé, segundo o Islã é uma grande ofensa tentar retratar Maomé em ilustrações, na publicação o jornal estampa em sua capa o profeta despido e de quatro o que resultou no trágico atentado com 12 mortos. Agora o mesmo jornal volta a ser repugnante com a charge do menino sírio encontrado morto afogado na praia, “Tão perto da meta”, diz a legenda, o menino símbolo da resistência dos refugiados teria fracassado na tentativa de alcançar à Europa por ser mulçumano. Um fracassado.
Entenderam a piada? Pois não há graça alguma, apenas ódio e xenofobia.
“Corta pra mim” (Marcelo Rezende).
No telejornalismo tragédias, mortes e violência são temas banalizados, servidos para serem digeridos na hora do café da manhã, do almoço e do jantar, sem antiácido. A espetacularização da morte e da violência vem com cobertura de opiniões como se âncoras fossem juízes e suas condenações sumárias são transmitidas em sonoros bordões que ocupam a consciência popular: “Tudo anormal”, “Me dá imagens”, “Aqui tem café no bule”, “Corta pra mim”, “Isto é uma vergonha”.
Se a maioria da população concorda com o tratamento punitivo diferenciado para uma parcela da população, mais pobre, mais negra, mais excluída e menos alfabetizada, o que nos impediriam de ter opiniões contraria a redução da idade penal?
No futebol as bárbaras brigas entre torcidas rivais, por vezes resultam em mortes. Não é por acaso que a façanha de atingir pela TV mais de 1 bilhão de casas em mais de 150 países é alcançado pelo esportes que mais cresce no mundo todo, o MMA. Diferente do boxe, do Karatê ou de esportes coletivos, essa modalidade de luta traduz mais fielmente o espírito de nosso tempo. Afinal estamos falando do combate sem regras, do show de violência e agressão física chamado “vale-tudo”.
“Joga pedra na Geni” (Chico Buarque).
No vale-tudo da vida real é permitido linchar uma mulher de 33 anos desfigurando seu rosto, arrastando-a pela rua, e provocando traumatismo craniano que a levaram a óbito por boatos espalhado nas redes sociais de que se tratava de uma sequestradora.
O Brasil figura na vergonhosa lista dos países que mais lincham no mundo, são quatro tentativas de linchamento diárias. O que dá combustível para uma senhora levar uma placa em uma manifestação em que lamenta: “Porque não mataram todos em 64?”, ou o advogado ex-candidato a deputado pelo PSDB que ameaçou, “Arrancar sua cabeça e fazer um memorial”, e ainda um Senador do mesmo partido dizer preferir, “Ver a Dilma sangrar” até o final.
A violência é uma maneira tão única para definir nosso cotidiano que obras de ficção cinematográficas como Tropa de Elite e séries de TV como Narcos se tornaram obrigatórias para entendermos nosso tempo. A ponto da critica poder questionar o que seria da carreira do consagrado cineasta José Padilha, sem a violência eminente? Ou o que há em comum entre o Capitão Nascimento e Pablo Escobar além do ator Wagner Moura, que interpreta a ambos? Talvez seja a prova que a violência surge igualmente do mocinho e do bandido.
“A lei de Gerson é nosso evangelho” (Gabriel O Pensador).
A cultura do ódio é fascista, ou seja, ela tem como principal fundamento o individualismo extremo que prega ordem de tradição, mas contraditoriamente se opõe as instituições estabelecidas porque as consideram permissivas com desordeiros, drogados, criminosos, políticos corruptos.
Como você definiria uma pessoa do povo que segue opiniões feitas de lugares comuns que aparecem aos seus olhos como profundamente morais e ordeiras, justamente aquelas que indivíduos da elite fascista pregam? A definição clássica para esta prática política é lúmpen nas periferias este sujeito é chamado de Zé Povinho.
Muito antes do gatilho ser disparado, do soco ser desferido, do crime ser executado, há uma oficina que cria, incentiva, valoriza e banaliza a violência, acredite a letalidade começa pelo cérebro.
Por tudo isso a mãe de todas as batalhas é a batalha das ideias.
E nessa luta, sou apenas um franco atirador.
Plow!
* Autor dos livros: Sabotage – Um Bom Lugar, e do romance “O Hip-Hop Está Morto”, membro da direção da Nação Hip-Hop Brasil, diretor de cultura da ORPAS e diretor do coletivo LiteraRUA, também é integrante do Portal Vermelho.
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