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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, agosto 09, 2010

Seu reino por 1 copo de água











De Alexandre o Grande a Obama


Das “armas de destruição em massa” do Iraque ao “projeto atômico do Iran”


Quando o criminoso de guerra George W.Bush invadiu o Afeganistão e posteriormente voltou seus olhos genocidas contra o Iraque escrevi que ele estava querendo imitar Alexandre o Grande, mas que tal seria impossível pois Alexandre tivera como preceptor o filósofo Aristóteles, enquanto o preceptor de Bush era Johnny Walker.
Não deu outra.
Alexandre, por exemplo, assim que conquistou a Pérsia tratou os vencidos com tolerância casando-se, inclusive, com Státeira, filha do imperador Dario III.
O mesmo aconteceu quando ele conquistou o Afeganistão, casando-se com Roxane.
Foi a partir da miscigenação com os conquistados que surgiu a cultura helênica.
A Pérsia de Dario é o atual Iran de Ahmadinejad, que se prepara para ser invadido a qualquer momento.
Como sucedeu com o Iraque quando os Estados Unidos, com a cumplicidade da mídia, divulgaram a informação de que o pais possuía armas de destruição de massa.
Invadiram o pais, destruíram milhares de sítios arqueológicos, assassinaram mais de um milhão de seres humanos, introduziram novos tipos de tortura, estupros, inclusive de crianças, além de saques, roubos e muitos etc.
E o que os Estados Unidos ofereceram em troca?
A tal democracia.
A democracia do prendo e arrebento.
A democracia do atiro e depois pergunto.
A democracia onde todos são culpados até que provem o contrário.
Sempre com a cumplicidade da mídia .
Pois bem, agora quem está no governo é Obama.
Esperança que desvanece aos poucos.
A exemplo de seu antecessor, Obama continua ocupando o Iraque e o Afeganistão.
A exemplo de seu antecessor, Obama mantém os centros de tortura em Abu-Ghraib , Baghram e Guantánamo.
E a exemplo de seu antecessor, Obama não consegue dizer não ao genocida jr. o Estado de Israel.
E agora, se prepara para invadir o Iran(leiam no post abaixo a carta que lhe enviaram membros do serviço secreto dos EUA alertando-o sobre o perigo chamado Israel) utilizando as mesmas mentiras de seu antecessor.
Sempre com a cumplicidade da mídia.
Ontem, eram as “armas de destruição em massa” no Iraque.
Hoje, “o projeto atômico” do Iran.
Pobre humanidade.

Hiroshima e Nagazaki : "...os japoneses estavam prontos para render-se e não era necessário atingi-los com essa coisa horrível."

Nagasaki



65 anos de Hiroshima

Hiroshima e Nagazaki: razões para experimentar a nova arma


Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

Doutor pela Universidade de Paris (Sorbonne); Membro titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Filosofia e do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro. E-mail: mourão@ronaldomourão.com

"...os japoneses estavam prontos para render-se e não era necessário atingi-los com essa coisa horrível."


General Dwight Eisenhower, 1963a


No momento em que a humanidade comemora, com tristeza, os 65 anos (período atualizado pelo editor-geral do Terra Brasilis) dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki, é conveniente recordar as circunstâncias que precederam esses ataques e culminaram nos dois trágicos eventos.

O emprego das armas nucleares tornou-se necessário – segundo as fontes oficiais norte-americanas – pois visava interromper a guerra e salvar a vida de centenas de milhares de soldados. Estudos recentes desmentem essa tese e revelam que a destruição tinha por objetivo impressionar os soviéticos, impedindo o avanço de suas tropas e marcando, na realidade, o início da guerra fria.

A FUGA DA ALEMANHA

Numa tarde de 10 de maio de 1933, milhares de jovens assistiram à queima de uma montanha de livros dentro da Universidade de Berlim. Essa queima marcou o início de uma nova era. Várias personalidades científicas de origem judaica, tais como Albert Einstein (1879-1954) e Max Born (1882-1970), foram obrigados a deixar a Alemanha. Alguns cientistas, como Jacob Franck (1882-1964) em Gottingen, demitiram-se em sinal de solidariedade. Outros, como Eugene Wigner (1902-1995), Leo Szilard (1898-1964) e Edward Teller (1908-2003), deixaram a Alemanha, pois o regime nazista estava em contradição com suas convicções. Um grupo menos numeroso permaneceu na Alemanha como, por exemplo, Otto Hahn (1879-1968) e Fritz Strassman (1902-1980). A maior parte exilou-se na Inglaterra, na França e, principalmente, nos Estados Unidos. Outros optaram pela União Soviética, apesar das afinidades do governo desse país com alguns dogmas de A. Hitler (1889-1945). Todavia, Stálin, mais lúcido que Hitler naquele momento, sabia que não poderia passar sem os cientistas. Impedia os cientistas soviéticos de deixarem o país e recebia os cientistas estrangeiros.

O resultado da fuga da Alemanha foi a constituição, nos Estados Unidos, da maior comunidade de sábios que jamais havia existido, o que será fundamental para que a bomba atômica norte-americana torne-se mais tarde uma realidade.

A DESCOBERTA ALEMÃ

A descoberta da fissão nuclear,1 em 1938, pelos físicos alemães Hahn e Strassman, ocorreu em solo alemão. A descoberta, que não é revelada por nenhuma publicação, nem mesmo na Alemanha, e que Hitler considerava um segredo, é transmitida para o Ocidente pelo dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962). Nos Estados Unidos, os cientistas vindos da Alemanha estavam convencidos de que o Terceiro Reich iria tornar-se uma potência nuclear e certos de que convinha intensificar as pesquisas nucleares a fim de ultrapassá-lo. Com efeito, os receios se confirmaram quando o governo alemão subitamente proibiu a exportação de urânio das minas da Tchecoslováquia. Era necessário fazer algo, advertindo o governo norte-americano; com esse objetivo, Enrico Fermi (1901-1954), prêmio Nobel de física de 1938, e, em seguida, Leo Szilard tentaram sensibilizar Edwin Hooper, almirante da Marinha – na época, o único setor militar que dispunha de recursos para a pesquisa. As tentativas não obtiveram êxito. Entrementes, Alexander Sachs, conselheiro particular de Roosevelt, sugere a Szilard que prepare um dossiê sobre as pesquisas atômicas, a ser submetido ao presidente, assinalando que seria conveniente que fosse acompanhado de uma carta assinada por um cientista de grande renome. Ora, o nome para um tal empreendimento só poderia ser o de Albert Einstein.

COMO TUDO COMEÇOU

Seis meses depois da fissão do urânio ter sido anunciada, os jornais e revistas norteamericanos discutiam o uso da energia nuclear, impropriamente chamada na época de energia atômica. Lamentavelmente, a maioria dos físicos norte-americanos duvidava da possibilidade de extrair energia nuclear, seja para fins pacíficos ou para construir bombas atômicas. O primeiro cientista a pensar seriamente no desenvolvimento de uma bomba atômica norte-americana – e, mais tarde, combater seu uso – foi o húngaro Leo Szilard. O fato de não haver nenhum projeto oficial de pesquisa de energia nuclear nos Estados Unidos provocava-lhe profunda inquietação. Se as bombas nucleares eram possíveis, como ele acreditava, a Alemanha nazista poderia desenvolvê-las antes dos aliados (norte-americanos). O que mais o preocupava é que a Alemanha havia interrompido a venda de urânio das minas da Tchecoslováquia.

Em janeiro de 1939, Szilard soube através de seu colega, o físico Isidore Isaac Rabi (1898-1988), que o italiano Enrico Fermi tinha discutido a possibilidade de uma reação em cadeia em uma apresentação pública, durante uma conferência de física teórica. Ao ser questionado, Fermi sugeriu que havia somente cerca de 10% de probabilidade de que uma reação em cadeia de urânio tivesse sucesso. Para complicar a situação, Fermi expôs que a reação em cadeia era impossível com urânio natural (U238), sendo preciso enriquecê-lo. Se o urânio enriquecido (U235) fosse necessário, existia uma quantidade enorme de outros problemas e incertezas em relação aos métodos de separação. Também havia outras controvérsias; além dos problemas concernentes aos nêutrons rápidos e lentos, questionou-se a liberdade de transmissão das informações dos avanços em física teórica e experimental, pois ela poderia favorecer os nazistas. Szilard propôs que as pesquisas sobre fissão fossem mantidas em segredo; sugeriu a Fermi que pedisse à Physical Review para postergar a publicação de um artigo que físicos da Universidade de Columbia tinham escrito sobre o número de nêutrons secundários emitidos por fissão. Niels Bohr, que estava presente, defendeu, com coerência, que o sigilo nunca deveria ser introduzido na física (cf. Szilard, 1978, p. 54).

LEO SZILARD, O PAI DA BOMBA ATÔMICA

Durante muito tempo, o judeu húngaro Leo Szilard, o verdadeiro pai da bomba atômica, teve a sua imagem eclipsada pela luz ofuscante de luminares como Albert Einstein, Robert Oppenheimer e Enrico Fermi, com quem construiu o primeiro reator nuclear em 1942.

Como relatou posteriormente, Szilard vislumbrou a possibilidade de uma reação nuclear em cadeia, em 1932, quando leu a profecia de uma bomba atômica de grande poder de destruição, imaginada pelo escritor inglês H. G. Wells, em seu conto de ficção-científica, The world set free, de 1914. A estória contém a mais importante profecia de Wells: na época, os cientistas haviam descoberto o decaimento radioativo que levava, em alguns elementos, algumas dezenas de milhares de anos. A taxa de liberação de energia era tão lenta que se tornava praticamente inútil, mas a quantidade total era enorme. Em sua novela, Wells imagina uma invenção para acelerar o decaimento radioativo, que conduz à produção de bombas capazes de explosões superiores a todos os armamentos até então conhecidos.

Szilard concebeu a idéia de uma reação em cadeia em 1933, recém-chegado em Londres, tendo registrado essa descoberta sob a patente U.K. 63.726 em 28 de junho de 1934, no British Admiralty. Logo em seguida, tentou criar uma reação em cadeia usando os elementos berílio e índio, sem sucesso. Em 1936 patenteou outra reação nuclear em cadeia para o almirantado britânico.

Em 1938, Szilard foi convidado para ser professor na Universidade de Columbia, em Manhattan, quando passou a residir em Nova York. Mais tarde, junto com Fermi, estudou a fissão nuclear. Em 1939, concluem que o urânio seria o elemento capaz de manter uma reação em cadeia. A patente desse reator nuclear será registrada sob o número United States Patent 2708656, em 19 de maio de 1955, treze anos depois da construção do primeiro reator (cf. James, 1986).

CONVENCER UM PACIFISTA

Entrei para a história como motorista de Szilard
Edward Teller

Como as coisas caminhavam, estava mais do que claro que pouco ou nada poderia ser feito sem um apoio governamental para enfrentar a ameaça de que a Alemanha desenvolvesse armas nucleares antes dos Aliados. Os físicos a par da situação precisavam de um apoio que permitisse que a comunidade científica fosse ouvida e financiada.

A "conspiração húngara" decidiu entrar em ação. Leo Szilard e seus conterrâneos Edward Teller e Eugene Wigner, talvez mais do que ninguém, consideravam a enorme ameaça que representaria a Alemanha nazista para o mundo, se fosse a primeira a desenvolver uma arma nuclear. Estavam preocupados em manter a possibilidade dos Estados Unidos terem acesso ao suplemento de urânio. A primeira idéia aventada foi contatar o governo belga com relação aos recursos em urânio existentes no Congo Belga, pois receavam que essa fonte de minério pudesse cair em mãos dos alemães. Szilard lembrou que Einstein tinha relações pessoais de amizade com a rainha da Bélgica e que poderia interceder a favor deles. Decidiram, então, procurar o seu mestre.

No verão, Einstein passava as férias velejando em Peconic, ao norte de Long Island, Nova York. Em 12 de julho de 1939, Szilard e seu amigo Wigner dirigiram-se a sua casa. Einstein, sempre muito sincero e autêntico nas suas conversas, recebeu os visitantes, em seu grande gabinete, sem protocolo algum, usando uma camiseta e calças jeans. Ele aceitou a proposta de mediação, mas optou por uma aproximação indireta, através de uma carta ao embaixador da Bélgica. Uma vez decidido, preparou-se um rascunho da carta. Ao mesmo tempo, Wigner convenceu os outros de que uma aproximação direta com o governo dos Estados Unidos era necessária.

Em julho de 1939, o político e economista austríaco Gustav Stolper (1888-1947) entrou em contato com Szilard para informá-lo que tinha conversado sobre o assunto com Alexander Frederic Sachs (1889-1970), notável economista e amigo pessoal de F. D. Roosevelt (1882-1945). Mais tarde, Szilard confirmou: "Sachs decidiu apoiarnos e convenceu-me completamente de que essas matérias estavam relacionadas à Casa Branca e que a melhor coisa a fazer, do ponto de vista prático, era informar Roosevelt. Ele disse-me que se elaborássemos um dossiê ele iria pessoalmente entregá-lo a Roosevelt" (James, 1986, p. 305).
Com base na primeira discussão com Einstein, Szilard preparou o esboço da carta para Roosevelt. No domingo de 31 de julho de 1939, Edward Teller conduziu Szilard até Long Island, para um novo encontro com Einstein. Após conversarem, concluíram que Sachs seria o melhor intermediário para chegar a Roosevelt e discutiram a carta. Einstein optou por uma versão mais curta que incorporava parágrafos adicionais sugeridos por Szilard a partir das suas conversas com Sachs (cf. Szilard, 1978, p. 119).

Szilard transmitiu a carta em sua forma final a Sachs em 15 de agosto, anexando um memorando de sua própria autoria, elaborado com base nas discussões sobre a possibilidade da fissão, assim como seus riscos e ameaças. Na maior parte de setembro, Szilard não obteve resposta. Finalmente, na última semana desse mês, Szilard e Wigner ficaram sabendo, pelo economista, que ele ainda estava com a carta de Einstein. Em 2 de outubro, Szilard informou a Einstein que a carta não tinha sido encaminhada a Roosevelt. Mas, em 11 de outubro de 1939, Sachs solicitou uma audiência com Roosevelt e encontrou-se com o presidente (cf. James, 1986, p. 314).2

Assim como freqüentemente acontece com os melhores planos, Sachs acrescentou uma carta pessoal, encaminhando aquela de Einstein. Nela, sugere, em primeiro lugar, "a criação de uma nova fonte de energia que poderia ser utilizada com o propósito de produzir força"; em segundo lugar, "a liberação de tal reação em cadeia de um novo elemento ativo assim como algumas gramas de rádio poderiam ser usadas no campo médico" e, finalmente, em terceiro lugar, a "construção, como uma eventual probabilidade, de uma bomba de potência inimaginável até hoje, como observa o Dr. Einstein em sua carta, 'uma simples bomba desse tipo, levada num navio, explodindo em um porto, pode muito bem destruir todo o porto assim como o território vizinho'". Recomenda ainda um contato com as fontes de urânio belga. Finalmente, propõe designar um comitê para servir de ligação entre a comunidade científica e a administração. Em seu encontro com o presidente, Alexander Sachs comparou a situação à de Napoleão quando recusou a construção de navios a vapor graças aos quais poderia ter desembarcado na Inglaterra mesmo com ventos contrários. Em conseqüência, Roosevelt respondeu simplesmente: "é necessário agir" (cf. James, 1986, p. 314).

Em 2 de agosto de 1939, ou seja, seis anos antes de Hiroshima e Nagasaki, Albert Einstein assinou o primeiro documento alertando o governo norte-americano sobre o desenvolvimento de armas nucleares. Nele, solicitava que procurasse, com o apoio dos físicos, desenvolver um projeto destinado à construção de bombas atômicas já que havia sido interrompida a venda de urânio na Tchecoslováquia. Embora Einstein tivesse assinado a carta, esta não correspondia inteiramente a suas convicções. Mais tarde, o pai da relatividade, um pacifista desde a juventude, explicaria a sua atitude em virtude do medo de uma tal arma nas mãos do governo nazista alemão. Einstein não contribuiu pessoalmente para o projeto atômico.

O PROJETO MANHATTAN

Roosevelt respondeu a Einstein em 19 de outubro, oito dias depois de receber sua carta, e logo a seguir criou o Comitê consultivo do urânio. Os primeiros recursos, cerca de 6 mil dólares, só foram liberados em 20 de fevereiro de 1940. Preocupados, Szilard e Sachs fizeram um novo apelo a Einstein, com o objetivo de pressionar o presidente. Então, uma segunda carta foi escrita, em abril de 1940, informando que os alemães continuavam com as suas pesquisas secretas (cf. Szilard, 1978, p. 125).

Ao contrário do que se acredita, não foi a Alemanha que fez com que os norteamericanos acelerassem a fabricação da bomba, mas os japoneses, quando em 7 de dezembro de 1941, sem declaração de guerra, atacaram e destruíram a frota norte-americana no Pacífico estacionada em Pearl Harbour. Dois dias depois, em 9 de dezembro, os Estados Unidos entraram na guerra. A partir de então, um volume enorme de recursos foi injetado no projeto de construção de armas nucleares. Até o fim da guerra, foram gastos 2 bilhões de dólares.

O projeto Manhattan Engineering District foi um dos maiores empreendimentos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, destinado a desenvolver armas nucleares para os EUA, com a assistência do Canadá e da Inglaterra. Coordenava as pesquisas realizadas em 4 centros universitários: Columbia, Princeton, Chicago e Berkeley. O organograma do projeto era muito nítido: em julho de 1942, estavam certos da possibilidade das reações em cadeia; em janeiro de 1943, a realização da primeira reação em cadeia e em janeiro de 1945 a conclusão da bomba atômica. Esse programa foi obedecido com uma variação de 6 meses para cada etapa. Em meados de setembro de 1942, o general Leslie Groves (1896-1970) foi nomeado pelo Secretário de guerra para coordenar e chefiar a parte militar, tendo J. Robert Oppenheimer (1904-1967) como diretor científico daquele que ficou conhecido como projeto Manhattan.

Primeira etapa: urânio e plutônio

Na primeira etapa, a preocupação era procurar um elemento químico que fosse capaz de servir para a criação de uma arma que utilizasse a gigantesca energia liberada pela fissão. Ora, essa exigência deveria responder a dois critérios: a facilidade e a qualidade de produção desse elemento. Dois caminhos se apresentavam de início para a obtenção desse elemento, o urânio e o plutônio (elemento recentemente descoberto que não existia na natureza, mas que podia ser obtido pelo bombardeamento do urânio natural). Niels Bohr havia calculado que uma única variedade (isótopo) de urânio poderia ser fissionada: o U235. Mas, por ser muito raro, era necessário separá-lo do resto do urânio; obstáculo que parecia intransponível. No entanto, o plutônio, também raro, teria também que ser produzido em quantidade suficiente. Depois de vários estudos sobre a reação em cadeia, concluiu-se, em março de 1941, que as primeiras experiências davam uma resposta positiva ao projeto, que se mostrava factível com a condição de que os problemas técnicos relativos às separações isotrópicas fossem resolvidos de maneira satisfatória. Uma vez ultrapassados esses problemas técnicos de separação, o último obstáculo era a produção de uma quantidade suficiente de material fissível ou físsil.

Segunda etapa: a primeira reação em cadeia

Após o estabelecimento da possibilidade de uma tal reação, era necessário produzi-la. Em 2 de dezembro de 1942, em Chicago, Fermi construiu o primeiro reator capaz de manter uma reação nuclear sob controle, produzindo a primeira reação nuclear de fissão controlada, usando como combustível o urânio e barras de grafite como moderador. A primeira pilha atômica do mundo, na primeira reação em cadeia produzida pela ciência, liberou meio watt de energia. Era muito pouco, mas estava experimentalmente comprovado que era possível construir uma bomba atômica. Já não se tratava mais de uma ficção.3 O principal problema tornava-se a produção do material físsil. Com efeito, era necessário construir usinas que permitissem, por um lado, separar o U235 do urânio natural e, por outro lado, "a criação" do plutônio, principalmente a partir do U238. Para obter uma quantidade suficiente de urânio ou plutônio, foi necessário construir dois complexos industriais. Um em Oak Ridge, no Tennessee, para a produção do U235. Para essa finalidade, foram construídos enormes filtros através dos quais só o U235 podia passar por difusão gasosa. O segundo complexo industrial foi instalado em Hanford, próximo de uma pequena cidade às margens do rio Columbia no estado de Washington. Totalmente isolado do exterior, o conjunto se apresentava como um bloco de cimento armado de 250 metros de comprimento e 30 metros de altura, onde se separava o plutônio do urânio. Esses dois conjuntos de extração funcionaram durante todo o projeto Manhattan com o objetivo de recolher uma quantidade suficiente de material. Desde março de 1943, a equipe de cientistas sob a direção de Oppenheimer, instalada em Los Alamos, no deserto do Novo México, próximo da cidade de Santa Fé, ocupava-se do estudo da estrutura da bomba propriamente dita.

Para satisfazer as necessidades de projetos e designer da bomba, uma imensa cidade-laboratório foi instalada no meio do deserto onde deveriam ser projetadas e construídas todas as peças necessárias ao projeto. Em Los Alamos, trabalhavam centenas de físicos, dos quais 20 prêmios Nobel e alguns futuros, assim como cerca de 2.000 técnicos e pesquisadores, sendo 600 deles militares. Todos trabalhavam no mais completo sigilo (as crianças nascidas na cidade não podiam ter referido em seus documentos o local de nascimento), obedecendo um organograma que exigia uma dedicação exclusiva e permanente para satisfazer as diferentes etapas. As relações entre os próprios militares não foram muito amistosas, em virtude do stress provocado pela urgência do projeto. Convém assinalar que o general Groves comandava o projeto a partir dos seus escritórios em Nova York enquanto os pilotos encarregados do lançamento das bombas atômicas eram treinados na base de Wendover, Utah.

Terceira etapa: a conclusão da bomba

Apesar da Alemanha ter assinado a sua rendição em 7 de maio de 1945, o projeto não sofreu nenhuma desaceleração, ao contrário, os cientistas estimulados pelo Exército continuaram com suas pesquisas. Outros, porém, passaram a discordar. No início de julho, Szilard encaminhou ao novo presidente, Harry Truman (1884-1972), um pedido no qual tentava convencê-lo do perigo do uso de armas nucleares. Sem sucesso, redigiu uma petição dirigida ao presidente contra o uso de armas nucleares dado o seu poder destruidor. A petição foi assinada por 69 cientistas e entregue ao presidente em 17 de julho de 1945. Em um dos parágrafos, Szilard prevê a corrida às armas atômicas que deu origem aos arsenais nucleares:
O desenvolvimento do poder nuclear fornecera aos países novos meios de destruição. As bombas atômicas a nossa disposição representam apenas o primeiro passo nessa direção e quase não existirá limite para o poder destrutivo que se tornará disponível no curso de seu desenvolvimento futuro. Assim, uma nação que assume o precedente de usar essas forças da natureza recém-liberadas para fins de destruição pode ter de assumir a responsabilidade de abrir a porta para uma era de devastação em escala inimaginável (Szilard, 1978, p. 211).
Nesse mesmo mês, o projeto Manhattan chegava a sua conclusão. Ao contrário da idéia inicial, efetivamente, não se tinha uma única bomba, mas duas. Os Estados Unidos se encontravam, portanto, de posse de dois tipos de bomba, uma usando o U235, que seria lançada sobre Hiroshima, e uma outra de plutônio, que seria lançada em Nagasaki. Como a quantidade de plutônio era superior à de urânio, foi possível construir duas bombas de plutônio, sendo uma delas usada para um teste. A bomba que usava U235, chamada Little boy (Garoto), pesava 4 toneladas e explodia pela colisão de duas cargas de urânio; a que usava plutônio, denominada Fat man (Homem gordo ou Gordo), explodia pela compressão do plutônio colocado no seu centro.

A OPERAÇÃO TRINITY: O PRIMEIRO TESTE DE UMA BOMBA NUCLEAR

A idéia de uma explosão experimental não era novidade. Em 1940, os cientistas franceses haviam sugerido um ensaio no Saara e os ingleses numa zona deserta da Austrália. Em 1944, o general Groves escolheu Alamogordo no deserto do Novo México a cerca de 350 km de Los Alamos e a 35 km da aglomeração humana mais próxima. Em um ano, o sítio se transformou num complexo de estradas ligando os centros de observação situados em abrigos de cimento armado, construídos ao redor do ponto zero. Ali foi edificada uma torre de aço, onde foi colocado o artefato que produziria a primeira explosão experimental de uma bomba atômica. Essa operação foi denominada Trinity, nome atribuído por Oppenheimer a essa bomba de plutônio.

Em 15 de julho de 1945, 150 cientistas reunidos em Alamogordo apressavam-se para assistir ao ensaio da bomba de plutônio Trinity, que ocorreu em grande segredo no dia seguinte. À noite, os cientistas atômicos reuniram-se no abrigo de cimento armado situado a 8 km do ponto zero: Oppenheimer, James Chadwick (1891-1974), Otto R. Frisch (1904-1979), Ernest O. Lawrence (1901-1958) etc. No fim da noite, como as condições meteorológicas se mostrassem satisfatórias, foi decidido que o teste tivesse início. Assim, logo depois das 5 horas da manhã, ocorreu a primeira explosão nuclear da história.

Um relâmpago capaz de cegar, visível a uma distância superior a 35 km, foi seguido de uma enorme detonação. O efeito pode muito bem ser considerado como sem precedente, magnificente, belo, estupendo e terrificante. Nenhum fenômeno de poder tão monstruoso havia sido realizado antes pela mão humana. Os efeitos luminosos indescritíveis iluminaram toda a região com uma luz muitas vezes superior à do Sol em pleno meio-dia. Era uma luz dourada-vermelha-violeta-cinza e azul, que iluminou cada um dos cumes das montanhas vizinhas. Trinta segundos mais tarde, escutou-se a explosão. O deslocamento de ar chocou-se violentamente contra as pessoas e quase subitamente uma trovoada ensurdecedora e terrificantemente interminável se seguiu, mostrando que éramos pequenos seres blasfemadores que haviam ousado tocar nas forças até então reservadas ao Todo Poderoso, comentou o general Thomas F. Farrel. Participando do mesmo sentimento, Oppenheimer lembrou-se de uma citação do texto em sânscrito Bhagavad Gita: sou Shiva, o destruidor de mundos: "[...] 'agora, me transformei num companheiro da morte, um destruidor de mundos. Estas palavras me vieram à memória instintivamente e fui dominado por sentimentos de uma profunda piedade" (cf. Kunetka, 1978, p. 170).

Em seu relato, o general Groves descreve:
uma nuvem compacta, maciça, se forma, em seguida, sobe em flutuações para o alto com uma potência inimaginável. À primeira explosão sucederam-se duas outras de menor luminosidade. A nuvem subiu a uma grande altura, tomando a forma de um globo e depois de um cogumelo, a se alongar na forma de uma chaminé para então se espalhar em várias direções sob a ação dos ventos que sopravam em diversas altitudes (Groves, 1963, p. 275).
O chefe dos testes, Kenneth T. Bainbridge (1904-1996), murmurou espirituosamente na orelha de Oppenheimer: "Oppie, agora somos todos bastardos" (cf. Lamont, 1965, p. 123-4). A potência da explosão foi avaliada em aproximadamente 20 mil toneladas de TNT. A operação Trinity coroou o esforço científico e industrial que havia absorvido dois bilhões de dólares, em cerca de cinco anos.

A BOMBA ALEMÃ

A bomba tornou-se imediatamente uma arma diplomática, pois o presidente Harry Truman, que se encontrava na Conferência de Potsdam,4 foi imediatamente informado do sucesso da explosão experimental.

Os sábios americanos estavam contentes por terem vencido os seus colegas alemães. Assim pelo menos pensavam eles. Algumas semanas mais tarde, foram informados de que a bomba alemã, que tanto temiam e que os havia conduzido a uma corrida científica durante quase cinco anos, na realidade jamais existira, sequer como projeto. Mas, por que razão? A razão era simples, Hitler e Hermann Wilhelm Goering (1893-1946), fundador da Gestapo, não tinham nenhuma confiança nos físicos alemães que acreditavam, a despeito da guerra, que a fabricação de uma tal bomba era factível. Na verdade, um projeto atômico alemão havia existido sob a chefia do físico Werner K. Heisenberg (1901-1976), no Instituto de Física Kaiser Wilhelm de Berlim. Apesar da natureza do seu trabalho nessa função, sua colaboração é, até hoje, motivo de controvérsia. Aliás, foi ele quem revelou a existência do programa nuclear a Niels Bohr, durante uma conferência, em Copenhague, em setembro de 1941. A partir dessa reunião, a longa amizade entre os dois terminou, tendo Bohr partido para colaborar com o projeto Manhattan. Existe uma grande polêmica; alguns historiadores sugerem que Heisenberg teria tentado atrasar o projeto nuclear nazista, no que parece ter tido sucesso, como afirmou depois da guerra (cf. Cornwell, 2003).

Mas, devido à rivalidade que existia entre os pesquisadores, agravada pelos recursos colocados à disposição, a aventura da bomba alemã terminou em julho de 1942. O governo recusou-se a dar a sua aprovação a um projeto que lhe havia sido apresentado por um físico cujo nome se ignora até hoje. Goering declarou a Hitler que um tal projeto absorveria uma soma considerável e que, em situação de guerra, esse orçamento não poderia ser suportado. Alegou também o fato de que esse projeto era quase totalmente hipotético. Assim, a posição alemã foi a de continuar desenvolvendo armas novas, que não se baseassem na energia nuclear. Foi assim que nasceram as bombas voadoras. Hitler, no entanto, havia encorajado os rumores sobre um projeto atômico alemão ao invocar o perdão de Deus pelos últimos cinco minutos da guerra (cf. James, 1986). Paul Joseph Goebbels (1897-1945), ministro da propaganda de Hitler, havia também invocado uma arma prodígio. Todas essas afirmativas impulsionaram não só o projeto Manhattan como a operação Alsos, que por fim descobriria a ação da equipe de Heisenberg e sua localização.

O projeto Alsos ou operação Alsos foi um esforço no final da Segunda Guerra Mundial dos aliados (principalmente da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos), relacionado com o projeto Manhattan e destinado à captura de recursos nucleares, materiais e humanos para a futura pesquisa dos EUA, evitando que caíssem nas mãos dos soviéticos, assim como descobrir o que os alemães sabiam sobre as armas nucleares. O pessoal responsável pelo projeto estava logo atrás da linha do front, primeiro na Itália, depois na França e na Alemanha, procurando pessoas, artigos, materiais e centros dedicados à pesquisa. O projeto conseguiu encontrar muitas equipes envolvidas no esforço alemão e boa parte do equipamento e registros remanescentes. A maior parte dos pesquisadores (incluindo Heisenberg, Otto Hahn e Carl von Weizsacker) foi seqüestrada e enviada para Farm Hall, na Inglaterra, por vários meses. Suas discussões foram secretamente gravadas; mais tarde, transcrições dessas gravações foram publicadas.

OS ATAQUES DOS EUA AOS CIVIS

Em 7 de maio de 1945, quando o marechal Alfred Jodl (1890–1946) assinou o auto de capitulação da Alemanha nazista, o seu aliado, o Império japonês, não era mais do que uma sombra de si mesmo. Com efeito, a situação militar era crítica. O outrora exército de elite – a aviação – não existia mais, pois, desde algum tempo, ele se resumia a um pequeno número de adolescentes despreparados mas profundamente corajosos. A maior parte deles, em defesa de seu Imperador, aceitava realizar as temíveis missões kamikazes. O domínio e a defesa dos mares estavam seriamente comprometidos; restava muito pouco da marinha mercante e da de guerra. As defesas antiaéreas estavam completamente inoperantes de modo que entre 9 de março e 15 de junho, os bombardeiros B-29 norte-americanos tinham realizado mais de sete mil ataques sem terem sido gravemente atingidos pelas baterias antiaéreas japonesas. Ao retornarem de suas incursões pelo território japonês, as superfortalezas norte-americanas apresentavam poucos danos e as menores baixas possíveis.

Já era esperado o pedido de rendição dos japoneses, tendo em vista essa situação crítica. O General Curtis Emerson LeMay (1906-1990), responsável pelo ataque ao Japão, havia dado ordem de misturar as bombas explosivas com as incendiárias, a fim de dificultar o combate aos incêndios. LeMay estava convencido de que os métodos de seus predecessores, que realizavam bombardeios a altas altitudes, eram ineficientes nas condições de tempo reinantes no Japão. Em conseqüência, decidiu adotar a tática de realizar bombardeios a baixa altitude, atacando as cidades japonesas com bombas incendiárias somente quando as condições meteorológicas permitissem. LeMay comandou as operações dos superfortalezas B-29 contra o Japão, em um ataque maciço de mais de 600 toneladas de bombas, sobre 16 cidades japonesas, e 1.665 toneladas de bombas incendiárias sobre a cidade de Tóquio: entre 9 e 10 de março de 1945, foram mortos mais de cem mil civis em uma única noite. O ataque ao Japão só foi ultrapassado em horror pelas três incursões ou ataques dos aviões anglo-canadenses e norte-americanos sobre a cidade alemã de Dresden, cidade sem defesa e desprovida de objetivos militares, nas noites de 13 e 14 de fevereiro de 1945. O responsável pelos bombardeios, Sir Arthur Travers Harris (1892-1984), chefe do comando da frota aérea de bombardeamento britânico que recebeu a ordem de destruir Dresden, afirmou mais tarde que o bombardeio não era uma necessidade militar, mas uma demonstração de força em relação aos demais aliados (cf. Saward, 1984).

Uma estatística precisa não é possível, mas um cálculo estimado indica que, entre março e agosto, cerca de 700 mil civis japoneses foram mortos.

Em 6 de dezembro de 1944, numa carta ao General Douglas MacArthur (1880-1964), o brigadeiro Bonner F. Fellers (1896-1973) denunciou o que chamou de "o massacre de não combatentes mais selvagem e bárbaro de toda a humanidade". Mais tarde, o secretário de guerra Henry L. Stimson (1867-1950) registrou no seu diário, em 6 de junho de 1945: "receio que os EUA ganhem a reputação de haver cometido mais atrocidades e crimes de guerra5 do que Adolf Hitler" (cf. Stimson, 2000 [1945]).

Após a guerra, no Time Magazine, o general LeMay afirmou: "acredito que se nós tivéssemos perdido a guerra eu teria sido enforcado como criminoso de guerra. Felizmente, estou do lado dos vencedores". Para o comandante da Força Aérea dos Estados Unidos, o objetivo era "arrasar o Japão, conduzindo a civilização japonesa à idade da pedra" (cf. Time, 26/03/1945). Aliás, durante a Guerra da Coréia, LeMay iria repetir essa metáfora sem cessar para descrever o que os chefes dos esquadrões deveriam realizar sobre o território coreano.

POR QUE LANÇAR UM ATAQUE NUCLEAR AO JAPÃO

Se o Japão estava praticamente arrasado, por que então lançar um ataque nuclear sobre Hiroshima? Segundo o Departamento de Estado norte-americano, o lançamento de um ataque nuclear a essa cidade evitaria a morte de milhares de norte-americanos no caso de uma invasão ao território japonês, alegação sempre utilizada ao longo de toda a presidência de Harry Truman, que afirmava que a destruição de Hiroshima e Nagasaki havia salvado 200 mil vidas humanas (cf. Public papers, 1965). Ao fim de seu mandato, Truman começou a brincar com as cifras, aumentando o número de perdas evitadas como meio de justificar o massacre nuclear. Mais tarde, aos jornalistas que escreveram as suas memórias, relatou na primeira versão que o holocausto nuclear havia salvado 300 mil vidas de soldados norte-americanos e aliados. Por ocasião da publicação do livro, em 1955, o total era de meio milhão de vidas americanas salvas, sendo que em algumas ocasiões Truman chegou a falar de 1 milhão. Na realidade, o algarismo de meio milhão servia-lhe para aliviar a consciência. Outros participantes da decisão utilizaram o mesmo expediente como, por exemplo, Winston Churchill que, em sua biografia autorizada, declara que Hiroshima e Nagasaki haviam salvo 1,2 milhão de vidas (cf. Alperowitz, 1965). Também o marechal Sir Arthur Harris, chamado "o bombardeador", chegou a falar que 3 ou 6 milhões de vidas haviam sido poupadas com os ataques a Hiroshima e Nakasaki. Até hoje para justificar o holocausto nuclear sobre o Japão, os aliados lançam mão do argumento das vidas poupadas, tendo em vista que todos eles sabiam que o Japão queria assinar uma rendição na qual o Imperador e o Império fossem preservados.

Mas o grande interesse dos aliados era a conquista e ocupação do território japonês. Várias operações de conquista foram programadas, dentre as quais as principais foram os planos Olympic e Coronet. O Estado-Maior propôs que o primeiro ataque, denominado Olympic, deveria ocorrer no dia 1o de novembro na ilha de Kyushu, de onde se deslocaria para a ilha primordial, Honshu, onde estão localizadas as cidades de Osaka e Tóquio. A segunda invasão, operação Coronet, seria na própria Honshu, na primavera de 1945, com tropas inglesas que seriam transferidas da Europa. O objetivo era claro: cada região, cada ruína, deveria ser conquistada. A grande dificuldade era a cultura japonesa e sua disponibilidade para a morte voluntária, sua mentalidade de defenderse até a morte. Os norte-americanos estavam seguros da vitória, porém o problema era o preço em vidas humanas que seria imposto aos norte-americanos e japoneses. O general Marshall estimava que as perdas se elevariam no mínimo a 31 mil mortos, feridos e desaparecidos. Por outro lado, alguns dirigentes militares norte-americanos sabiam que poderiam dispor de uma nova arma, as duas bombas atômicas construídas no projeto Manhattan.

A essa altura, sabia-se que Stálin estava interessado na continuidade da guerra com o Japão e, conseqüentemente, em participar da ocupação, já que disposto a cumprir a palavra estabelecida nos acordos da Conferência de Yalta,6 segundo a qual a União Soviética deveria agora declarar guerra ao Japão. Os norte-americanos, contudo, seguros da sua vitória, não gostariam que os soviéticos viessem a participar da ocupação do Japão. Se, por um lado, eles pressionavam o Japão para não prolongar inutilmente os combates e exigiam uma rendição incondicional, por outro lado, ponderavam que a utilização da bomba atômica seria um meio de eliminar rapidamente as manobras russas, evitando a penetração soviética na Ásia.

Um dos principais homens envolvidos na decisão de Truman de ordenar o bombardeamento atômico de Hiroshima foi seu Secretário de estado, James F. Byrnes (1879-1972), um político da Carolina do Sul, mais tarde senador e governador. Em Potsdam, em 25 de julho, Truman aprovou e assinou a ordem de lançamento da bomba atômica sobre o Japão, redigida pelo general Groves. Com a aprovação de Churchill, que também assina o pedido, Truman redigiu um comunicado solicitando a rendição incondicional dos japoneses e informando que, caso essas condições não fossem aceitas, o governo norte-americano iria utilizar uma arma de grande poder destruidor. Em 26 de julho, esse ultimato é enviado ao Japão: a rendição incondicional ou a exterminação. Em 28 de julho, os japoneses rejeitam o ultimato.

Quatro cidades haviam sido designadas pelo projeto Mannathan: Hiroshima, cidade industrial, com bases militares e um importante porto de onde saíam as frotas para o Pacífico; Kokura, principal arsenal; Nigata, porto, siderúrgicas e refinarias; e Kioto, grande centro industrial. A partir desse momento, cessaram os bombardeamentos, para que fosse possível determinar a efetiva capacidade de destruição do artefato nuclear.

LITTLE BOY E FAT MAN VÃO À GUERRA

Em 6 de agosto de 1945, às 2h30min, hora local, e com condições meteorológicas favoráveis sobre Hiroshima, o bombardeiro B29 batizado de Enola Gay (em homenagem à mãe do piloto que comandava a missão) decolou do aeroporto militar norte-americano Tinian, nas Ilhas Marianas, sob o comando de Paul Tibbets, sendo a tripulação composta de Robert Lewis, Thomas Ferebee, William Parsons, Morris Jeppson e outros. O comandante Tibbets era o único que conhecia os efeitos da bomba que transportava, medindo 4,50 metros de comprimento e 76 cm de diâmetro. Às 8h9min, Hiroshima aparece entre as nuvens. Às 8h16min45s a bomba é lançada. A explosão de 60 kg de U235, equivalente a 12.500 toneladas de TNT, ocorreu 40 segundos mais tarde, a 580 metros acima da cidade, provocando a morte de 140.000 civis. O número de sobreviventes foi superior a 300.000, que apresentaram efeitos de curto e longo termo decorrentes de doenças provenientes da exposição à radiação.

A bomba atômica produziu efeitos arrasadores. Nos primeiros milionésimos de segundos, a energia térmica liberada na atmosfera transforma o ar em uma bola de fogo de aproximadamente 1 km de diâmetro. Durante alguns segundos um calor de vários milhões de graus paira sobre Hiroshima. No solo, a temperatura atinge vários milhões de graus sob o epicentro da explosão. Num raio de 1 km, tudo foi instantaneamente vaporizado e reduzido a cinzas; até 4 km do epicentro os prédios e os seres humanos sofreram combustão instantânea e espontânea; num raio de 8 km, as pessoas sofreram queimaduras de 3º grau.

Após o calor, ocorreu uma onda de choque que provocou um efeito devastador, causado pela enorme pressão devida à expansão dos gases; essa onda de choque progrediu a uma velocidade de 1.000 km por hora, como se fosse um muro de ar sólido. Ela reduziu a pó tudo o que se encontrava num raio de dois quilômetros. Dos 90 mil prédios da cidade, 62 mil foram completamente destruídos.

Um efeito ainda pouco conhecido em 1945 foi a radioatividade espalhada pela explosão nuclear, que provocou câncer, leucemia e outras doenças. Ela disseminou um terror muito maior do que outras conseqüências, pois suas manifestações só apareceriam dias, meses e até mesmo anos após a explosão.

Em 6 de agosto de 1945, a Casa Branca comunicou o bombardeio de Hiroshima ao povo norte-americano: "acabamos de lançar sobre o Japão a força de onde o Sol tira o seu poder. Nós conseguimos domesticar a energia fundamental do universo". O presidente Harry Truman declarou: "O mundo constata que a primeira bomba atômica foi lançada sobre Hiroshima, uma base militar; nós ganhamos, contra a Alemanha, a corrida da sua descoberta. Nós a utilizamos com a finalidade de reduzir a angústia da guerra e com o fim de salvar as vidas de milhares e milhares de jovens americanos. Nós continuaremos a empregá-la até conseguirmos destruir completamente os recursos bélicos japoneses" (cf. Truman, 1955.).

Em 9 de agosto de 1945, às 11h2min, uma segunda bomba nuclear, a Fat man, foi lançada por Charles Sweeney, Frederick Ashworth e outros de um bombardeiro B-29 sobre a cidade de Nagasaki. O alvo foi trocado de Kokura para Nagasaki em virtude das más condições de visibilidade. A explosão, equivalente a 22 mil toneladas de TNT, foi obtida usando 8 kg de plutônio 239, com uma bomba de 4.5 toneladas, que provocaram a morte de mais de 70 mil civis.

Em 15 de agosto, Hirohito, Imperador do Japão, anunciou a capitulação incondicional de seu país. Ele tinha 46 anos, quando se dirigiu pela primeira vez ao seu povo para comunicar chorando, em linguagem arcaica, que o Japão perdera a guerra. O inimaginável tinha acontecido, era necessário aceitar o inaceitável: a rendição, a ocupação, a humilhação. Acabara o Grande Império. Em 2 de setembro de 1945, a rendição japonesa é assinada. Assim estava terminada a Segunda Guerra Mundial, que não acabou em 8 de maio com a capitulação do Terceiro Reich, mas em 6 e 9 de agosto de 1945, com as duas bombas que deram início à guerra fria.

A GUERRA FRIA E A HEGEMONIA NORTE-AMERICANA

A utilização da nova arma tem provocado desde então interpretações históricas controversas. Para alguns historiadores, os norte-americanos só a utilizaram contra os japoneses com a finalidade de intimidar os soviéticos, demonstrando sua superioridade militar e impedindo sua participação na ocupação do Japão. Mas, para esse objetivo, a utilização de uma única bomba seria suficiente. Segundo outros historiadores, a segunda bomba indica a vontade dos EUA de colocar um fim ao conflito muito dispendioso sob o ponto de vista da perda de vidas humanas.

A divulgação da relação da bomba com a guerra fria diplomática só se tornou possível, nos anos 50 e 60 do século passado, quando os documentos privados do arquivo norte-americano foram liberados e analisados pelo historiador Gar Alperowitz, em 1965.

O Secretário de estado Byrnes, que no Senado havia sido o principal assessor de Truman antes que esse viesse a ocupar a presidência após a morte de Roosevelt, não escondeu jamais a sua influência junto ao presidente na decisão de bombardear Hiroshima. Leo Szilard, que o havia encontrado, em 28 de maio, assim relatou o seu encontro: Byrnes sabia que não era necessário utilizar a bomba contra as cidades japonesas para ganhar a guerra. Sua idéia era de que a posse e o uso da bomba tornaria a União Soviética mais fácil de ser controlada (cf. Lanouette & Szilard, 1994). A palavra-chave não é nem compromisso e nem negociação, mas controle. O próprio Truman afirmaria, em suas Memórias: "Byrnes já me havia dito [em abril de 1945] que, de seu ponto de vista, a bomba permitiria [aos Estados Unidos] ditar as condições do fim da guerra" (cf. Truman, 1955).

Além de ter constituído uma experiência de uma arma de destruição em massa com seres vivos, a solução final de usar a bomba atômica contra Hiroshima e Nagasaki serviu de demonstração mundial do poder econômico, tecnológico e político norteamericano. Depois da explosão experimental da primeira bomba atômica, em 16 de julho de 1945, no Novo México, Truman decidiu excluir a União Soviética de toda presença significativa na ocupação e controle do Japão. Com efeito, a chegada dos russos a Berlim, antes dos americanos, constituiu uma preocupação de que o mesmo poderia ocorrer em relação à ocupação do Japão.

Em suas memórias, I was there, o almirante William Daniel Leahy (1875-1959), chefe do Estado Maior do presidente Roosevelt e mais tarde do presidente Truman, explicou: "Os japoneses já estavam vencidos e prontos para capitular [...] a utilização em Hiroshima e Nagasaki dessa arma bárbara não nos ajudou a ganhar a guerra. [...] sendo o primeiro país a utilizar a bomba atômica, adotamos [...] a regra ética dos bárbaros da Idade das Trevas" (Leahy, 1950, p. 429 e 514).

A mesma opinião foi exposta pelo general Eisenhower, em suas memórias:
Em [julho] de 1945, [...] o Secretário de guerra Stimsom, em visita a meu quartel-general na Alemanha, informou-me que nosso governo estava preparado para lançar a bomba atômica no Japão. Eu era um daqueles que sentiam que havia um conjunto de razões conclusivas para questionar a sabedoria de um tal ato. [...] o Secretário, após me informar do sucesso do teste da bomba no Novo México e do plano de usá-la, perguntou-me da minha reação, aparentemente à espera de um vigoroso assentimento (Eisenhower, 1963b, p. 312).
Durante seu relato dos fatos relevantes, eu tive a consciência de um sentimento de depressão e assim comuniquei-lhe a gravidade das minhas dúvidas. De início, com base em minha convicção de que o Japão já estava derrotado e que a utilização da bomba era desnecessária. Em seguida, porque acreditava que o nosso país devia evitar chocar a opinião mundial utilizando uma arma cujo emprego não era mais obrigatório como medida para salvar a vida dos norte-americanos. Eu tinha a convicção de que o Japão estava, naquele momento [agosto de 1945], procurando algum modo de capitular salvando um pouco do seu orgulho (Eisenhower, 1963b, p. 380).
Até hoje a controvérsia continua sobre a questão de saber se a utilização dessa bomba sobre o Japão era verdadeiramente necessária para dar um fim à guerra. Ao contrário desses pontos de vista, logo que foi informado do holocausto de Nagasaki quando retornava da Conferência de Postdam, a bordo do cruzador Augusta, Truman se orgulhava afirmando: "é o maior acontecimento da história" (cf. Truman, 1955).

Na grande visão de Churchill, Nagasaki, e Hiroshima nada mais foram que um elemento da estratégia da guerra fria que começava a surgir. De fato, em 22 de julho de 1945, ele registrou em seu diário:
Nós temos a partir de agora em mãos alguma coisa que restabelecerá o equilíbrio conjunto. O segredo desse explosivo e a capacidade de utilizá-lo vão modificar completamente o equilíbrio diplomático que estava à deriva desde a derrota da Alemanha (Churchill, 1953, p. 646).
Segundo o chefe de gabinete de Churchill, o marechal de campo Alan Francis Brooke (1883-1963),
Churchill via já um meio de eliminar todos os centros industriais soviéticos e todas as regiões de forte concentração de população. Ele estava inebriado por uma magnífica imagem, como único detentor dessas bombas, capaz de lançá-las onde quisesse e, portanto, tornava-se o Todo-Poderoso, capaz de ditar as suas vontades a Stálin (cf. Brooke, 2002).
Os anos de guerra não mudaram a maneira de ver de Churchill, mas a sua tática e a sua retórica. O seu espírito estava dominado pela idéia de "que o comunismo não era uma política, mas uma doença". Na tarde de 10 de fevereiro de 1946, Truman e Churchill se reuniram na Casa Branca para conversar sobre o discurso que o homem do charuto iria pronunciar no dia 5 de maio, em Fulton, no Missouri, quando lançaria a expressão cortina de ferro (cf. Harbutt, 1986).

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1 Fissão (ou cisão) nuclear é o fenômeno de divisão de um núcleo atômico pesado, como o de urânio e plutônio, em dois ou vários núcleos leves, com a liberação de uma quantidade enorme de energia.
2 Além da carta de Einstein, Sachs anexou uma carta pessoal; um memoradum de Szilard; uma separata do artigo "Neutron production and absorption in uranium" de H. L. Anderson, E. Fermi e L. Szilard, The Physical Review, 56, 3, 01 de agosto de 1939; uma separata do artigo "Instantanious emission of fast neutrons in the interaction of slow neutrons with uranium" de L. Szilard e W. H. Zinn, The Physical Review, 55, 6, 15 de abril 1939. Todos os originais do dossiê podem ser consultados na Franklin D. Roosevelt Presidential Library and Museum, no arquivo Sachs, Alexander Index <www.fdrlibrary.marist.edu/psf/box5/folo64.html>.
3 "Nada poderia ser mais óbvio para as pessoas no início do século XX do que a rapidez com a qual a guerra estava se tornando impossível [...] [mas] elas não veriam isso até que as bombas atômicas explodissem em suas mãos impotentes". H. G. Wells, The world set free, 1914.
4 Conferência realizada em Potsdam, de 17/6/1945 a 2/8/1945, onde se reuniram os principais chefes de governo dos países aliados com seus respectivos assessores: EUA (Truman, J. Byrnes), Reino Unido (Churchill, Atlee, A. Eden) e URSS (Stálin, Molotov).
5 Crime de guerra é uma violação das leis e costumes de guerra. Os crimes de guerra são definidos por acordos internacionais, incluindo as Convenções de Genebra e, de maneira particular, o Estatuto de Roma (no artigo 8), gerindo as competências da Corte penal internacional. Em geral, um ato é definido como um crime de guerra a partir do momento em que uma das partes em conflito ataca voluntariamente objetivos (tanto humanos como materiais) não-militares.
6 Conferência em Yalta de 4 a 11 de fevereiro de 1945, quando os principais chefes de estado dos países aliados, Roosevelt, Churchill e Stálin, se reuniram para dividir o mundo depois da vitória sobre a Alemanha.

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