“Briberization”? No livro do AmauryJr tem a explicação do termo por Joseph Stiglitz – Prêmio Nobel de Economia
O texto abaixo se encontra entre páginas de 38 a 40 do livro Privataria Tucana, de AmauryJr, editado por Luiz Fernando Imediato pela Geração Editorial.
Uma pequena amostra do que foi o maior assalto ao patrimônio de todo o povo brasileiro, um autêntico crime de lesa-pátria.
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Antes, porém, as estatais e seus servidores passaram a ser perseguido re linchados diariamente nas manchetes. O Estado passou a ser o Grande Satã, semeando -se uma ira santa contra sua presença na economia e um fogo constante dirigido aos seus serviços. Seus erros foram escancarados e seus acertos, subtraídos. Era preciso preparar o clima para vender as estatais, fossem quais fossem. As pessoas precisavam entender que leiloar patrimônio público “seria um benefício” para todos. O Estado reduziria suas dívidas interna e externa e receberia um aporte de dólares que permitiria que se dedicasse somente à saúde, à educação e a um ou outro setor. E todos se livrariam daqueles trastes que não se sabia, afinal por que ainda continuavam existindo.
Na prática, a teoria acabou sendo outra. O torra -torra das estatais não capitalizou o Estado, ao contrário, as dívidas interna e externa aumentaram, porque o governo engoliu o débito das estatais leiloadas — para torná -las mais palatáveis aos compradores — e ainda as multinacionais não trouxeram capital próprio para o Brasil. Em vez disso, contraíram empréstimos no exterior e, assim, fizeram crescer a dívida externa. Para agravar o quadro, os cofres nacionais financiaram a aquisição das estatais e aceitaram moedas podres, títulos públicos adquiridos por metade do valor de face, na negociação.
Alguns cases clássicos do processo ajudam a esclarecer o que se passou. Na privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) dos R$ 1,05 bilhão pagos pela maior siderúrgica da América Latina e marco da industrialização nacional no pós -guerra, R$ 1 bilhão era formado de moedas podres. Nos cofres públicos só ingressaram, de verdade, R$ 38 milhões... E, como se o incrível habitasse o inacreditável, as moedas podres foram leiloadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. Nesta matrioshka, na qual as aberrações brotam uma do interior da outra, o BNDES ainda financiou a aquisição das moedas podres com prazo de 12 anos para pagá -las.
Na privatização da Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), o governo de São Paulo, sob o PSDB de Mário Covas, demitiu dez mil funcionários e assumiu a responsabilidade pelos 50 mil aposentados da ferrovia!
No Rio, o também tucano Marcelo Alencar realizou proeza maior: vendeu o Banerj para o Itaú por R$ 330 milhões, mas antes da privatização demitiu 6,2 mil dos 12 mil funcionários do banco estadual. Como precisava pagar indenizações, aposentadorias e o plano de pensões dos servidores, pegou um empréstimo de R$ 3,3 bilhões, ou seja, dez vezes superior ao que apurou no leilão. Na verdade, 20 vezes superior, porque o Rio só recebeu R$ 165 milhões, isto porque aceitou moedas podres, com metade do valor de face.
A temporada de bondades com dinheiro público ultrapassou os preços baixos, os financiamentos, as prestações em 12 anos e as moedas podres. Nos anos que antecederam a transferência das estatais para o controle privado, suas tarifas sofreram uma sequência de reajustes para que as empresas privatizadas não tivessem “de enfrentar o risco de protesto e indignação do consumidor”.
No caso das tarifas telefônicas, aumentos de até 500% a partir de 1995 e, no caso da energia elétrica, de 150%. Tais custos ficaram com o Estado e o cidadão. Mas a cereja do bolo foram os empréstimos do BNDES. Quem adquiria uma estatal imediatamente se habilitava a contratar financiamentos oficiais com juros abaixo dos patamares do mercado. Comprada com moedas podres, a CSN foi contemplada com R$ 1,1 bilhão. E a Light, onde Serra bateu seu martelo, ganhou R$ 730 milhões. O resultado de tudo isso é que, em dezembro de 1998, quando já haviam sido leiloadas grandes empresas como a Vale, Embraer, Usiminas, Copesul, CSN, Light, Acesita e as ferrovias, havia um descompasso entre expectativa e realidade. Enquanto o governo FHC afirmava ter arrecadado R$ 85,2 bilhões no processo, o jornalista econômico Aloysio Biondi publicava no seu best ‑seller O Brasil Privatizado que o país pagara para vender suas estatais. Este pagamento atingira R$ 87,6 bilhões, portanto R$ 2,4 bilhões a mais do que recebera. Reunindo sete itens que conseguiu calcular — vendas a prazo com dinheiro já contabilizado, mas fora dos cofres públicos; dívidas absorvidas; juros de 15% sobre dívidas assumidas; investimento nas estatais antes do leilão; juros sobre tais investimentos; uso de moedas podres e mais R$ 1,7 bilhão deixados nos cofres das estatais privatizadas — Biondi chegou ao seu valor. Mais cinco itens, entre eles custo de demissões e compromissos com fundos de pensão, considerados incalculáveis, não integram a coluna das despesas.
Por tudo isso, não foi graciosamente que o Prêmio Nobel de Economia (2001) Joseph Stiglitz cunhou um neologismo ácido ao definir a onda privatista que avassalou as economias do Terceiro Mundo. Ex -economista chefe do Banco Mundial, Stiglitz interpreta o que ocorreu como “briberization” e não “privatization”, sendo que “bribery” constitui -se crime e significa “oferecer, dar, receber ou solicitar qualquer bem ou valor para influenciar as decisões de funcionário público ou outra pessoa em cargo de confiança”. A raiz da palavra, bribe, é discutível, mas vincula -se à “coisa roubada” desde o século 14, sendo percebida como “jargão de ladrões” e, com a acepção de favores adquiridos por meio de corrupção desde 1530.De forma mais clara, o que houve no Brasil não foi privatização mas “propinização”. A versão local da práxis foi batizada como privataria pelo jornalista Elio Gaspari, ao casar, com felicidade, os vocábulos “privatização” e “pirataria”.
*GilsonSampaio