A CRISE DA RAZÃO E A DESTRUIÇÃO DO MUNDO
Grandes pensadores, e não apenas os sacerdotes menores,
recorrem ao mito de Adão, a fim de associar o fim da inocência ao
pecado. Uma teologia mais alta repelirá a idéia ortodoxa: Deus,
existindo, não criaria seres dotados das sementes da inteligência para
serem parvos. Ao dotá-los da mente, dotou-os, naturalmente, da dúvida e
da busca da verdade. Da busca da verdade, ainda que não do encontro
desta mesma verdade.
A verdade absoluta, como todas as idéias que ocupam
a inteligência do homem, é uma categoria de fé. Apesar da advertência
de que só ela nos libertará, nunca a teremos, a não ser cada um de nós
em sua própria fé. Aquilo em que cremos – mesmo a dúvida - é a nossa
verdade.
Em todos os tempos, convivemos com o conflito entre os grandes
pensadores e os reitores das sociedades políticas. O poder – e a tese se
alicerça nos fatos históricos – sempre esteve associado ao medo, à
loucura e à fome do ouro. Cabe, assim, aos que pensam, moderar os
desatinos dos poderosos e – quando a situação de insensatez chega ao
insustentável – favorecer o retorno à normalidade. Esse retorno se faz
com as revoluções, não necessariamente sangrentas.
Na visão de Vitor Hugo – e a citação é sedutora – o poder muitas vezes se sustenta em ficções rendosas, e a tarefa da revolução é a de promover o retorno da ficção à realidade.
Na visão de Vitor Hugo – e a citação é sedutora – o poder muitas vezes se sustenta em ficções rendosas, e a tarefa da revolução é a de promover o retorno da ficção à realidade.
A realidade está submetida à necessidade, que é a grande
legisladora, e que atua, de tempo em tempo, para corrigir os seus
desvios, ou seja, restituir o real ao campo do necessário. É assim que
podemos pensar um pouco na questão chave de nossos dias, a da
preservação da vida na Terra.
Uma inteligência do Universo, se houvesse alguma além dos homens – mesmo sendo a divina – talvez chegasse à conclusão de que a espécie humana perdeu a sua razão de ser. A mente dos homens – seu atributo maior – abandonou a sua razão essencial, que era a de contemplar o mistério do universo, tanto nas grandes constelações e galáxias, como no vôo de um inseto e buscar o seu sentido. Ao contrário, vem pretendendo fazer do Universo um submisso servidor.
O homem não convive mais com o mundo, mas o agride com a plena consciência do crime. Ele pode, e deve, usufruir dos bens do planeta, mas não destruí-los, sem que se destrua a civilização que conhecemos. Há uma razão para que a visão estética do mundo e a construção de planos mentais se reúnam no vocábulo grego teoria, contemplação. Conciliar a contemplação do mundo com o projeto, que transforma o homem em criador e êmulo da natureza, é associar a idéia do desígnio, de Prometeu, à da esperança, de Epimeteu.
Há quarenta anos que a comunidade internacional se reúne periodicamente, para discutir o estado do planeta. Este Jornal do Brasil, ao noticiar a Primeira Conferência do Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, deu às matérias um titulo geral que continua válido: A Terra está doente. A agressão continua, até mesmo no simulacro de providências, que agravam o problema, em lugar de resolvê-lo, como as ONGs e os protocolos daqui e dali, para iludir os bem intencionados e fazer a fortuna dos espertos.
A ciência em pouco tem contribuído para resolver o problema. Ao contrário, as grandes descobertas científicas, sobretudo as do campo da química e da bioquímica, têm agravado o quadro de caquexia geral do planeta – como é o caso dos defensivos agrícolas e da engenharia genética, com as sementes transgênicas. As multinacionais do agronegócio, que criam sementes transgênicas e agrotóxicos assassinos, se associam aos gananciosos produtores de grãos, senhores de vastas extensões de terras férteis.
Esses empreendedores, se optassem por uma agricultura mais
racional, teriam, segundo alguns especialistas, mais retorno econômico e
preservariam o solo, as águas, o meio ambiente, enfim, o futuro. Um
exemplo da insensatez da tecnologia capitalista na produção rural é o
caso da superprodução de leite na Europa, com vacas alimentadas com
proteínas vegetais - como a soja - importadas dos paises em desenvolvimento. Com
o excesso, produzem leite em pó, que é depois reconstituído para
alimentar os bezerros – e liberar mais leite para o mercado, ou seja,
para a superprodução e o retorno aos bezerros. É o lucrativo ciclo da
insensatez.
A razão capitalista impede que esse leite possa salvar da morte milhares de crianças na África. É provável que nessa razão prevaleça a idéia dos clubes de blidelberg do mundo (que são vários) de que o planeta será muito melhor e mais saudável sem os pobres.
Entre outras formas de tornar impossível a sobrevivência dos
homens e de outras manifestações de vida no planeta, encontra-se, em
primeiro lugar, esse modelo de produção de nossos dias, que se revela no
prefixo trans. É um recurso da tecnologia, como tantos outros, para servir ao lucro imediato, à fome do ouro, a que se refere Lucrécio.
A Conferência que se abre no Rio não conduzirá a resultados realmente importantes se for movida pela idéia de que a ciência e os bons sentimentos poderão salvar o mundo. A questão é política, de poder. E enquanto o poder estiver, como está hoje, na mão dos banqueiros e dos grandes conglomerados industriais, que controlam as universidades, os laboratórios de pesquisas, os grandes meios de informação universal, e remuneram cientistas, tecnólogos e, sobre todos eles, os políticos e os policy makers, o planeta continuará a ser deliberadamente assassinado, em benefício de algumas famílias. Elas mesmas já desertaram da espécie humana e, em seu egoísmo doentio, vivem as ficções rendosas.
O mundo está à espera de que a necessidade imponha aos homens
a ação imediata para o retorno à realidade, enfim, à normalidade, à
solidariedade que salvará o planeta. E convém lembrar que norma, em latim, é a denominação do esquadro, que marca o ângulo reto, princípio imemorial das construções sólidas.