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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, junho 16, 2012

A CRISE DA RAZÃO E A DESTRUIÇÃO DO MUNDO




Grandes pensadores, e não apenas os sacerdotes menores, recorrem ao mito de Adão, a fim de associar o fim da inocência ao pecado. Uma teologia mais alta repelirá a idéia ortodoxa: Deus, existindo, não criaria seres dotados das sementes da inteligência para serem parvos. Ao dotá-los da mente, dotou-os, naturalmente, da dúvida e da busca da verdade. Da busca da verdade, ainda que não do encontro desta mesma verdade
A verdade absoluta, como todas as idéias que ocupam a inteligência do homem, é uma categoria de fé. Apesar da advertência de que só ela nos libertará, nunca a teremos, a não ser cada um de nós em sua própria fé. Aquilo em que cremos – mesmo a dúvida - é a nossa verdade.
Em todos os tempos, convivemos com o conflito entre os grandes pensadores e os reitores das sociedades políticas. O poder – e a tese se alicerça nos fatos históricos – sempre esteve associado ao medo, à loucura e à fome do ouro. Cabe, assim, aos que pensam, moderar os desatinos dos poderosos e – quando a situação de insensatez chega ao insustentável – favorecer o retorno à normalidade. Esse retorno se faz com as revoluções, não necessariamente sangrentas. 
Andrea Mantegna San Girolamo nel Deserto
Na visão de Vitor Hugo – e a citação é sedutora – o poder muitas vezes se sustenta em ficções rendosas, e a tarefa da revolução é a de promover o retorno da ficção à realidade.
A realidade está submetida à necessidade, que é a grande legisladora, e que atua, de tempo em tempo, para corrigir os seus desvios, ou seja, restituir o real ao campo do necessário. É assim que podemos pensar um pouco na questão chave de nossos dias, a da preservação da vida na Terra.

Uma inteligência do Universo, se houvesse alguma além dos homens – mesmo sendo a divina – talvez chegasse à conclusão de que a espécie humana perdeu a sua razão de ser. A mente dos homens – seu atributo maior – abandonou a sua razão essencial, que era a de contemplar o mistério do universo, tanto nas grandes constelações e galáxias, como no vôo de um inseto e buscar o seu sentido. Ao contrário, vem pretendendo fazer do Universo um submisso servidor.

O homem não convive mais com o mundo, mas o agride com a plena consciência do crime. Ele pode, e deve, usufruir dos bens do planeta, mas não destruí-los, sem que se destrua a civilização que conhecemos. Há uma razão para que a visão estética do mundo e a construção de planos mentais se reúnam no vocábulo grego teoria, contemplação. Conciliar a contemplação do mundo com o projeto, que transforma o homem em criador e êmulo da natureza, é associar a idéia do desígnio, de Prometeu, à da esperança, de Epimeteu.

Há quarenta anos que a comunidade internacional se reúne periodicamente, para discutir o estado do planeta. Este Jornal do Brasil, ao noticiar a Primeira Conferência do Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, deu às matérias um titulo geral que continua válido: A Terra está doente. A agressão continua, até mesmo no simulacro de providências, que agravam o problema, em lugar de resolvê-lo, como as ONGs e os protocolos daqui e dali, para iludir os bem intencionados e fazer a fortuna dos espertos.

A ciência em pouco tem contribuído para resolver o problema. Ao contrário, as grandes descobertas científicas, sobretudo as do campo da química e da bioquímica, têm agravado o quadro de caquexia geral do planeta – como é o caso dos defensivos agrícolas e da engenharia genética, com as sementes transgênicas. As multinacionais do agronegócio, que criam sementes transgênicas e agrotóxicos assassinos, se associam aos gananciosos produtores de grãos, senhores de vastas extensões de terras férteis.
Esses empreendedores, se optassem por uma agricultura mais racional, teriam, segundo alguns especialistas, mais retorno econômico e preservariam o solo, as águas, o meio ambiente, enfim, o futuro. Um exemplo da insensatez da tecnologia capitalista na produção rural é o caso da superprodução de leite na Europa, com vacas alimentadas com proteínas vegetais - como a soja - importadas dos paises em desenvolvimento. Com o excesso, produzem leite em pó, que é depois reconstituído para alimentar os bezerros – e liberar mais leite para o mercado, ou seja, para a superprodução e o retorno aos bezerros. É o lucrativo ciclo da insensatez.

A razão capitalista impede que esse leite possa salvar da morte milhares de crianças na África. É provável que nessa razão prevaleça a idéia dos clubes de blidelberg do mundo (que são vários) de que o planeta será muito melhor e mais saudável sem os pobres.
Entre outras formas de tornar impossível a sobrevivência dos homens e de outras manifestações de vida no planeta, encontra-se, em primeiro lugar, esse modelo de produção de nossos dias, que se revela no prefixo trans. É um recurso da tecnologia, como tantos outros, para servir ao lucro imediato, à fome do ouro, a que se refere Lucrécio.

A Conferência que se abre no Rio não conduzirá a resultados realmente importantes se for movida pela idéia de que a ciência e os bons sentimentos poderão salvar o mundo. A questão é política, de poder. E enquanto o poder estiver, como está hoje, na mão dos banqueiros e dos grandes conglomerados industriais, que controlam as universidades, os laboratórios de pesquisas, os grandes meios de informação universal, e remuneram cientistas, tecnólogos e, sobre todos eles, os políticos e os policy makers, o planeta continuará a ser deliberadamente assassinado, em benefício de algumas famílias. Elas mesmas já desertaram da espécie humana e, em seu egoísmo doentio, vivem as ficções rendosas.
O mundo está à espera de que a necessidade imponha aos homens a ação imediata para o retorno à realidade, enfim, à normalidade, à solidariedade que salvará o planeta. E convém lembrar que norma, em latim, é a denominação do esquadro, que marca o ângulo reto, princípio imemorial das construções sólidas.

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