A partir de usuário brasileiro, Operação Dirty Net, da PF, desarticula grupo com conexões em 35 países e faz recorde de prisões em ações do gênero. Em Minas, seis foram detidos
Guilherme Paranaiba e Paula Sarapu
Uma das maiores operações já realizadas no país contra a divulgação de pornografia infantil via internet foi deflagrada ontem pela Polícia Federal, que cumpriu 65 mandados, entre ordens de prisão e busca e apreensão, em 25 cidades de 11 estados e no Distrito Federal. O alvo da mobilização – que envolveu também a Interpol e ações no Reino Unido e na Bósnia – foi uma rede mundial, com pelo menos 160 usuários e conexões em 34 países. Em Minas, agentes federais foram atrás de 10 suspeitos de armazenar e compartilhar vídeos e fotos com cenas de pornografia envolvendo adolescentes, crianças e até bebês, em nove cidades. Seis pessoas foram presas e uma está foragida. Em todo o país, o último balanço disponível dava conta de mais 27 prisões, número recorde em ações do gênero: nove em São Paulo, cinco no Rio de Janeiro, cinco no Rio Grande do Sul, três no Paraná, duas no Maranhão, uma no Espírito Santo, uma na Bahia e uma no Ceará, onde foi detido conhecido humorista de rádio, famoso por seu programa de pegadinhas .
As investigações começaram há mais de seis meses, no Rio Grande do Sul, quando um dos suspeitos, um recepcionista de hotel em Porto Alegre, admitiu a um agente federal infiltrado que havia abusado de um sobrinho e encaminhou ao policial imagens de pornografia infantil. A quebra do sigilo de dados permitiu localizar o computador de origem das imagens e o endereço do usuário. O homem foi preso na Operação Caverna do Dragão e confessou fazer parte da rede internacional. A partir de então, a PF começou a investigar os demais participantes, o que levou à Operação Dirty Net (rede suja, em inglês), deflagrada ontem.
A rede funcionava com um programa de compartilhamento de informações baixado na internet. Apenas no Brasil foram identificadas 63 pessoas, em investigações que ainda levantaram 97 envolvidos em outros países. Segundo a delegada Diana Calazans, da PF do Rio Grande do Sul, só os integrantes da rede tinham acesso à pornografia . “O material encontrado é repugnante. Como a rede é criptografada, os integrantes tinham sensação de segurança e por isso certamente não tinham receio de compartilhar material pesado”, disse a chefe do inquérito.
Ainda segundo a delegada, pelo monitoramento da rede feito pelo agente inflitrado a PF descobriu relatos de canibalismo associado a fantasias sexuais e levantou possibilidade de que pais tenham abusados dos filhos e divulgado imagens para o grupo. Com base na identificação dos alvos nacionais, o inquérito principal foi desmembrado. Dos 10 suspeitos identificados em Minas, três já têm prisão preventiva decretada.
Segundo o delegado regional de Combate ao Crime Organizado, Jader Lucas, os agentes federais filmaram roupas, pertences, móveis e ambientes das moradias dos acusados para tentar confrontar com os cenários que aparecem nas imagens de abusos. “Vamos descobrir se os acusados produziam o material, se só tinham posse das imagens de crianças praticando sexo ou se transmitiam atos pela internet, o que configura outro crime”, explicou o delegado.
Cenários Duas prisões preventivas ocorreram em Uberaba, no Triângulo. Segundo o delegado chefe da PF na cidade, Carlos Henrique Cotta Dângelo, os agentes encontraram vídeos e fotos na casa de T.P., de 26 anos, em um computador, um notebook e um pen drive. Em outro endereço, onde mora um casal, além de material pornográfico havia doces, brinquedos e DVDs de desenhos infantis, apesar de não haver crianças na família. G.Z.A., de 32, assumiu ser dono do material e foi preso. Segundo o policial, há possibilidade de que tenha havido crimes como estupro de vulnerável. “Se constatarmos que esses brinquedos aparecem nas gravações ou fotos, teremos como tirar mais conclusões.”
Em Turmalina (Norte de Minas) foi preso I.M., de 22, que trabalha em um provedor de internet da cidade. Os demais detidos no estado moram em Uberlândia (Triângulo) e Abaeté (Central), onde os agentes encontraram imagens de crianças sendo abusadas sexualmente, inclusive bebês. Em Ouro Fino, no Sul de Minas, um servidor público municipal de 50 anos que morava com a mãe foi preso em flagrante.
Um suspeito de Bambuí, na Região Central do estado, conseguiu fugir. Na casa dele, os policiais também encontraram elementos de pornografia infantil. Em Pedro Leopoldo, Itabira e Itajubá foram cumpridos mandados de busca e apreensão, mas, como não foi encontrado material pornográfico, ninguém foi preso. (Colaboraram Luiz Ribeiro e Simone Lima)
Falta estrutura para fiscalizar
Apenas nos primeiros três meses deste ano, a ONG Safernet recebeu 5.268 denúncias de pornografia infantil na internet. Um aumento de 54,9% em relação ao ano passado, quando no mesmo período ocorreram 3.399 episódios. Entre 1999 e 2009, as denúncias repassadas à Polícia Federal geraram 949 inquéritos no país, mas só 138 internautas foram indiciados. Em Minas, nesses 10 anos, foram 64 inquéritos e sete indiciados por crimes relacionados a pornografia infantil.
Diretor-presidente da Safernet, Thiago Tavares, professor de direito da informática e integrante da CPI da Pedofilia entre 2008 e 2010, diz que a internet fez da pornografia infantil um crime de massa. Ele considera a legislação brasileira avançada no combate ao uso da rede para a prática de crimes sexuais contra crianças, mas acredita que a estrutura para investigação ainda é insuficiente. Os provedores, segundo ele, muitas vezes não ajudam no acesso à informação, o que atrapalha as apurações.
“Os inquéritos já começam com dificuldade, porque faltam dados e estrutura policial de dedicação contínua ao combate desse crime. As investigações precisam ser rápidas, porque os vestígios eletrônicos não são preservados pelos provedores e se perdem facilmente na internet”, afirma Thiago. “A estrutura de investigação é insuficiente no Brasil, onde apenas sete estados têm delegacias voltadas para crimes cibernéticos. No restante, os delegados precisam se dividir.”
De acordo com a Safernet, cerca de 700 sites comercializam vídeos e fotografias de crianças em situação de abuso sexual no mundo todo. Os usuários se associam e chegam a pagar entre US$ 49 e US$ 150 por mês para ter acesso ao conteúdo. Nenhum desses sites está hospedado no Brasil.
“Mas isso não significa dizer que as imagens não sejam produzidas aqui e que não existam organizações criminosas interessadas em lucrar com isso. A lei no Brasil é bastante avançada e atualizou o Estatuto da Criança e do Adolescente, criminalizando condutas como o aliciamento on-line de menores e a posse e divulgação de imagens desse tipo”, explicou o advogado.
No Brasil, de acordo com Thiago, as denúncias vêm de usuários. “Isso sempre existiu. No passado, essas pessoas se inseriam em clubes para troca de imagens por carta. A internet tornou isso muito mais fácil. Com meia dúzia de cliques, é possível encontrar sites com álbuns enormes. Cada foto dessa, no entanto, mostra uma criança que sofreu. Contamos com o usuário comum que navega e se depara com essa barbaridade para denunciar.”
Cerco à exploração
onde denunciar
» www.denuncia.pf.gov.br
» www.denuncie.org.br
» www.disque100.gov.br
É crime
Posse e armazenamento de conteúdo pornográfico infantil: 1 a 3 anos de prisão
Produzir imagens e material de pornografia infantil: 4 a 8 anos de reclusão
Trocar, divulgar e postar fotos e vídeos: 3 a 6 anos de prisão
Estupro de vulnerável: 8 a 15 anos de prisão
As penas são cumulativas
Os alvos da Dirty Net
A
operação Dirty Net (rede suja) aconteceu simultaneamente no Brasil e no
exterior, com apoio da Interpol. No Brasil, foram expedidos 65 mandados
de busca e apreensão e de prisão
No Brasil a operação buscou alvos em 11 estados e no Distrito Federal.
Em Minas havia 10 suspeitos e seis foram presos. Um está foragido. Na casa dos outros três não havia material de pornografia infantil e eles responderão ao inquérito em liberdade.
Desde 2006, 20 mil crimes de pornografia infantil foram consumados no Orkut,
só no Brasil.
Denúncias de internautas provocaram a
retirada de mais de 300 mil imagens de sites
do mundo todo.
Há cerca de 700 sites ativos que comercializam vídeos e fotos de abuso sexual de crianças no mundo, nenhum deles hospedado no Brasil.
O ranking do abuso
Entre 1999 e 2009, a Polícia Federal instaurou 949 inquéritos no país, mas só 138 internautas foram indiciados. Confira os estados onde há maior número de investigações
São Paulo – 350 inquéritos/ 33 indiciados
Rio de Janeiro – 88 inquéritos/8 indiciados
Rio Grande do Sul – 76 inquéritos/ 23 indiciados
No Brasil a operação buscou alvos em 11 estados e no Distrito Federal.
Em Minas havia 10 suspeitos e seis foram presos. Um está foragido. Na casa dos outros três não havia material de pornografia infantil e eles responderão ao inquérito em liberdade.
Desde 2006, 20 mil crimes de pornografia infantil foram consumados no Orkut,
só no Brasil.
Denúncias de internautas provocaram a
retirada de mais de 300 mil imagens de sites
do mundo todo.
Há cerca de 700 sites ativos que comercializam vídeos e fotos de abuso sexual de crianças no mundo, nenhum deles hospedado no Brasil.
O ranking do abuso
Entre 1999 e 2009, a Polícia Federal instaurou 949 inquéritos no país, mas só 138 internautas foram indiciados. Confira os estados onde há maior número de investigações
São Paulo – 350 inquéritos/ 33 indiciados
Rio de Janeiro – 88 inquéritos/8 indiciados
Rio Grande do Sul – 76 inquéritos/ 23 indiciados
Minas Gerais – 64 inquéritos/ 7 indiciados
Paraná – 63 inquéritos/ 14 indiciados
Fontes: Polícia Federal/ONG Safernet
*Mariadapenhaneles
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