A China falará... (grosso)
17/6/2012, Charles Gray,
Global Times, Pequim
“(...) Aproxima-se
mais um prazo crucial: 1º de julho. Nessa data, os EUA estarão obrigados a
“castigar” a China por o país ter ignorado as sanções contra o Irã. A China é o único
caso em que, até agora, os EUA não concederam a chamada “isenção”. E agora?
Washington recolherá a cauda-crista de pavão e concederá a “isenção”? O mais
provável é que, sim, sim, sem dúvida. Como preveem os especialistas em Dinheiro,
da rede CNN [1] “os EUA não estão em
posição que lhes permita desencadear guerra comercial contra a China.
Com certeza Obama & Clinton inventarão algum
álibi e, sim, a China receberá a isenção [e o que mais exija]”. [2]
A
decisão de não garantir à China qualquer tipo de isenção nas sanções unilaterais
que os EUA tentam impor contra importadores de petróleo iraniano, considerada à
primeira vista, já parece insana.
[Mais bem analisada, é decisão do mais
irresponsável e temerário oportunismo]. Vila
Vudu
Aquelas
sanções, autorizadas pela Lei de Defesa Nacional [ing. National Defense
Authorization Act (NDAA)] para o ano fiscal de 2012, visam nações que
continuam a importar petróleo do Irã e não demonstraram ao governo dos EUA que
tomaram medidas para reduzir suas importações daquele país.
É
exigência que, evidentemente, ofende muitos países. De fato, a Lei de Defesa
Nacional dos EUA obra para estender a soberania dos EUA a todos os países que
aquela lei cita. A lei “determina” e informa à China que os EUA, não a China,
decidirão quanto e como as instituições financeiras chinesas gastarão da própria
moeda.
Mesmo
que se ignore a longa e escandalosa história do ocidente tentar impor controles
sobre a economia chinesa, o que aí se vê é indefensável agressão à soberania
econômica da China.
Nem
nações que, como a Índia, receberam o “favor” da isenção e foram “liberadas” de
obedecer aos EUA, têm muito a agradecer aos EUA. A Índia descreveu o ato como
regido, exclusivamente pela lei norte-americana é válido, evidentemente, só
em território dos
EUA. É mais que claro que o governo da Índia não quer que os
indianos vejam o quanto o próprio governo curvou-se às exigências descabidas dos
EUA.
Nada
menos provável do que supor que o governo chinês se deixará apanhar nessa
posição de submissão às “ordens” dos EUA. As sanções enfurecerão a opinião
pública chinesa, no curto prazo. No longo prazo, serão duro teste à capacidade
dos diplomatas chineses, para conviver com os desmandos dos EUA pelo mundo.
Por
ironia, a obsessão norte-americana com as tais “sanções” reduzirá a capacidade
dos chineses, na luta para convencer o Irã de que mais transparência e mais
cooperação promoverão com mais eficácia o interesse dos próprios iranianos.
Além
de tudo isso, as consequências financeiras das sanções sempre serão devastadoras
para os EUA, ainda mais que para a China. No mínimo, farão aumentar
perigosamente a incerteza, nos mercados financeiros. E o risco só aumenta,
porque sem dúvida alguma a China retaliará contra instituições financeiras
norte-americanas.
No
limite extremo, pode acontecer de romperem-se as relações de comércio entre EUA
e China. No pior cenário, o mundo será assim lançado de volta à mais
desesperadora depressão.
Barack Obama e Hillary Clinton |
Mas...
o presidente Barack Obama e a secretária de Estado Clinton dos EUA sabem
perfeitamente disso tudo e conhecem perfeitamente todos esses riscos. Por que,
sendo assim, tomaram essas decisões temerárias? A resposta mais provável é que
falam, falam, mas não têm qualquer intenção de realmente tentar impor qualquer
tipo de “dever de obedecer” à China.
Tudo
leva a crer que o movimento de Obama e Clinton visa, exclusivamente ao cenário
doméstico e absolutamente pouco tem a ver com Irã ou China – ou com o mundo
real.
Obama
enfrentará eleições difíceis e seus adversários têm tentado usar a “questão
chinesa” como arma contra ele. Negando qualquer isenção à China, quanto ao
“dever” de não importar petróleo iraniano, Obama expõe-se ao ridículo aos olhos
do mundo mas – como há quem suponha –se fortalece no plano eleitoral doméstico.
Mais
significativo: Obama tem poder, nos termos da mesma Lei de Segurança Nacional,
para adiar para depois das eleições a aplicação de sanções. E parece esperar
que, reeleito, possa renegociar essa e outras questões, de posição mais forte do
que a sua, hoje, quando é mais candidato à reeleição, que presidente dos EUA. Ou
o problema de acertar-se com a China ficará para o Republicano que o suceder.
Em
outras palavras: a decisão do governo Obama, de negar qualquer isenção à China,
na questão das sanções contra o Irã, não é ameaça de mais sanções futuras: não
passa, de fato, de movimento “de campanha eleitoral”, para escapar de confronto
político direto com outros candidatos.
Nada
disso, de fato, reduz o risco de dano potencial grave às relações entre China e
EUA.
A
primeira questão é a mais visível: sejam ameaças cenográficas ou não, mesmo
assim as ameaças de Obama contra a China criam riscos para a economia doméstica
chinesa e são agressão direta ao direito de o governo chinês gerir a própria
política exterior sem ser chantageado. Não há hoje dúvida alguma de que a China
mantém relações comerciais plenas e legítimas com o Irã, sem qualquer infração a
qualquer resolução da ONU ou desrespeito a qualquer lei internacional. Infração
e erro (além de chantagem) cometem, isso sim, os EUA, ao tentar impor leis
norte-americanas e controles norte-americanos e interesses nacionais dos EUA a
outras nações soberanas.
Além
do impacto de curto prazo, a via de ação pela qual Obama e Clinton estão optando
gerará ambiente mundial em que cada dia menos os EUA encontrarão nações
dispostas a cooperar, sobretudo se as nações pressentirem que estejam sendo
chantageadas ou coagidas a cooperar. Com isso, aumentarão ainda mais as já
graves dificuldades que o mundo enfrenta hoje para chegar a soluções
multilateralistas para os problemas.
Diferente
do que os EUA dizem, o Irã não representa nenhum tipo de ameaça imediata à
segurança do mundo. Mas as sanções que os EUA tentam obcecadamente impor, contra
interesses e direitos de nações soberanas, como a China e outras, essas, sim,
ameaçam a estabilidade da ordem mundial.
Hoje,
os EUA – não o Irã – são o principal obstáculo a impedir que se construam
abordagem efetivamente multilateralistas e progressistas para superar as
dificuldades que tantos países e povos enfrentam, em todo o mundo.
*redecastorphoto
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