‘Quando venho para a Oban, deixo o coração em casa’, dizia o militar do Exército
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Reprodução da carteira de identidade de Benoni Albernaz, adulterada por ele para incluir a patente de coronel
Agência O Globo
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SÃO PAULO - O capitão Benoni de Arruda Albernaz tinha 37 anos,
sobrancelha arqueada, riso de escárnio e fazia juras de amor à pátria
enquanto socava e quebrava os dentes da futura presidente do Brasil
Dilma Vana Rousseff, na época com 23 anos. Ele era o chefe da equipe A
de interrogatório preliminar da Operação Bandeirante (Oban) quando Dilma
foi presa, em janeiro de 1970. Em novembro daquele ano, seria
registrado o 43º entre os 58 elogios que Albernaz recebeu nos 27 anos de
serviços prestados ao Exército.
“Oficial capaz, disciplinado e leal, sempre demonstrou perfeito
sincronismo com a filosofia que rege o funcionamento do Comando do
Exército: honestidade, trabalho e respeito ao homem”, escreveu seu
comandante na Oban, o tenente-coronel Waldyr Coelho, chamado por Dilma e
por colegas de cela de “major Linguinha”, por causa da língua presa que
tinha.
Um torturador com diploma do Mérito Policial
Quinze anos depois, os caminhos percorridos por Albernaz não o levaram à
condição de herói nacional, como ele imaginava. Registro bem diferente
foi associado a seu nome na sentença do Conselho de Justiça Militar em
que foi condenado a um ano e seis meses de prisão por falsidade
ideológica. “Ética, moral, prestígio, apreço, credibilidade e estima são
valores que o militar deve desfrutar junto à sociedade e ao povo de seu
país. A fé militar e o prestígio moral das instituições militares
restaram danificadas pelo comportamento do réu”, concluiu o presidente
do conselho, João Baptista Lopes.
A prensa nada tinha a ver com as sessões de tortura comandadas por
Albernaz na Oban. Sua agressividade parecia se encaixar como luva na
estrutura criada para exterminar opositores do regime. Apenas um ano
depois de torturar Dilma e pelo menos outras três dezenas de opositores,
ele recebeu das mãos do então governador de São Paulo, Abreu Sodré, o
diploma da Cruz do Mérito Policial.
Filho de militar que representou o Brasil na 2ª Guerra Mundial, Albernaz
nasceu em São Paulo e seguiu a carreira do pai. Classificou-se em 107º
lugar na turma de 119 aspirantes a oficial de artilharia em 1956, mesmo
ano em que se casou. Serviu no Mato Grosso do Sul antes de ser
transferido para Barueri, em São Paulo, no início dos anos 1960.
Tinha fixação pela organização de paradas de Sete de setembro. Estava na
guarda do QG do Exército na capital paulista, em fevereiro de 1962,
quando o comandante foi alvo de atentado à bala. Conseguiu correr atrás
do autor e o espancou. Virou pupilo do general Nelson de Mello, que mais
tarde viraria ministro da Guerra no governo de João Goulart.
Estava em férias na noite do golpe militar de 1964 e, ainda assim,
apresentou-se espontaneamente para o serviço. Em 1969, representou o
comando de sua unidade na posse do secretário de Segurança Pública de
SP, o general Olavo Viana Moog, um dos futuros comandantes do grupo que
exterminou a Guerrilha do Araguaia.
Neste mesmo ano foi convocado pelo general Aloysio Guedes Pereira para
servir na recém-criada Oban, centro de investigações montado pelo
Exército para combater a esquerda armada. Foi lá que Dilma o conheceu.
“Quem mandava era o Albernaz, quem interrogava era o Albernaz. O
Albernaz batia e dava soco. Começava a te interrogar; se não gostasse
das respostas, ele te dava soco. Depois da palmatória, eu fui pro pau de
arara”, disse a presidente em depoimento dado, no início dos anos 2000,
para o livro “Mulheres que foram à luta armada”, de Luiz Maklouf
Carvalho.
Em 2001, em relato à Comissão de Direitos Humanos de Minas Gerais, Dilma
afirmou que já tinha levado socos ao ser interrogada em Juiz de Fora
(MG), em maio de 1970, e que seu dente “se deslocou e apodreceu”. No
mesmo depoimento, ela explicou: “Mais tarde, quando voltei para São
Paulo, Albernaz completou o serviço com socos, arrancando meu dente”.
Telefone de magneto era usado para choques elétricos
Albernaz era conhecido por se divertir dizendo aos presos que, por ser
muito burro, precisava ouvir respostas claras. Tinha na sala um telefone
de magneto que era usado para “falar com Fidel Castro”, metáfora para a
aplicação de choques elétricos, segundo relato de Elio Gaspari no livro
“A Ditadura Escancarada”.
“Quando venho para a Oban, deixo o coração em casa”, explicava às
vítimas. Uma delas foi o coordenador do sequestro do embaixador
americano Charles Elbrick, Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, primeiro
preso a desaparecer após a edição do AI-5.
O mesmo general que convocara Albernaz para a Oban anos depois assinou
relatório informando que Jonas “evadiu-se na ocasião em que foi
conduzido para indicar um aparelho da ALN”. Trinta anos depois, O Globo
noticiaria a existência de um relatório em que militares admitem a
morte do guerrilheiro em decorrência de “ferimentos recebidos”.
— Albernaz era um homem terrível, o torturador mais famoso da Oban naquela época — confirmou ao Globo Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, que foi preso alguns meses depois dela e submetido aos mesmos procedimentos da ex-mulher.
Renegado pelo Exército e atolado em dívidas
O trabalho na Operação Oban fez com que Benoni Albernaz caísse em
desgraça na própria família. Aposentado e dono de uma fazenda em
Catalão, Goiás, o pai se chateava ao saber do comportamento do filho:
— Ele usava o poder que tinha para extorquir as pessoas, e o pai ficava
triste. Sempre foi uma família esquisita, muito desunida — conta a dona
de casa Maria Lázara, de 60 anos, irmã de criação do capitão.
— Olha, acho que uma vez ele caiu do cavalo numa parada militar, antes
da ditadura, e o cavalo pisou na nuca dele. A partir daí, ele não ficou
bom da cabeça — supõe a prima Noemia da Gama Albernaz, que hoje vive em
Cuiabá.
Albernaz deixou a Oban em fevereiro de 1971, quando o aparelho já havia
se transformado no DOI-Codi. Por três vezes tentou fazer o curso de
operações na selva, mas teve a matrícula recusada. Foi transferido para o
interior do Rio Grande do Sul, passando da caça a comunistas às
operações de rotina em estradas de fronteira. O Exército tentava
renegá-lo. Em março de 1974, foi internado em Porto Alegre, vítima de
envenenamento.
Albernaz tinha problemas com dinheiro. Foi denunciado pelo menos cinco
vezes por fazer dívidas com recrutas e não pagá-los, apesar das
advertências de seus superiores. Estava lotado no setor medalhístico da
Divisão de Finanças do Exército, em Brasília, quando foi declarado
inabilitado para promoções, por não satisfazer a dois requisitos:
“conceito profissional” e “conceito moral”. Em março de 1977, o
presidente Ernesto Geisel o transferiu para a reserva.
Em um escritório no Centro de São Paulo, passou a coagir clientes a
comprar terrenos vestido com farda falsificada de coronel — embora
tivesse sido transferido para a reserva como major — e dizendo-se
integrante do SNI.
— Você é uma estrela de nossa bandeira. Vamos investir juntos, ombro a
ombro, peito aberto — dizia aos clientes, segundo registros de
reclamação levadas ao Exército, pistas que levariam à sua condenação por
falsidade ideológica.
Em 1980, intermediou transações de ouro de baixa qualidade no Pará,
vendendo como vantagem seu acesso aos garimpos. Nunca foi
responsabilizado pelo espancamento, por encomenda, de um feirante de
origem japonesa.
— Se não pagar agora, vai preso para o Dops — ameaçou, já em 1979, quando não mais pertencia ao Exército.
O agredido foi à delegacia prestar queixa e, ao saber disso, Albernaz baixou no local.
— Sou amigo íntimo do presidente da República, foi ele quem me deu isso —
falou ao delegado, mostrando a pistola Smith & Wesson. — Na lista
de torturadores, sou o número 2.
No fim dos anos 1980, Albernaz estava atolado em dívidas. Não conseguiu
pagar a hipoteca e foi acionado pelo menos quatro vezes em ações de
execução extrajudicial. Sofreu um infarto quando estava no apartamento
da namorada, nos Jardins, em São Paulo, em 1992. Chegou morto ao
Hospital do Exército. Deixou três filhos e herança de R$ 8,4 mil para
cada, resgatados 15 anos após sua morte, quando fizeram o inventário.
Nenhum deles quis falar.
— Siga em frente com o seu trabalho, que a gente está seguindo em frente
aqui também — disse o filho Roberto, dentista, desligando o telefone.
— Isso é coisa do passado, gostaria que não me incomodasse — completou a também dentista Márcia Albernaz.
— Esquece nossa família, vai ser melhor para você — disse Benoni Júnior, médico do Exército.
"Consideramos que os estatutos e as regulamentações do Mercosul não
estão sendo cumpridos. Não podem permitir o acesso de nenhum Estado sem
que o Paraguai o aceite", afirmou o presidente da UIP, Eduardo Felippo.
Segundo ele, as decisões tomadas em Mendoza (Argentina) foram "a gota
d'água" para os industriais paraguaios, já insatisfeitos com as
barreiras comerciais de parte da Argentina. "Nós nos retiramos do
Mercosul. Se necessário, vamos pedir que se faça um referendo nacional",
disse Felippo, que lamentou que tenha imperado no bloco o "poder
político" da Venezuela.
O titular da UIP se mostrou favorável a "buscar outros acordos no mundo"
em nível comercial porque, segundo ele, embora a medida do Mercosul não
seja uma sanção econômica, "vai trazer alguns problemas".
O Mercosul anunciou nesta sexta-feira que pretende incorporar a
Venezuela como membro pleno em julho, sem o aval do Congresso do
Paraguai, país que foi suspenso do bloco até as eleições de abril de
2013 devido à destituição de Fernando Lugo da Presidência paraguaia
durante um julgamento político no Senado do país.