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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, julho 01, 2012

Kassab contra a solidariedade


Não vai longe certa visão sanitarista abraçada pelas autoridades municipais da cidade de São Paulo, que se fez manifesta em vistosas placas verdes que determinavam a proibição de atrair pombos nas praças públicas.

Os termos do alerta não fazia referência ao ato de alimentar aves, porque proibi-lo traria implícita consigo a admissão da naturalidade da presença delas nos espaços públicos, como fora durante o longo tempo em que não se imaginava uma área verde sem os agitados tico-ticos e pombos brancos trazidos pela corte de D. João VI.

Afastados os pombos, ainda que o retardasse a teimosia recalcitrante de idosos e crianças cuja sensibilidade não entendia quais as ameaças oferecidas pelos pequenos animais que tanta vida traziam à praça, o imperativo da higiene alcançou os próprios seres humanos.

Não da forma enviesada como pretenderam os alertas destinados aos amantes de aves 30 anos antes, mas de maneira direta, explícita, chocante como jamais o imaginaria aquele que sendo humano conviva entre homens, e não entre feras, na ambiência da cidade.

É proibido alimentar pessoas, decretou há poucos dias o prefeito Kassab. Da mesma forma como décadas antes confiscavam os fiscais da prefeitura as migalhas de pão em mãos de aposentados nas manhãs de domingo, homens armados da prefeitura tem ordens agora de confiscar pratos de sopa das mãos de quem os receba de caridosos concidadãos.

Apressam-se as autoridades em atribuir a insólita ordem à busca de eficiência dos serviços municipais voltados à população em situação de rua. Julgam-na uma decisão administrativa como qualquer outra, que regra as atividades desenvolvidas na cidade e as coisas que lhe são próprias.

Ao dar primazia aos inexistentes serviços prestados pelo governo municipal, pelo menos na escala e amplitude necessária, o que se assiste é ao Estado interferir na relação solidária entre pessoas, obstar o exercício de práticas humanitárias que nunca se pensou pudesse qualquer governo  visar.

Dá-se com a iniciativa passo ousado para criminalizar a solidariedade humana dirigida à mitigação da pobreza, à ação individual que permite ao ser humano enxergar-se como tal. Manifestar humanidade e fazer aquilo que o Estado tarda a fazer está prestes a tornar-se crime. A crueldade está aponto de virar política de governo, para espanto daqueles que pensavam não chegar a tanto a insensibilidade de tecnocratas de governo.

Rebelar-se contra essa ignomia é mais que um direito, é uma imposição do sentimento humano. Que sejam estilhaçados, pois, os vidros do gabinete do Sr Prefeito, para lembrar a todos os governantes que ninguém está obrigado a perder sua humanidade em razão de regras municipais.
*Brasilquevai

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