Pela extinção da PM
No
final do mês de maio, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu a
pura e simples extinção da Polícia Militar no Brasil. Para vários
membros do conselho (como Dinamarca, Espanha e Coreia do Sul), estava
claro que a própria existência de uma polícia militar era uma aberração
só explicável pela dificuldade crônica do Brasil de livrar-se das
amarras institucionais produzidas pela ditadura.
No
resto do mundo, uma polícia militar é, normalmente, a corporação que
exerce a função de polícia no interior das Forças Armadas. Nesse
sentido, seu espaço de ação costuma restringir-se às instalações
militares, aos prédios públicos e aos seus membros.
Apenas
em situações de guerra e exceção, a Polícia Militar pode ampliar o
escopo de sua atuação para fora dos quartéis e da segurança de prédios
públicos.
No Brasil, principalmente depois da
ditadura militar, a Polícia Militar paulatinamente consolidou sua
posição de responsável pela completa extensão do policiamento urbano.
Com isso, as portas estavam abertas para impor, à política de segurança
interna, uma lógica militar.
Assim, quando a
sociedade acorda periodicamente e se descobre vítima de violência da
polícia em ações de mediação de conflitos sociais (como em Pinheirinho,
na cracolândia ou na USP) e em ações triviais de policiamento, de nada
adianta pedir melhor "formação" da Polícia Militar.
Dentro
da lógica militar, as ações são plenamente justificadas. O único
detalhe é que a população não equivale a um inimigo externo.
Isto
talvez explique por que, segundo pesquisa divulgada pelo Ipea, 62% dos
entrevistados afirmaram não confiar ou confiar pouco na Polícia Militar.
Da mesma forma, 51,5% dos entrevistados afirmaram que as abordagens de
PMs são desrespeitosas e inadequadas.
Como se não bastasse, essa Folha
mostrou no domingo que, em cinco anos, a Polícia Militar de São Paulo
matou nove vezes mais do que toda a polícia norte-americana ("PM de SP mata mais que a polícia dos EUA", "Cotidiano").
Ou
seja, temos uma polícia que mata de maneira assustadora, que age de
maneira truculenta e, mesmo assim (ou melhor, por isso mesmo), não é
capaz de dar sensação de segurança à maioria da população.
É
fato que há aqueles que não querem ouvir falar de extinção da PM por
acreditar que a insegurança social pode ser diminuída com manifestações
teatrais de força.
São pessoas que não se sentem
tocadas com o fato de nossa polícia torturar mais do que se torturava
na ditadura militar. Tais pessoas continuarão a aplaudir todas as vezes
em que a polícia brandir histericamente seu porrete. Até o dia em que o
porrete acertar seus filhos.
VLADIMIR SAFATLE escreve às quartas-feiras nesta coluna.
Vladimir Safatle
é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP
(Universidade de São Paulo). Escreve às terças na Página A2 da versão
impressa.
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