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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, julho 26, 2012

A disputa pelos restos da Líbia: “A Líbia é a próxima Somália?”


 

 do redecastorphoto
Thomas C. Mountain, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Thomas C. Mountain
é o jornalista independente mais credenciado da África. Vive e trabalha na Eritreia desde 2006. Suas entrevistas podem ser assistidas no jornal Russia Today TV e PressTV (Irã).
Recebe e-mails em: thomascmountain@yahoo.com .
A Líbia dá sinais de estar-se convertendo na próxima Somália, com grande parte do país já controlado por milícias armadas de clãs ou tribos. Como se viu acontecer na Somália, a Líbia está no processo de dividir-se, criando-se a leste a Cirenaica, rica em petróleo, que já lançou sua proclamação de independência de facto.
Trípoli, a capital da Líbia, parece estar andando na direção de converter-se no que foi Mogadishu, capital da Somália há 20 anos, com incontáveis milícias bem armadas, de áreas das periferias urbanas, que se instalam nas cidades e envolvem-se em infindáveis confrontos por território, disputando os restos de poder.
O único governo nacional real e modernizante que a Líbia jamais conheceu foi o governo de Gaddafi, assim como o único governo modernizante que houve na Somália foi o governo de Siad Barre.
Os dois países foram criados pelo colonialismo italiano e passaram a integrar o Império Colonial Italiano na África. Nenhum dos dois jamais teve qualquer unidade histórica. Antes do colonialismo italiano, a Líbia era algumas cidades-estado e as tribos, a maioria das quais absolutamente nômades.
Antes do colonialismo italiano, jamais existiu nem algum Rei da Somália nem alguma Terra da Somália governada por conselho tribal ou clânico, chefes ou conselhos de grandes chefes.
Nem num país nem no outro jamais se constituiu nação, antes exatamente o contrário. Mesmo assim, durante algum tempo, os dois países viveram bem – por difícil que seja acreditar, no caso da Somália.

A Líbia antes e depois do"Bombardeio Humanitário" da OTAN
(Clique na imagem para aumentar)
Em 2011, a Líbia foi destruída por bombardeio aéreo quase sem precedentes, com mais de 10 mil ataques aéreos, que despejaram sobre os líbios cerca de 40 mil peças explosivas de alto poder de destruição, durante cerca de oito meses. 40 mil bombas, matando cada uma duas pessoas em média, e, só até aí, já seriam 80 mil líbios mortos pela OTAN em 2011. De uma população muito pequena, de cerca de 6 milhões.
A destruição que a OTAN provocou na Líbia equivale a cerca de 100 mil ataques aéreos sobre a Grã-Bretanha, com cerca de 400 mil bombas que matassem 800 mil britânicos em oito meses. Assim, afinal, se pode ter ideal realista da escala da desgraça que a OTAN levou à Líbia.
A Líbia hoje exporta mais de 90% de sua produção de petróleo e gás de antes da guerra, quase 2 milhões de barris/dia, de um dos melhores tipos de petróleo que há no planeta. Para onde vão os quase 200 milhões de dólares diários, 6 bilhões por mês, mais de 70 bilhões de dólares ao final de 2012, permanece mistério quase absoluto.

Abdelhakim Belhadj
O chefão da Al-Qaeda e dos rebeldes líbios que fez o serviço mais sujo depois do bombardeio pela OTAN é o muitas vezes infame Abdelhakim Belhadj, ex-comandante da Al-Queda no Iraque e capo da Al-Queda no Norte da África. Hoje, comanda a maior, a mais militarmente bem organizada e a mais eficiente milícia que opera em Trípoli. Sob seu comando, operam milícias tribais de diferentes tamanhos e competências, entre as quais as milícias de Zintan que mantêm preso Saif al Islam Gaddafi.
Em relações de uma paz difícil com essas milícias, está o Conselho Nacional de Transição, chefiado, pelo menos em parte, por vários dos ex-comandantes de Gaddafi.
Eleições comandadas por um “governo” lá implantado pela OTAN não passam de artifício para encobrir a ilegitimidade do atual regime, cujo único projeto de governo é receber os 70 bilhões anuais da renda do petróleo e os dividendos dos $100 bilhões do fundo soberano líbio depositado em bancos ocidentais.
No campo oposto, contra, ao mesmo tempo, Belhaj e o Conselho Nacional de Transição, está o que se conhece como “Resistência Verde”, que a imprensa-empresa ocidental chama de “militantes pró-Gaddafi”. São grande parte da maior tribo que há na Líbia, os Warfalla, tribo da mãe de Saif al Islam, e dos quais se diz que, aos poucos, começam a organizar forças de autodefesa, para proteger suas comunidades contra ataques de senhores-da-guerra e respectivas milícias.

Saif al Islam Gaddafi
Belhaj esteve preso na Líbia, onde foi torturado por gente que, hoje, circula entre os capi do Conselho Nacional de Transição, entregue a eles como prisioneiro, pela CIA-EUA, num dos programas pelos quais prisioneiros da CIA eram entregues a outros países para serem interrogados. A tortura de Belhaj só acabou quando Saif al Islam Gaddafi convenceu seu pai a perdoar Belhaj e seus chefes, em troca de uma promessa de coexistência pacífica que Belhaj imediatamente traiu.
O que se sabe é que Belhaj tem manifestado alguma espécie de benevolência em relação a Saif al Islam, o que pode explicar por que o filho de Gaddafi continua vivo, mantido a salvo, longe do alcance, ao mesmo tempo, da Corte Internacional de Justiça e do Conselho Nacional de Transição, entregue à proteção de aliados de Belhaj em Zintan.
É altamente provável que Belhaj esteja operando para assumir o controle sobre os bilhões do petróleo, mantendo-os fora do alcance do governo imposto pela OTAN, ao mesmo tempo em que trabalha para vingar-se de seus ex-torturadores, hoje no Conselho Nacional de Transição confinados em Benghazi (quando não estão fora do país). 
Para conseguir o que almeja, Belhaj pode bem se interessar por aceitar um acordo de cessar-fogo com a Resistência Verde, a qual também quer o fim do governo do Conselho Nacional de Transição fantoche da OTAN. Descartado o Conselho Nacional de Transição, poder-se-á talvez cogitar de um acordo de paz entre Belhaj e Saif al Islam, para tentar pôr fim ao fogo e ao sangue que ainda pinga dos sabres, na Líbia.
Mas isso também pode não passar de delírio desejante, e depende de a OTAN não intervir militarmente para defender “seu” Conselho Nacional de Transição – ameaça presente que, por sua vez, pode explicar a paciência de que Belhaj e seus aliados têm dado várias provas.
Quem sabe? A verdade muitas vezes é mais estranha que qualquer ficção. E o que hoje parece delírio desejante pode converter-se em realidade, amanhã ou depois de amanhã. Mas, no que tenha a ver com a Líbia estar caminhando na direção de converter-se numa nova Somália, sim, a história indica precisamente esse rumo.
*GilsonSampaio

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