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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, julho 28, 2012

Jornal critica intolerância evangélica contra seguidores de umbanda


Jornal diz que os fanáticos deveriam tirar lições da história do
cristianismo, no período em que foi perseguido pelos romanos

editorial do Jornal do Commercio, de Pernambuco
De tão antiga e tão arraigada à história de todos os povos, a intolerância religiosa se presta normalmente a estudos acadêmicos, mas quando se torna ato de agressão física ou moral a questão desce ao plano policial e é, sim, matéria jornalística. Como vem sendo desde o bárbaro assassinato de uma criança no que se divulgou como “ritual de magia negra” no interior de Pernambuco. Sinal para que grupos evangélicos saíssem do já conhecido teatro de condenações, a tela de TV, para a manifestação direta contra os seguidores de umbanda, com ameaças de violência e gestos de intolerância inaceitáveis.

Esse é um capítulo à parte na história contemporânea do nosso País, principalmente pelo crescimento das denominações pentecostais, que curiosamente associam o demônio às manifestações religiosas de matriz africana quando se trata de uma criação cristã. Todos os preconceitos que alimentam a intolerância religiosa recaem sobre expressões quase sempre desconhecidas, como o vodum e as entidades do panteão da religiosidade afro-brasileira, que recebemos como fruto de um dos capítulos mais sujos de nossa história: a escravidão.

Antes de condenar e perseguir práticas religiosas que desconhecem, esses grupos que atacam quem não reza pelo seu livro deveriam recorrer à história de suas próprias crenças para encontrar as mesmas formas de intolerância que fez a perseguição romana contra os cristãos, destes contra os judeus, a perseguição católica contra os protestantes, até as mais recentes manifestações da “religião” nazista.

Mais que atentar para a história das crenças, cabe lembrar aos fanáticos de todas as denominações que há princípios e leis que asseguram o direito de acreditar, ou não acreditar, em divindades, e que há punição assegurada pelo Estado – entidade sem religião – para quem viola essas normas. É por essas razões que causam inquietação as manifestações de grupos evangélicos contra os seguidores de umbanda, assim como é impensável se associar a práticas religiosas afro-brasileiras algo como ritual de magia negra, com sacrifícios humanos.

Também não podem os intolerantes – tão cuidadosos em pautar suas vidas pela Bíblia – desconhecer que esse livro contém muito sangue e até remete a manifestações que seriam não apenas criminosas do ponto de vista laico, como inaceitáveis na visão do religioso dos dias de hoje. Basta que recorram aos episódios que falam de sacrifício humano e de animais, culminando com o capítulo 9º da Carta aos Hebreus, onde trata do “sangue da nova aliança”. É um trecho coberto de sangue, com expressões como: “E, segundo a Lei, quase todas as coisas são purificadas com sangue, e sem derramamento de sangue não existe perdão”. Essa é a coluna ideológica com que fanáticos de todas as latitudes têm tentado legitimar seus atos, em quaisquer circunstâncias inaceitáveis em uma sociedade onde a liberdade de crença e culto e, sobretudo, o direito à vida, têm a proteção de todas as leis.

Transcrição da edição de hoje do Jornal do Commercio.

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Paulopes

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