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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
segunda-feira, setembro 24, 2012
A folha corrida, quer dizer, o “currículo” de Russomano
O candidato do PRB à Prefeitura de São Paulo não é um candidato de muito currículo, mas tem história.
Russomano é mais velho do que eu, mas a gente já esteve próximo num
certo momento da vida. Ele fazia o programa Circuito Night and Day e eu o
Contramão, na TV Gazeta. O programa do qual fui repórter, ia para o ar
antes do dele. Eu conheço algumas histórias do atual líder nas
pesquisas, mas dando uma googlezada achei outras também bastante
interessantes.
Apesar dessa imagem quase heróica que cultiva, Russomano possui uma
folha corrida, ops…, um passado complicado. Como o candidato não aceita
falar dessas questões, César Tralli que o diga, relaciono abaixo a
“folha” do “herói” do consumidor.
Crime de peculato
Em 2008, Russomano foi acusado no STF de peculato, que nada mais é que a
apropriação, ou desvio, de recursos públicos em proveito próprio. O
candidato do PRB teria desviado verba da Câmara para pagar salário de
uma funcionária de sua empresa quando era deputado federal.
O caso chegou ao STF em 2008, mas como Russomano deixou o cargo de
deputado em 2010, o processo atualmente tramita na Justiça do Distrito
Federal. Testemunhas ouvidas no STF afirmaram que Sandra Nogueira,
funcionária do gabinete do então deputado federal Celso Russomano,
trabalhava em São Paulo como gerente da produtora de TV de Russomano, a
da Night and Day Produções.
Crime de falsidade ideológica
Celso Russomano é acusado pelo Ministério Público de São Paulo de ter
cometido o crime de falsidade ideológica. Para o órgão, o candidato
mentiu sobre seu endereço eleitoral para disputar a prefeitura de Santo
André em 2000. A lei eleitoral exige que os candidatos morem na cidade
onde se vai disputar um cargo eletivo por três meses, antes de
solicitar a transferência do domicílio eleitoral.
A acusação contra o candidato do PRB foi aceita pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) em junho. Após o Supremo receber a denúncia, o processo
voltou para a primeira instância, uma vez que Russomano deixou o cargo
de deputado federal e não possui mais direito ao foro privilegiado.
Para o Ministério Público, embora tenha afirmado em documento oficial
que residia em um apartamento na região central de Santo André,
Russomano jamais teria morado no imóvel. A ação é fundamentada no
depoimento do porteiro do edifício e no vizinho de porta do apartamento
de Russomano. Ambos afirmam nunca terem visto o candidato no prédio.
Outro indício contra Russomano é o consumo de energia do imóvel no
período em que ele teria residido no mesmo. O consumo de energia no
apartamento foi de zero kWh em dois meses e de 12 kWh em outro, média
menor que o consumo mensal de uma geladeira.
Em sua defesa, Russomano apresentou quatro testemunhas. Porém, a
promotoria as desqualificou, afirmando que uma era locador do imóvel,
outra era filiada ao seu partido e as outras duas disseram tê-lo visto
somente uma vez.
CPI do Cachoeira
Reportagem do jornal Correio Braziliense, publicada em julho
deste ano, revelou que Russomano teria R$7 milhões em uma conta no
exterior operada pela organização de Carlinhos Cachoeira.
Russomano teria recebido este dinheiro quando era deputado federal. De
acordo com o jornal, a existência desta conta aparece em um relatório
da Polícia Federal enviado à CPI.
Lobby para a Dolly
O empresário Laerte Codonho é o dono da marca de refrigerantes Dolly.
Além disso, também é sócio de Celso Russomano na ND Comunicação e
Publicidade desde 2007. Os dois se conheceram em 2003, quando Codonho
patrocinava o programa 100% Brasil, apresentado por Russomano e exibido
pela RedeTV.
Codonho também foi o maior doador para a campanha do candidato nas
eleições de 2010, quando concorreu ao governo paulista. Na ocasião, deu
R$250 mil para Russomano por intermédio da empresa Tholor do Brasil.
Com todo esse envolvimento, Russomano usou seu mandato de deputado
federal para defender o empresário, que foi condenado à prisão por crime
contra a ordem tributária.
Em 2004, Russomano apresentou à Comissão de Defesa do Consumidor, na
Câmara dos Deputados, o requerimento de número 301, no qual pedia para
que fossem investigadas denúncias sobre suposta concorrência desleal da
Coca-Cola contra a Dolly.
Codonho armou uma guerra com a gigante multinacional. Acusou a
Coca-Cola de espionagem, agressões fiscais e de querer “quebrar” sua
empresa. Até funcionário plantado ele disse que a Coca-Cola colocou em
sua empresa.
Nessa guerra, Russomano interveio ao defender que a Coca-Cola deveria
informar se havia na composição do refrigerante extrato vegetal feito a
partir da folha de coca – Codonho alegava que as substâncias derivadas
da coca eram usadas e feriam normas brasileiras, além de causarem
dependência. “O consumidor final precisa ter o direito de escolher no
mercado de consumo o melhor e mais barato. Quero saber também se existe
realmente algum derivado (da folha de coca)”, disse Russomano na época.
O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou Codonho e a Rede TV! a
pagarem indenização de R$2 milhões por danos morais à Coca-Cola. Cabe
recurso.
Bens bloqueados
Em 19 de março deste ano, a Vara da Fazenda Pública de Diadema bloqueou
os bens da ND Comunicação, agência de publicidade da qual Celso
Russomano é sócio juntamente com o dono da Dolly, Laerte Codonho, já
citado no caso acima.
O bloqueio foi pedido pela Fazenda Nacional. Russomano admitiu em
entrevista que a ND é devedora da Fazenda Nacional e está no Refis.
Lobby para a Valor Capitalização
Russomano procurou o governo federal em 2004 para defender interesses
da Valor Capitalização (empresa controlada pelo Banco Santos), a mesma
que um calote em 110 mil pessoas e quebrou pouco depois. A empresa e o
banco estão em processo de liquidação judicial.
Então deputado federal, Russomano pediu à Advocacia Geral da União
(AGU) um “parecer técnico” sobre a proposta da Valor Capitalização para
que os bingos, fechados em fevereiro de 2004, pudessem vender títulos
de capitalização.
Russomano alegava que essa era uma maneira de ocupar os imóveis que
ficaram ociosos com o fim dos bingos e dar emprego a seus
ex-funcionários. Porém, no caso da Valor Capitalização, seria uma
maneira de ampliar suas receitas e salvar o negócio.
O pedido foi rejeitado por consultores do Ministério da Fazenda que
examinaram o caso a pedido da AGU. Na época da proposta de Russomano, a
Valor Capitalização era alvo de reclamações de investidores que
consideravam-se lesados. Em 2004, a empresa acumulava 186 processos nos
Procons e 1.957 na Justiça.
Passagens aéreas com dinheiro público
Celso Russomano, na época em que era deputado federal, utilizou sua
cota parlamentar de passagens aéreas para levar seus familiares em
viagens ao exterior. Segundo o relatório de passagens fornecidas para o
gabinete do ex-deputado, entre 2007 e 2009, foram emitidos oito
bilhetes de sua cota parlamentar para familiares do ex-deputado.
De acordo com informações do jornal O Estado de S.Paulo, em
2007, foram emitidos dois bilhetes de ida e volta para Nova Iorque em
nome da filha do ex-deputado, Luara Russomano. O valor para cada trecho
foi de R$2.373,00. A filha de Russomano realizou um programa de
intercâmbio nesse ano.
Já em 2008, foi emitido um bilhete em nome da esposa do ex-deputado,
Lovani Russomano. O bilhete teve como destino Montevidéu e custou
R$1.281,14 aos cofres públicos. Na época, Russomano integrava o Parlasul
(Parlamento do Mercosul) e realizava viagens frequentes ao Uruguai
para sessões.
No período da emissão de passagens da cota parlamentar para familiares
de Russomano, a Câmara não tinha regulamentação específica para a
emissão dos bilhetes. Em 2009, o escândalo conhecido como a “farra das
passagens” estourou e atingiu 261 dos 513 deputados federais.
Pressionada pela repercussão negativa do caso, a Câmara instituiu uma
regra que determinou que as passagens só podem ser emitidas para os
deputados ou para funcionários de gabinete.
Difamação
Em julho de 2011, Russomano foi condenado a pagar R$100 mil ao
ex-diretor da Dersa, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, em primeira
instância.
O candidato havia declarado ter presenciado a prisão do engenheiro, em
junho de 2010, por suspeita de receptação de uma joia roubada, e disse
ainda que Paulo Preto portava dinheiro nas meias. Afirmou também que a
delegada do caso “estava sofrendo a maior pressão” de autoridades para
liberá-lo, o que ela negou em depoimento.
Rádio ilegal
Russomano foi acusado, em reportagem do jornal Folha de S.Paulo, de operar uma rádio em Leme, cidade do interior paulista, sem a devida concessão do Ministério das Comunicações.
À Justiça Eleitoral, o candidato declarou ser o dono da rádio Rede
Brasil. Porém, a concessão pertence a uma empresa de Cametá, cidade do
interior do Pará. A concessão foi destinada pelo Ministério das
Comunicações à empresa Amazônia Comunicações, registrada em nome de um
médico de Cametá, João Batista Silva Nunes.
O Ministério das Comunicações afirmou que não existe nenhum processo de
transferência da concessão da Amazônia para a Rede Brasil.
Advogado sem OAB
Apesar de se apresentar como “advogado”, Russomano não passou no exame
da OAB. O candidato é bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas
de Guarulhos, mas não é advogado, uma vez que ele não passou no exame
da Ordem, necessário para obter o registro que autoriza o exercício da
profissão. Em 1988 ele foi processado pela OAB por exercício ilegal da
profissão, o que configura crime.
Aliciamento de clientes
Celso Russomano também foi denunciado na OAB pela prática de
aliciamento de clientes. A denúncia foi motivada por anúncios do Plantão
Jurídico veiculados na televisão.
Russomano mantinha o serviço “Plantão Jurídico”, pelo sistema 0900, em
que oferecia pessoalmente pelo telefone uma “orientação de seus
direitos”. O serviço custava R$3,95 por minuto. Ainda que Russomano
fosse advogado, a captação de clientes por meio de anúncios é ilegal.
Acusação de suborno
Durante a CPI do Narcotráfico, em 1999, o motorista Adilson Frederico
Dias Luz acusou Russomano, sub-relator da comissão, de tentar
suborná-lo. O objetivo, de acordo com Adilson, era que ele acusasse o
advogado Artur Eugênio Matias.
O motorista afirma ter acusado o advogado em troca de sua liberdade. Na
época, a OAB/SP comunicou o fato às corregedorias do Tribunal de
Justiça e do Ministério Público de São Paulo.
Caso Inadec
No último mês de seu mandato como deputado federal, em 2010, Russomano
tentou direcionar R$1,1 milhão ao Instituto Nacional de Defesa do
Consumidor (Inadec), entidade presidida por ele, por meio de emenda no
Orçamento.
O deputado havia destinado a emenda para o Inadec com o argumento de
que não seria mais deputado em 2011, quando o Orçamento seria executado e
por isso não via irregularidade na emenda. A Lei de Diretrizes
Orçamentárias proíbe que o parlamentar destine verbas para instituições
que comanda.
Descoberta a manobra, Russomano remanejou metade dos recursos para o
Instituto do Coração (Incor) e a outra metade para a Faculdade de
Medicina da USP.
Ou seja, Russomano tem, digamos, muito a explicar. Como um outro
candidato quer tem um livro todo dedicado a ele. Um certo livro cujo
título é A privataria tucana.
No Blog Limpinho & Cheiroso
*comtextolivre
Roberto Jefferson: “Já já o Civita morre, depois de ter vivido uma vida apodrecida”
do Escrevinhador
Rodrigo Vianna
O
esgoto da imprensa está assanhado. O julgamento do “Mensalão” e as
dificuldades eleitorais do PT (que são reais, mas que não apontam para
um avanço dos demo-tucanos, nem para a retomada do programa neoliberal
defendido pela velha mídia) animaram, especialmente, a revista editada à
beira da marginal e também os blogs que chafurdam em torno do esgoto.
Esses dias, um desses blogueiros/jornalistas, de longa carreira, chegou a
dizer no site da tal revista que Lula morrerá sem saber o que é ter “vergonha na cara”. Disse ainda que Lula é “uma lenda precocemente no ocaso. Daqui a algum tempo, será um asterisco nos livros de história que nunca leu.”
Está
um pouco descontrolado (ou excitado) o tal blogueiro/jornalista… A
revista também. Numa semana, surge a entrevista sem áudio de Marcos
Valério. Na semana seguinte, a revista abre espaço para Bob Jefferson – o
pai do “Mensalão”. O objetivo, sempre, é atingir Lula. A obsessão deles
é Lula.
Só que Bob Jefferson não gostou de ser
usado pela revista de Bob Civita, em mais um ataque a Lula. Desmentiu o
teor das informações publicadas. E atacou, com notas duras contra a revista publicada às margens da marginal… Sobrou até para o dono da editora. Confira as frases de Jefferson.
BOB CIVITA
“Não
é uma pequena revista que mudará minha crença e minha convicção, assim
como não consegue, por mais que tente, mudar a verdade. Afinal, ninguém é
eterno. Já já o Civita morre, depois de ter vivido uma vida apodrecida”
”MENTIRA”
“A
revistinha diz que eu teria confessado o recebimento de R$ 4 milhões
para que meu partido, o PTB, “apoiasse o governo Lula”. Mentira! Mentira
deslavada e das mais desonestas! O dinheiro que nunca neguei ter sido
entregue ao partido, bem porque nunca neguei ou manipulei a verdade como
é de praxe a revistinha fazer, não era nem nunca foi para comprar
apoio. Era dinheiro para as campanhas eleitorais municipais que então se
avizinhavam, como se avizinham a cada quatro anos. Mentira capenga e
manca, porque o PTB, então, já era base de apoio do governo Lula e, por
isso, não precisava ser vendido. Mentira manca, de tão curtas que são as
pernas, porque o PTB nunca esteve à venda. E já que a “Veja” precisa
corrigir suas letras, pode também explicar quais os “muitos casos de
corrupção” que me atribuiu em mais uma frase desconexa da revista que só
serve de ataque gratuito e mentiroso.”
REVISTINHA
“A
revistinha suscita rancores e desrespeita a mim, que lhe recebi na
minha casa por três longas horas, o STF, que não está a seu serviço ou a
serviço de suas versões, e o leitor, que paga por jornalismo e leva
versões baratas e distorcidas para casa.”
*GilsonSampaio
Juremir: “Muitos comemoram a Revolução Farroupilha mas não conhecem sua história”
Samir Oliveira no SUL21
O jornalista e historiador Juremir Machado da Silva publicou em 2010 o
livro “História Regional da Infâmia”, no qual relata, através de
documentos, uma série de fatos pouco divulgados sobre a Revolução
Farroupilha. Dentre eles, o de que ela foi financiada com a venda de
negros.
Nesta entrevista ao Sul21, Juremir fala sobre as
constatações do livro e o processo de mitificação que se deu em cima da
história da revolução. “Os republicanos positivistas tinham noção de que
uma identidade se constrói a partir de um mito fundador. Era preciso
uma mitologia época para construir essa unidade”, explica.
Bastante criticado por expor visões “pouco gloriosas” sobre a
Revolução Farroupilha – um dos principais elementos na construção da
imagem do gaúcho brasileiro -, o jornalista conta que muitos
historiadores deixam de pesquisar o tema por causa da repercussão
negativa e hostil de seus trabalhos no Rio Grande do Sul. “Recebi
e-mails e torpedos de pessoas dizendo que iam me capar. Senti
hostilidade em muitas situações”, comenta.
“Ninguém tinha dito que a Revolução Farroupilha se financiou com a venda de negros no Uruguai”
Sul21 – Como surgiu a ideia de escrever “A História Regional da Infâmia”?
Juremir Machado – Por muitas razões. Uma delas é a
inconformidade com esse culto tradicionalista mal embasado em fatos
históricos. Como fiz faculdade de História, tinha acompanhado desde
sempre as polêmicas provocadas, primeiro, pelo Tau Golim. Em seguida,
por Moacyr Flores, Mário Maestri, Décio Freitas… Todos os historiadores
que mexeram com isso foram muito atacados, criticados e, às vezes, até
estigmatizados. Mas em determinado momento me veio a ideia de fazer um
livro, na medida em que comecei a encontrar documentos que me pareciam
interessantes. Um grande amigo meu, Luiz Carlos Carneiro, que tinha sido
meu professor de História no cursinho universitário, lá por 1980, tinha
se tornado diretor do Arquivo Histórico do RS, que tinha todo o acervo
sobre a Revolução Farroupilha. Então pude fazer a pesquisa com toda a
tranquilidade. E as pessoas que trabalhavam lá me ajudaram muito fazendo
transcrição de documentos.
Sul21 – Quanto tempo durou a pesquisa?
Juremir - Eu li toda a bibliografia existente e fui às
fontes. Li mais de 15 mil documentos e trabalhei com mais de 12 pessoas.
Foram três anos de pesquisa com estagiários, bolsistas de iniciação
científica, pessoas que contratei em Pelotas, no Rio de Janeiro e em
Porto Alegre. Debulhamos 15 mil documentos, alguns que nunca tinham sido
trabalhados.
Sul21 – Que tipo de reações o livro provocou?
Juremir - Meu livro provoca dois tipos de polêmica:
aqueles que dizem que tudo é falso e que eu preciso estudar mais; e
aqueles que dizem que o livro não traz nada de novo. Isso é falso. É
claro que o livro não parte de coisas que ninguém nunca tinha examinado,
mas aprofunda muitas dessas coisas e descobre coisas novas. Eu chamo de
documento infame toda a documentação referente ao financiamento da
Revolução Farroupilha, à compra de munição, de fardamento, de
alimentação com a venda de escravos no Uruguai. Ninguém tinha dito que,
em determinado momento, por obra de Domingos José de Almeida, a
Revolução Farroupilha se financiou com a venda de negros no Uruguai. Em
algum momento se falou que teriam vendido alguns negros para comprar uma
impressora para o jornal “O Povo”. A venda de negros para financiar a
revolução gerou, inclusive, um processo judicial. Depois que deixou de
ser ministro da Fazenda, Domingos José de Almeida entrou na Justiça da
República pedindo o ressarcimento de tudo o que tinha investido. Ele
detalha, briga, insulta e polemiza. Quer de volta o dinheiro dos negros
que vendeu. Ele dá os nomes e todas as informações sobre as vendas.
Sul21 – Como era a relação dos líderes da revolução com os
negros? Havia uma retórica pretensamente abolicionista e uma prática
diferente?
Juremir – Todos eram proprietários de escravos e viviam
em uma sociedade escravista. Então eles podiam ser escravistas, seriam
simplesmente homens de seu tempo. Mas em outros lugares estavam
acontecendo revoltas pela libertação dos negros, como no Maranhão. No
Uruguai e na Argentina, o processo de libertação dos negros estava muito
mais acelerado. Era um tempo de escravismo, mas não da mesma maneira em
todos os lugares. Falamos de Rivera e de Rosas como se fossem caudilhos
hediondos, mas eles eram muito mais avançados, progressistas e
iluministas. Nossos fazendeiros gostavam de se aliar com eles, mas
tinham medo das coisas que eles faziam, como reforma agrária e
libertação de negros. Eles eram muito mais adiantados e “perigosos”
nesse sentido.
“Os farroupilhas não eram abolicionista e não pretendiam ser. Só queriam usar os negros”
Sul21 – Há o mito consagrado de que os farroupilhas eram abolicionistas.
Juremir - Não, eles não eram. Talvez um ou dois
tivessem algum ardor nesse sentido. Mas a maioria não era. Eles
prometeram liberdade para os negros dos adversários que aceitassem ser
incorporados como soldados. Era uma forma de atrair mão de obra militar.
Mas os escravos dos próprios farroupilhas continuaram nas fazendas
trabalhando para que eles pudessem fazer a guerra. Quando a Revolução
acabou e eles voltaram para casa, continuaram escravistas. Quando Bento
Gonçalves morre, deixa um inventário com 53 escravos aos seus herdeiros.
Escravos valiam muito. Ele morreu rico, com terras, fazendas e
escravos. Quando fizeram, em Alegrete, o texto da Constituição, ela não
previa a libertação dos escravos. Se eles tivessem vencido e a
Constituição entrado em vigor, o Rio Grande do Sul continuaria sendo uma
sociedade escravista. Eles não tinham nada de abolicionistas. Claro, em
determinado momento, com a mão de obra militar minguando –
principalmente quando o Império começou a mandar mais gente -, tiveram
de recorrer aos negros dos adversários. O Domingos José de Almeida, além
de ter vendido seus negros ao Uruguai para financiar a revolução, para
ele mesmo se sustentar como ministro da Fazenda e cérebro da revolução,
continuava alugando outros negros no Uruguai e vivendo das rendas desse
aluguel. Os negros trabalhavam no Uruguai para que ele pudesse ser o
chefe revolucionário. Existem muitos exemplos de situações mais
adiantadas de libertação de escravos. No Brasil, no Uruguai, na
Argentina, no Chile… Simón Bolivar tinha libertado os escravos. A
libertação de escravos estava acontecendo com frequência. Rivera fez
isso e nós não. Os farroupilhas não eram abolicionista e não pretendiam
ser. Só queriam usar os negros.
Sul21 – Teve o episódio da batalha de Porongos…
Juremir - É curioso… Muitos historiadores reconhecem
que houve traição em Porongos, mas não demonstram como isso ocorreu. A
maior parte dos historiadores que examina Porongos pula essa etapa. Em
determinado momento essa traição era negada. Como os líderes
farroupilhas tinham prometido liberdade aos negros dos adversários, com o
fim da revolução começam a ficar preocupados e receosos de que os
negros possam querer se vingar caso isso não ocorra. Era um contingente
expressivo de escravos. Então os líderes farroupilhas estavam numa
contradição, já que esses negros pertenciam a adeptos dos imperiais, que
os queriam de volta. Foi aí que veio aquela ideia “maravilhosa” de
diminuir esse contingente ao máximo e fazer um pacto para eliminá-los. A
cilada de Porongos chega a ser simplória. Os negros foram realmente
desarmados e dizimados. Canabarro recebeu o aviso de um possível ataque e
desarmou os homens, foi tudo muito preparado. Um outro aspecto que o
meu livro vai adiante é em relação ao destino dos negros farrapos. Nem
todos morreram. Sobraram alguns deles. Uns escaparam, conseguiram fugir a
cavalo, e muitos caíram prisioneiros. Sempre se discutiu o que teriam
feito com esses negros. Os farroupilhas dizem que Caxias libertou todos,
incorporou ao Exército e conferiu a eles uma condição quase de
enobrecimento. E alguns diziam que eles tinham sido enviados para o Rio
de Janeiro, para a fazenda imperial Santa Cruz.
Sul21 – O que aconteceu?
Juremir - Fui atrás e consegui documentos mostrando
para onde eles foram. Eles foram entregues pelos farroupilhas e foram
transportados. Consegui documentos sobre como eles foram transportados,
até com o nome do navio. Eles foram para o Rio de Janeiro, para o
arsenal da Marinha.
“A Revolução Farroupilha foi feita pela Farsul da época com os métodos das Farc”
Sul21 – Politicamente, havia alguma unidade entre os líderes da revolução?
Juremir - Era um saco de gatos. Antes de 1835 havia
gente que oscilava. Bento Gonçalves, por exemplo, era um monarquista,
não era republicano. Neto não era republicano. Bento Gonçalves tinha
pendores para fazer uma associação com o Uruguai. Ele se relacionava com
o Rivera e pensava, volta e meia, em uma perspectiva de junção com o
Uruguai. Mas também não era algo muito convicto. Em 1834 aconteceu a
principal causa da Revolução Farroupilha: um surto de carrapatos que
devorou o gado. Os fazendeiros ficaram com um prejuízo enorme e fizeram
exatamente como os pecuaristas fazem hoje em dia: quiseram repassar o
prejuízo ao Império. Mas essa ajuda do governo central não vinha. Por
outro lado, havia um contexto de muitos militares no Rio Grande do Sul.
Em 1831, quando Dom Pedro I abdicou, muitos militares foram mandados
para cá, numa espécie de geladeira, porque tinham se insubordinado.
Então se juntam esses militares cansados e insatisfeitos com os
fazendeiros que se sentiam prejudicados pelo Império. No começo das
conspirações, eles só desejam que o Império atenda às suas
reivindicações. Alguns querem ver reconstituída sua dignidade militar e
serem transferidos para outros lugares. Nossos fazendeiros queriam
atendimento às suas reivindicações econômicas. O movimento vai ganhando
vida e eles não conseguem mais recuar. Em determinado momento, surge a
perspectiva da República, que nenhum dos líderes tinha em mente. No meu
livro, publico uma carta que Neto enviou aos vereadores de Pelotas. Ele,
que tinha proclamado a República, disse “não sou republicano”. Eles não
eram republicanos, mas aos poucos foram sendo empurrados para aquela
situação e acabaram proclamando uma República que o Império nunca
reconheceu. Para o Império, sempre se tratou apenas de uma província
rebelada.
Sul21 – E por que a guerra durou tanto tempo?
Juremir - Quando os liberais estavam no poder, no
período regencial, eles, no fundo, gostavam dessa gente daqui. Eles não
queriam mandar muito efetivo para cá e deixaram a Revolução correr.
Quando finalmente Dom Pedro II ganha a maioridade e os conservadores
assumem o poder e passam a ter o primeiro ministro, eles enviam muito
efetivo para o Rio Grande do Sul. Então por volta de 1842 já está
liquidada a fatura. A revolução se transforma em uma guerra de
guerrilhas. Os farroupilhas começam a fugir para todos os lados e, de
vez em quando, fazem algumas emboscadas. Quando a coisa ficava muito
pesada, todo mundo se refugiava no Uruguai. Foi uma guerra de guerrilhas
na qual o exército imperial ficava atrás dos rebeldes e, de vez em
quando, tinha algum combate. Houve muito pouco combate e morreu pouca
gente. Em dez anos de guerra, morreram 2,9 mil pessoas. Morria mais
gente de gripe do que de guerra. Passava meses sem que houvesse combate.
Claro que houve momentos de heroísmo e momentos de infâmia absoluta,
com estupro, degola, sequestro e execução sumária. É por isso que eu
digo que a Revolução Farroupilha foi feita pela Farsul da época com os
métodos das Farc. Do ponto de vista ideológico, eles eram a Farsul da
época, com uma ideologia liberal incipiente. Eram proprietários rurais
em defesa dos seus interesses. E utilizavam os métodos que hoje se
condena nas Farc: sequestro, apropriação do gado e das terras alheias.
Sul21 – Em seu livro, o senhor também aponta casos de corrupção entre os líderes farroupilhas.
Juremir – Quando eles se reúnem em Alegrete para fazer a
Constituição, estavam totalmente rompidos. Antonio Vicente da Fontoura
pertencia à chamada minoria. Ele havia sido ministro da Fazenda,
sucedendo Domingos José de Almeida. Quando ele assumiu o Ministério,
constatou que a corrupção corria solta. Ele descreve isso fartamente em
seu diálogo e os historiadores nunca quiseram dar muita atenção. Os
farroupilhas pegavam a fazenda de um adversário e arrendavam e o lucro
desse arrendamento desaparecia. Até Neto foi acusado por Antonio Vicente
da Fontoura de ter desaparecido com dinheiro. Um dos grandes problemas
da Revolução Farroupilha foi a corrupção. Eles brigaram e se separaram
por causa disso. O duelo entre Bento Gonçalves e Onofre Pires tinha na
sua base acusações de corrupção.
“Os cariocas acham esse negócio de Semana Farroupilha quase ridículo, uma espécie de carnaval a cavalo”
Sul21 – Como se pautaram as relações dos farroupilhas com as
lideranças uruguaias e
argentinas? Havia, de fato, a intenção de se
criar uma república que anexasse o território do Uruguai e algumas
províncias da Argentina?
Juremir – Quando viram que Rivera estava libertando
escravos e que tinha propensões à reforma agrária, a parceria deixou de
ser interessante. A Revolução Farroupilha foi uma espécie de golpe
militar. Esse golpe militar sofreu muita influência platina. Houve muita
influência desses caudilhos uruguaios e argentinos. Mas depois houve
momentos de aproximação e de separação. Essas alianças só não
prosperaram definitivamente porque os líderes farroupilhas eram muito
mais conservadores que os caudilhos uruguaios e argentinos. Rivera
queria uma revolução benéfica para a população uruguaia. Bento Gonçalves
e sua turma só entraram em ação por causa dos seus interesses
particulares.
Sul21 – Como se deu a construção dos mitos em cima da Revolução Farroupilha?
Juremir - São várias etapas. Uma delas é quando Julio
de Castilhos e os republicanos positivistas estão trabalhando pela
construção da República no Rio Grande do Sul. Julio de Castilhos vai
estudar direito em São Paulo e manda uma carta dizendo que é preciso
estudar aquela guerra civil, porque ela poderia servir de fundamento
para o que hoje nós chamaríamos de construção de uma identidade
regional. Na época, a Revolução Farroupilha era chamada de guerra civil.
Esses republicanos positivistas tinham bem a noção de que uma
identidade se constrói a partir de um mito fundador. Então era preciso
uma mitologia épica para construir essa unidade. Isso foi fartamente
explorado. Depois, historiadores como Varela e Alfredo Ferreira
Rodrigues ajudaram a construir uma ideia épica de revolução,
influenciados pela perspectiva histórica dominante no século XIX. Nos
anos 1930, os militares ligados ao Instituto Histórico e Geográfico
fazem, em plena Era Vargas, uma recuperação dos fatos com interesse
cívico de engrandecimento das atitudes militares. O interessante é que a
Revolução Farroupilha foi feita por militares e escrita por militares.
Sul21 – E qual o papel dos historiadores na desmistificação da revolução?
Juremir – Os grandes historiadores estão
desmistificando a Revolução Farroupilha. Nomes como Tau Golin, Moacyr
Flores, Mário Maestri, Sandra Pesavento, Margeret Bakos, Décio Freitas…
Moacyr Flores talvez seja aquele que trabalhou mais intensamente a
Revolução Farroupilha. O livro “O Modelo Político dos Farrapos” é um
marco na desmistificação. Tau Golin fez uma espécie de panfleto que teve
muito impacto, questionando se Bento Gonçalves seria herói ou ladrão.
Margaret Bakos trouxe muitos dados sobre a condição do negro na
Revolução Farroupilha. São esses os caras que realmente têm escrito
coisas importantes sobre a Revolução Farroupilha. Se fosse na França,
esse pessoal estaria sendo destacado. Mas aqui é o inverso. Talvez
porque o Rio Grande do Sul, como qualquer lugar, precisa de um mito
fundador. E o que tem à mão é esse. A história, nesse sentido, estraga
um pouco este prazer. Os fatos históricos não confirmam toda essa
grandeza.
Sul21 – O que significa hoje comemorar a Revolução Farroupilha?
Juremir – Vale lembrar que a comemoração da Semana
Farroupilha, tal qual a fazemos hoje, começa em dezembro de 1964. É uma
obra da ditadura militar. O patriotismo servia muito bem nessa época.
Acho muito interessante a ideia de que essas pessoas se reúnem para
comemorar outra coisa. Comemoram um ideal de vida agropastoril, uma
nostalgia da vida no campo, quando éramos realmente gaúchos e tínhamos
estâncias. Há também o gosto de estar junto, de conviver e ter algo a
compartilhar – algo que o sociólogo francês Michel Maffesoli chama de
“tribalismo”. Esse fenômeno pode estar no escotismo, numa torcida de
futebol, ou nesse congraçamento anual onde todos se encontram e brincam
um pouco de casinha, como dizia Flávio Alcaraz Gomes. A Revolução
Farroupilha surge como uma espécie de cimento para fortificar esse
interesse de estar junto. Mas ela também tem um componente ideológico
conservador. Muitos dos que estão comemorando a Revolução Farroupilha
não conhecem grande coisa da sua história. Se for examinar no detalhe,
eles não sabem. Conhecem a cartilha do Movimento Tradicionalista Gaúcho,
que só destaca aquilo que exclusivamente lhes convém.
Sul21 – Qual o papel da mídia na consolidação do mito?
Juremir – A mídia precisa adular esse público para
poder fidelizá-lo. É uma estratégia de marketing que reforça os mitos e
dificulta a desconstrução feita pelos historiadores. O interesse da
mídia nessa questão é meramente comercial. É uma estratégia de reforço
de algo que é caro ao público. Ninguém quer brigar com boa parte do Rio
Grande do Sul. É melhor dar uma adulada e deixar os universitários e
acadêmicos falarem outras coisas. Se o público está feliz, por que
estragar o prazer? Além de tudo, a mídia é conservadora. Muitas vezes os
jornalistas compartilham esses valores e acreditam nessas histórias
porque foram formados nessa matriz. Tudo isso entra no mesmo caldeirão
e, ano a ano, as vozes dos historiadores ficam praticamente inaudíveis.
Sul21 – O Rio Grande do Sul tem uma relação mais intensa com seus mitos do que outras regiões do país?
Juremir – Talvez, até pelo tipo de construção história
do Rio Grande do Sul, com tantas guerras de fronteira. Vários movimentos
e situações se aproveitaram disso: a República, os anos Vargas, a
ditadura militar e o crescimento do movimento tradicionalista.
Sul21 – Isso contribui para uma imagem mais arrogante do Rio Grande do Sul nos outros estados brasileiros?
Juremir – Isso é algo que só nós enxergamos. Os
cariocas acham esse negócio de Semana Farroupilha quase ridículo, uma
espécie de carnaval a cavalo.
Sul21 – E o nosso hino? Cantamos um hino que fala em uma “ímpia e injusta guerra”.
Juremir – Nosso hino é racista, ainda por cima, quando
diz que “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. É um insulto
àqueles que lutaram com os farroupilhas e foram atraídos a eles com a
promessa de liberdade.
Sul21 – Até hoje, o senhor ainda recebe críticas por causa do livro?
Juremir – Alguns historiadores preferem se afastar
desse tema. Cansam de brigar e ouvir insultos. Eu mesmo sofri todo tipo
de desqualificação. Diziam que eu não sou historiador e que o meu livro
só requenta outras informações. Na época que saiu o livro, a Farsul
ameaçou me processar, até por um mal entendido. Acharam que eu tinha
dito que a Farsul tinha os métodos das Farc. O que eu disse, na verdade,
foi que os farroupilhas tinham a ideologia da Farsul e os métodos das
Farc. Recebi e-mails e torpedos de pessoas dizendo que iam me capar.
Senti hostilidade em muitas situações. Já perdi a conta do número de
insultos que recebi por e-mail, Twitter e Facebook. O maior insulto é a
tentativa permanente de desqualificação do teu trabalho.
*Turquinho
domingo, setembro 23, 2012
E o Jango, ao menos, tinha o “Última Hora”…
É claro que são conjunturas muito diferentes. Na época do Jango, havia a Guerra Fria. Os EUA desconfiavam de um presidente que se dava ao desplante de visitar a China comunista e que, apesar de grande proprietário de terras, era a favor da Reforma Agrária. Além disso, Jango governava com apoio do velho partidão (que, aliás, ele gostaria de tirar da ilegalidade). Lula/Dilma são líderes brasileiros de centro-esquerda, num Brasil onde a Guerra Fria acabou. Acabou?
Os EUA seguem sem gostar de governos que rechaçam golpes em Honduras ou no Paraguai. Não aceitam governos que adotem medidas, ainda que tênues, para redução da desigualdade. Não aceitam governos que tenham projeto de Estado nacional, como tinham Vargas e Jango.
O grande segredo de Lula/Dilma – e esse era também o segredo de Vargas/Jango – é que conseguiram atrair para a aliança governista as forças de centro. Jango caiu quando o PSD de Juscelino bandeou-se para a direita. Lula quase caiu porque no primeiro mandato fez a escolha errada: em vez de uma aliança com o PMDB, preferiu que o PT se acertasse no “varejo” com pequenas legendas conservadores (Valdemar Costa Netto, Roberto Jefferson e seus “partidos”).
Nos anos 50/60 ou agora no século XXI, a direita isolada (sem programa, e afastada do centro) refugiou-se no moralismo e na imprensa. A diferença é que Vargas e Jango, ao menos, tinham o “Última Hora” - jornal de Samuel Wainer, um dos poucos contrapontos à imprensa conservadora comandada por Lacerda e Roberto Marinho. Dilma e Lula nem isso possuem.
Digo tudo isso porque estou encantado com a leitura de “João Goulart”, a biografia escrita pelo professor Jorge Ferreira (UFF). É um catatau (700 páginas), como dizíamos na época da ficha telefônica e do telex. Mas um catatau que tira o fôlego.
Ferreira não escreveu apenas (e não seria pouco) uma biografia de Jango. A vida de Jango, na verdade, é o mote que ajuda a costurar o perfil de uma época. O livro se apóia em documentos, entrevistas, em memórias escritas por quem viveu próximo a Jango. Dois capítulos (8 e 9), especialmente, são brilhantes e nos ajudam a pensar no Brasil de hoje. O autor reconstrói os embates e as escolhas políticas de Jango, nos últimos 12 meses antes do golpe de 64.
A leitura nos leva para um mundo em que o golpe não era “inevitável”. Em nenhum lugar estava escrito que a direita deveria sair vitoriosa. A costura dos fatos, na miudeza da conjuntura politica de enfrentamento em 1963 e 1964, põe a nu também os erros da esquerda.
Brizola, Julião (e as ligas camponesas), trabalhistas de esquerda, movimentos de marinheiros e sargentos, intelectuais, sindicalistas, comunas liderados por Prestes e Hercules Correa… Todos eles acreditavam que tinham forças para prescindir do centro. Jango, não. Por temperamento, cautela ou moderação política mesmo, ele queria aprovar as reformas via Parlamento. E aí não tinha jeito: era preciso negociar, era preciso ceder para aprovar as reformas possíveis. A esquerda enquadrou Jango: isso seria conciliação com os conservadores!
A esquerda (ou “as esquerdas”, como prefere Jorge Ferreira) dizia abertamente que as reformas teriam que ser feitas no confronto. Se a institucionalidade entravava as reformas, às favas com a institucionalidade – pregavam alguns. A esquerda tinha uma visão puramente “tática” da democracia parlamentar. Em dado momento, acreditou que – pela mobilização popular e pelos apoios de grupos nacionalistas e reformistas nas Forças Armadas – poderia prescindir do centro.
Brizola mesmo, que nunca foi marxista, chegou a 64 com uma agenda em que a prioridade era fechar o Congresso Nacional, não para instaurar ditadura “comuno-sindical” como diziam os inimigos, mas para convocar uma Assembléia Constituinte formada por operários, camponeses, oficiais e sargentos nacionalistas (ver p. 422 em “João Goulart”, de Jorge Ferreira). Seria o rompimento com a velha ordem liberal. A esquerda tinha força pra isso? Acreditou que sim.
O PSD de Juscelino, então, foi-se embora da aliança. Só nessa hora é que Jango, sem alternativa, assumiu a agenda da esquerda trabalhista/comunista e foi para o famoso Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 64. A descrição do comício, no livro, é primorosa. Para quem cresceu com a idéia de que militares e movimentos sociais devem ser – sempre e inexoravelmente – ”inimigos”, chocou saber que foi a cúpula das Forças Armadas que garantiu a segurança para que Arraes, Brizola, Jango e líderes sindicais e populares pudessem subir ao palanque no Rio – governado na época por um direitista (Carlos Lacerda).
Os círculos golpistas entre os militares, àquela altura, eram minoritários. A “esquerda” militar também era minoritária. A maioria dos soldados e oficiais simplesmente fazia seu trabalho. Quando a esquerda errou? Quando (e aqui volto a me apoiar no relato de Jorge Ferreira) assustou o oficialato mais “centrista”, dando apoio a greves de marinheiros e soldados. A “quebra de hierarquia” lançou a maioria silenciosa das Forças Armadas nos braços dos golpistas.
Jango ajudou a cavar a prórpia cova, é verdade. Acreditou no “dispositivo militar” do general Assis Brasil. Trocou de ministro da Guerra várias vezes. Não tinha um Marechal Lott. E fez escolhas erradas. Às vésperas do golpe, e isso Ferreira narra em detalhes, recebeu várias recomendações para não ir ao ato no Automóvel Clube no Rio – posse da diretoria da Associação de Sargentos. Jango foi. Os golpistas ganharam o pretexto de que necessitavam para o golpe.
Leio, escrevo e penso numa certa esquerda (entre a qual me incluo) insatisfeita com os titubeios de Lula/Dilma. A esquerda, hoje, tem força para avançar sozinha? Não. Jogar o centro no colo de PSDB/DEM seria o caminho para a derrota política e eleitoral. Lula/Dilma e o PT fazem a leitura correta, percebem que a famosa “correlação de forças” não permite arroubos.
Onde erram? Ao abrir mão de intervir com vigor, para fazer a mesmíssima “correlação de forças” avançar na direção de mais reformas.
Qual o pai de todos os erros? Comunicações. Lula e Dilma (essa mais ainda!) abrem mão de reformas nessa área. Lula acreditou que podia se comunicar direto com as massas. Em 2005, notou o erro. Dilma parece acreditar num “diálogo” com a velha mídia. Ficam reféns da correlação de forças, determinada (e pautada) pela velha mídia – apesar do contraponto dos blogs e redes sociais.
O erro não é apostar em governo de coalizão. O erro é não agir com mais firmeza -especialmente, nas Comunicações – para impor uma agenda mais avançada a ser sustentada pela ampla coalizão governista.
Oescrevinhador
“É impossível pensar o sistema capitalista internacional sem o dinheiro do narcotráfico"
Via Esquerda.net
O
tráfico de drogas movimenta cerca de 500 mil milhões de dólares por
ano, afirma o jornalista brasileiro José Arbex Jr.. “O mercado
clandestino é essencial para a sobrevivência do capitalismo, a proibição
acrescenta valor à droga e é um prémio para os traficantes”, diz o
historiador Henrique Carneiro.
Por Isabel Harari, Carta Maior.
"O dinheiro não está nas favelas nem nos morros, faz parte do sistema financeiro e sustenta os grandes bancos", diz Arbex.
"É
impossível pensar o sistema capitalista internacional sem pensar no
dinheiro do narcotráfico", denunciou o jornalista José Arbex Jr. em
Simpósio sobre Esquerda na América Latina, realizado na Universidade de
S. Paulo, Brasil. A mesa também contou com a presença do historiador
Henrique Carneiro, a especialista em História da Cultura Rosana Schwartz
e Julio Delmanto, mestrando em História Social e membro do coletivo DAR
(Desentorpecendo a Razão). O fio condutor do debate foi a relação de
simbiose entre o proibicionismo e o sistema financeiro capitalista.
O
tráfico de drogas movimenta cerca de 500 mil milhões de dólares por
ano, segundo dados indiretos, algumas cifras chegam à quantia de 1
bilião. "O dinheiro não está nas favelas nem nos morros, faz parte do
sistema financeiro e sustenta os grandes bancos", continuou Arbex. Para
ele, o discurso da guerra ao narcotráfico é vazio, pois os países que se
colocam como combatentes às drogas fazem parte da corrente altamente
rentável do tráfico, logo, resistem tanto à legalização.
O
jornalista explicitou a relação do tráfico de drogas com o de armas.
Jogou luz ao facto de que as cifras acerca do comércio de armas no
Brasil são desconhecidas, e mantidas em segredo "por questões de
segurança", segundo a Taurus, uma das maiores fabricantes de armas no
Brasil. "Ninguém controla o dinheiro que movimenta o narcotráfico, assim
como ninguém controla o dinheiro que controla o tráfico de armas. Isso
serve aos interesses do capitalismo", continuou.
Carneiro
explicou que o critério utilizado para determinar se uma determinada
droga é ilícita ou não, é ligada à constituição da Ordem Internacional.
Ou seja, um grupo de países determina, por unanimidade, quais drogas
devem ou não serem aniquiladas. "Não existe fundamento científico",
disse. Segundo ele, "a esquerda é cúmplice e agente da Ordem, cenário
que aparentemente está a modificar-se", completou.
Julio
Delmanto trouxe à tona as consequências da política proibicionista
implantada na denominada "guerra às drogas". A proibição não só não
resolve a questão, como promove o desenvolvimento das indústrias
farmacêuticas e das clínicas particulares, a criminalização da pobreza, o
encarceramento em massa e as internações compulsórias. Para ele, a
"delinquência útil", forma taxativa pela qual os usuários são
denominados, é um instrumento para gerar a ilegalidade, altamente
lucrativa e instrumento de controle da população.
O
mote da fala de Rosana Schwartz foi a presença das mulheres frente ao
tráfico de drogas, "não se fala tanto, não existem trabalhos sobre o
assunto", disse. Segundo ela, há uma visão de que a mulher "é um ser que
deveria ficar dentro de casa, mais propenso a ser degenerado". Sua
pesquisa consiste, entre outras vertentes, em ouvir as mulheres que se
envolveram no tráfico e entender as suas posições como sujeitos sociais
numa realidade proibicionista e higienista. "O amor e o medo de perder o
marido, na maioria das vezes, é apresentado como o principal motivo da
entrada para o tráfico, e a função subalterna na mulher no meio disso
tudo é evidenciado", completou.
O Brasil é um
dos maiores exportadores de tabaco, de álcool e com uma indústria
farmacêutica altamente lucrativa (alimentada pela indústria dos
agrotóxicos e transgénicos), também é um dos países com a política de
drogas mais ferrenha. "As razões do proibicionismo baseiam-se no
puritanismo e no controlo social da força produtiva. O mercado
clandestino é essencial para a sobrevivência do capitalismo, a proibição
acrescenta valor à droga e é um prémio para os traficantes", explicou
Carneiro.
*GilsonSampaio
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