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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, setembro 23, 2012

E o Jango, ao menos, tinha o “Última Hora”…


por Rodrigo Vianna
É claro que são conjunturas muito diferentes. Na época do Jango, havia a Guerra Fria. Os EUA desconfiavam de um presidente que se dava ao desplante de visitar a China comunista e que, apesar de grande proprietário de terras, era a favor da Reforma Agrária. Além disso, Jango governava com apoio do velho partidão (que, aliás, ele gostaria de tirar da ilegalidade). Lula/Dilma são líderes brasileiros de centro-esquerda, num Brasil onde a Guerra Fria acabou. Acabou?
Os EUA seguem sem gostar de governos que rechaçam golpes em Honduras ou no Paraguai. Não aceitam governos que adotem medidas, ainda que tênues, para redução da desigualdade. Não aceitam governos que tenham projeto de Estado nacional, como tinham Vargas e Jango.
O grande segredo de Lula/Dilma – e esse era também o segredo de Vargas/Jango – é que conseguiram atrair para a aliança governista as forças de centro. Jango caiu quando o PSD de Juscelino bandeou-se para a direita. Lula quase caiu porque no primeiro mandato fez a escolha errada: em vez de uma aliança com o PMDB, preferiu que o PT se acertasse no “varejo” com  pequenas legendas conservadores (Valdemar Costa Netto, Roberto Jefferson e seus “partidos”). 
Nos anos 50/60 ou agora no século XXI, a direita isolada (sem programa, e afastada do centro) refugiou-se no moralismo e na imprensa. A diferença é que Vargas e Jango, ao menos, tinham o “Última Hora” - jornal de Samuel Wainer, um dos poucos contrapontos à imprensa conservadora comandada por Lacerda e Roberto Marinho. Dilma e Lula nem isso possuem.
Digo tudo isso porque estou encantado com a leitura de “João Goulart”, a biografia escrita pelo professor Jorge Ferreira (UFF). É um catatau (700 páginas), como dizíamos na época da ficha telefônica e do telex. Mas um catatau que tira o fôlego.
Ferreira não escreveu apenas (e não seria pouco) uma biografia de Jango. A vida de Jango, na verdade, é o mote que  ajuda a costurar o perfil de uma época. O livro se apóia em documentos, entrevistas, em memórias escritas por quem viveu próximo a Jango. Dois capítulos (8 e 9), especialmente, são brilhantes e nos ajudam a pensar no Brasil de hoje. O autor reconstrói os embates e as escolhas políticas de Jango, nos últimos 12 meses antes do golpe de 64.
A leitura nos leva para um mundo em que o golpe não era “inevitável”. Em nenhum lugar estava escrito que a direita deveria sair vitoriosa. A costura dos fatos, na miudeza da conjuntura politica de enfrentamento em 1963 e 1964, põe a nu também os erros da esquerda.
Brizola, Julião (e as ligas camponesas), trabalhistas de esquerda, movimentos de marinheiros e sargentos, intelectuais, sindicalistas, comunas liderados por Prestes e Hercules Correa… Todos eles acreditavam que tinham forças para prescindir do centro. Jango, não. Por temperamento, cautela ou moderação política mesmo, ele queria aprovar as reformas via Parlamento. E aí não tinha jeito: era preciso negociar, era preciso ceder para aprovar as reformas possíveis. A esquerda enquadrou Jango: isso seria conciliação com os conservadores!
A esquerda (ou “as esquerdas”, como prefere Jorge Ferreira) dizia abertamente que as reformas teriam que ser feitas no confronto. Se a institucionalidade entravava as reformas, às favas com a institucionalidade – pregavam alguns. A esquerda tinha uma visão puramente “tática” da democracia parlamentar. Em dado momento, acreditou que – pela mobilização popular e pelos apoios de grupos nacionalistas e reformistas nas Forças Armadas – poderia prescindir do centro.
Brizola mesmo, que nunca foi marxista, chegou a 64 com uma agenda em que a prioridade era fechar o Congresso Nacional, não para instaurar ditadura “comuno-sindical” como diziam os inimigos, mas para convocar uma Assembléia Constituinte formada por operários, camponeses, oficiais e sargentos nacionalistas (ver p. 422 em “João Goulart”, de Jorge Ferreira). Seria o rompimento com a velha ordem liberal. A esquerda tinha força pra isso? Acreditou que sim.
O PSD de Juscelino, então, foi-se embora da aliança. Só nessa hora é que Jango, sem alternativa, assumiu a agenda da esquerda trabalhista/comunista e foi para o famoso Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 64. A descrição do comício, no livro, é primorosa. Para quem cresceu com a idéia de que militares e movimentos sociais devem ser – sempre e inexoravelmente –  ”inimigos”, chocou saber que foi a cúpula das Forças Armadas que garantiu a segurança para que Arraes, Brizola, Jango e líderes sindicais e populares pudessem subir ao palanque no Rio – governado na época por um direitista (Carlos Lacerda). 
Os círculos golpistas entre os militares, àquela altura, eram minoritários. A “esquerda” militar também era minoritária. A maioria dos soldados e oficiais simplesmente fazia seu trabalho. Quando a esquerda errou? Quando (e aqui volto a me apoiar no relato de Jorge Ferreira) assustou o oficialato mais “centrista”, dando apoio a greves de marinheiros e soldados. A “quebra de hierarquia” lançou a maioria silenciosa das Forças Armadas nos braços dos golpistas.
Jango ajudou a cavar a prórpia cova, é verdade. Acreditou no “dispositivo militar” do general Assis Brasil. Trocou de ministro da Guerra várias vezes. Não tinha um Marechal Lott. E fez escolhas erradas. Às vésperas do golpe, e isso Ferreira narra em detalhes, recebeu várias recomendações para não ir ao ato no Automóvel Clube no Rio – posse da diretoria da Associação de Sargentos. Jango foi. Os golpistas ganharam o pretexto de que necessitavam para o golpe.  
Leio, escrevo e penso numa certa esquerda (entre a qual me incluo) insatisfeita com os titubeios de Lula/Dilma. A esquerda, hoje, tem força para avançar sozinha? Não. Jogar o centro no colo de PSDB/DEM seria o caminho para a derrota política e eleitoral. Lula/Dilma e o PT fazem a leitura correta, percebem que a famosa “correlação de forças” não permite arroubos.
Onde erram? Ao abrir mão de intervir com vigor, para fazer a mesmíssima “correlação de forças” avançar na direção de mais reformas.
Qual o pai de todos os erros? Comunicações. Lula e Dilma (essa mais ainda!) abrem mão de reformas nessa área. Lula acreditou que podia se comunicar direto com as massas. Em 2005, notou o erro. Dilma parece acreditar num “diálogo” com a velha mídia. Ficam reféns da correlação de forças, determinada (e pautada) pela velha mídia – apesar do  contraponto dos blogs e redes sociais.
O erro não é apostar em governo de coalizão. O erro é não agir com mais firmeza -especialmente, nas Comunicações – para impor uma agenda mais avançada a ser sustentada pela ampla coalizão governista.
Oescrevinhador

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