Instituto Lula
Um dos
objetivos do Instituto Lula é contribuir para ampliar a cooperação com o
continente africano. Foi nesse contexto que o ex-presidente foi
entrevistado pela revista bimestral “This is Africa”, do Financial
Times. ”Nós temos muitas experiências que queremos que os governos
africanos vejam”. A frase selecionada para abrir a entrevista também
revela a intenção de compartilhar com a África as políticas públicas
vitoriosas que o Brasil vivenciou desde a eleição de Lula. “”Não
queremos ter esse tipo de relação [que os colonizadores tiveram] com a
África”. Não, nós temos que construir uma relação em que parceria
signifique parceria completa. O Brasil deve ganhar alguma coisa, mas os
africanos também têm de ganhar alguma coisa”, explica Lula.
O
Instituto Lula recebeu autorização do Financial Times para publicar a
entrevista na íntegra, em português. Ela ajuda a entender a relação de
Lula com a África e também ilustra os desafios do próprio Instituto
Lula. Clique aqui para ler a entrevista original, em inglês (é necessário fazer cadastro no site).
Entrevista : Luiz Inácio Lula da Silva (THIS IS AFRICA)
Por Lanre Akinola
Por Lanre Akinola
“Eu
acredito que a cooperação Sul-Sul nos obriga, em primeiro lugar, a
melhorar o funcionamento das instituições multilaterais e, num segundo
momento, a construir novas instituições que permitiriam uma maior
igualdade entre todos os participantes”.
O Brasil
está rapidamente se tornando um símbolo da nova economia global. Com um
PIB de 2,500 bilhões de dólares, já é a 6a maior economia do mundo e,
segundo certas estimativas, irá ultrapassar a França no final de 2012. A
ascensão do país foi rápida. Entre 2003 e 2010, o tamanho da economia
aumentou mais de quatro vezes. O progresso social foi impressionante,
pobreza diminuiu 27,5% entre 2003 e 2007. Na ultima década, 40 milhões
de brasileiros saíram da pobreza, e o número oficial de brasileiros
vivendo abaixo da linha da pobreza em 2011 era de somente 8,5%.
O
crescimento, que atingiu 7,53% em 2010, desacelerou recentemente. As
últimas análises preveem uma pequena expansão de 1,5% em 2012,
levantando dúvidas em relação à sustentabilidade do modelo de
crescimento do país. Tal percepção, porém, é imperceptível para quem
dirige por São Paulo, o coração comercial do Brasil – e cada vez mais da
América Latina. Enormes outdoors anunciando a última linha de
televisores da LG ou da Samsung Smart alinham-se à beira de novas
rodovias que levam os visitantes do aeroporto ao centro desta crescente
metrópole de 19 milhões de pessoas. Desde seus arranha-céus imponentes,
que lembram Nova York, a seus shoppings e restaurantes finos, é um lugar
que transborda confiança.
Se
questionados, a maioria dos brasileiros indicariam o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva – que governou o pais de 2003 a 2011- como a pessoa
a quem agradecer pela recém-descoberta fortuna brasileira. Nascido em
um meio humilde, em uma das regiões menos desenvolvidas do Brasil, o
popular ex-líder sindical, universalmente conhecido como Lula, goza de
um status de ícone no Brasil. Seu percentual de aprovação de 80% ao
deixar o governo atingiu um nível com o qual a maioria dos políticos nem
ousaria sonhar.
O
Partido dos Trabalhadores, agora no poder, que Lula ajudou a fundar em
1980, está atualmente envolvido em um dos maiores julgamentos de
corrupção da história do país – e envolve membros do alto escalão do
governo. O Sr. Da Silva não enfrenta nenhuma acusação e, para grande
parte dos brasileiros, continua sendo um herói político e social.
Sua
passagem pelo governo também inaugurou um realinhamento estratégico da
política externa do Brasil. Sincero advogado da cooperação Sul-Sul, ele
construiu laços mais próximos com os países latino-americanos vizinhos
do Brasil e outras regiões em desenvolvimento – especialmente a África.
Durante seus oito anos de governo, o comércio bilateral [com a África]
aumentou para 25 bilhões de dólares, o Brasil abriu mais de 12 novas
embaixadas no continente e o Presidente Lula visitou aproximadamente 25
países, efetuando 12 viagens de Estado oficiais. Quando ele proferiu seu
primeiro grande discurso público após ser diagnosticado com câncer de
garganta em outubro 2011, durante uma conferência no Banco de
Desenvolvimento do Brasil, em maio, o tópico foi as relações
Brasil-África.
Ao ser
entrevistado pelo “This is Africa” no Instituto Lula, a fundação que ele
dirige hoje em São Paulo, sua paixão pela África é visível. O Sr. Da
Silva, casualmente vestido – e que não tem tempo a perder com o
protocolo que normalmente caracteriza ex-chefes de Estado – está alegre
após receber a notícia de seus médicos no começo da semana que seu
câncer estava em remissão. Ele veste uma camisa da África Ocidental – do
Benin – e uma de suas paredes está adornada com uma pintura de uma
mulher africana andando pela savana, com o sol se pondo ao fundo.
“Gostaria
de contar uma pequena história”, diz ele no seu inconfundível tom de
voz efervescente, enquanto explica porque a África se tornou um ponto
focal da política estrangeira de seu governo. Sua barba icônica se foi, e
há dúvidas se ela voltará a crescer, mas a batalha contra o câncer não
diminuiu a força de seu discurso, que carrega a mesma intensidade de
sempre.
“Quando
ganhei as eleições presidenciais e tomei posse em 2003, no dia 25 de
janeiro participei do Fórum Social Mundial em Porto Alegre antes de ir
para Davos no mesmo dia. Eu vi o que estava acontecendo no Fórum Social
Mundial e acompanhei o que estava acontecendo em Davos”. O contraste
entre as duas experiências, uma dedicada a um modelo econômico e social
alternativo e outra profundamente enraizada na defesa da globalização,
deixou claro ao Sr. Da Silva que a política externa do século XXI
deveria ser mais multifacetada do que até então tinha sido o padrão. “Eu
disse a meu ministro das relações exteriores quer era necessário mudar a
geografia política, econômica e comercial que tinha até então existido
no Brasil. Tudo passava pelas grandes potências e era necessário
trabalhar a fim de inserir os países emergentes nos processos decisórios
sobre comércio, economia e políticas sociais”.
“O
Brasil não podia ver o Atlântico como um obstáculo para chegar à
África”, diz ele, apontando para o oceano que divide o planeta no mapa
em uma mesa a seu lado. “Ao contrário, deveria ser visto como algo
favorável, que apontasse para a integração e nós poderíamos até
considerar que a África compartilha uma fronteira com Brasil”. Tal
pensamento estava à frente de seu tempo. Em 2003, países como a China e o
Brasil, de rápido crescimento, ainda eram atores marginais nos negócios
globais. As economias ocidentais pareciam incapazes de errar. O triunfo
neoliberal era total, com um crescimento que parecia infinito. Regiões
como a África eram raramente citadas, a não ser na ocasião de golpes de
estado ou crises alimentares.
Menos de
uma década depois, o cenário é completamente diferente. Na crise
financeira de 2008-2009, economias emergentes conduziam o crescimento
global, com mercados como o africano gerando crescente interesse entre
governos e a comunidade de negócios internacional. “Havia uma certa
animosidade da parte do empresariado e dos dirigentes brasileiros em
relação até mesmo à tentativa de entender que o Brasil poderia ter uma
boa relação com a África e que aquele não era só um lugar cheio de
pessoas miseráveis”, lembra o Sr Da Silva.
“Havia países e pessoas ali que queriam progredir e se desenvolver, lugares que estavam reforçando o processo democrático”.
Com o
tempo, e certo lobby, a ideia pegou, e desde então ganhou certo apreço
nos meios políticos e de negócios brasileiro. Agências governamentais
como o Banco de Desenvolvimento do Brasil e a Embrapa, o organismo
brasileiro de pesquisa agrícola, reforçaram seus compromisso com o
continente. Ao mesmo tempo, grandes atores comerciais como a gigante
produtora de minério de ferro Vale ou a fabricante de aviões Embraer,
tornaram-se defensores ativos da história de crescimento da África.
O
interesse pela África, entretanto, não decorre somente da busca de novos
mercados aos quais empresas públicas e privadas brasileiras poderiam
vender seus produtos, tampouco se trata essencialmente dos interesses
estratégicos do Brasil, insiste o Sr da Silva.
Tendo em
conta os laços culturais entre o Brasil e a África (estima-se que a
metade da população de 196 milhões de brasileiros seja descendente de
africanos) a noção de solidariedade social e política desempenha um
papel central na abordagem Sul-Sul do Sr. da Silva. Ele fala da dívida
que o Brasil tem para com a África devido ao comércio transatlântico de
escravos e seu legado, uma dívida “que não é tangível; não se pode
pagá-la em dinheiro. Como pagá-la de volta? Você a paga através da
solidariedade”.
Uma de
suas prioridades como presidente, explica o Sr. da Silva, era elaborar
uma estratégia que fortaleceria os laços “sem agir do jeito que o
colonizador agiria, como tradicionalmente acontecia ali”.
“Não queremos ter esse tipo de relação com a África”. Não, nós temos que construir uma relação em que parceria signifique parceria completa. O Brasil deve ganhar alguma coisa, mas os africanos também têm de ganhar alguma coisa.
“Não queremos ter esse tipo de relação com a África”. Não, nós temos que construir uma relação em que parceria signifique parceria completa. O Brasil deve ganhar alguma coisa, mas os africanos também têm de ganhar alguma coisa.
“As
pessoas têm que saber que o Brasil quer ser diferente de verdade”, diz
ele, argumentando que o país tem uma responsabilidade no sentido de
compartilhar com a África seu sucesso econômico e social recente em
termos iguais. “Nós temos muitas experiências que queremos que os
governos africanos conheçam… O desafio é como a gente aproveita essas
experiências bem sucedidas, mas respeitando a cultura e as
particularidades de cada país da África.”
Embora o
interesse empresarial tenha aumentado nos anos recentes, essa abordagem
continua a ser praticada principalmente pelas congêneres da Embrapa. A
agência tem desempenhado um papel importante na transformação do Brasil
em um produtor agrícola global de grande porte, especializada unicamente
na agricultura tropical.
É em
áreas como a da agricultura, que se tornou uma prioridade de políticas
públicas para vários governos africanos nos últimos anos, que da Silva
acredita que o Brasil pode ter o mais forte impacto para o
desenvolvimento.
Outras
agências governamentais, incluindo a Agência Brasileira de Cooperação,
também promovem a abordagem brasileira da parceria igualitária. O BNDES
está ampliando seu compromisso. Em maio, o banco assinou um acordo
comercial-financeiro com o Bradesco, um dos maiores bancos privados do
país, para estimular o crescimento das exportações brasileiras à África.
O banco estatal também explora o potencial para parcerias com o Banco
Africano de Desenvolvimento.
Ainda
que essa abordagem tenha benefícios potenciais evidentes para o
desenvolvimento africano, da Silva sabe do impacto limitado que um único
ator, tal como o Brasil, pode ter, e também da necessidade de reforma
das instituições globais de desenvolvimento.
“Eu
acredito que a cooperação Sul-Sul nos obriga, em primeiro ligar, a
melhorar o funcionamento das instituições multilaterais, e depois a
construir novas instituições que permitam que exista mais equidade entre
todos os participantes”, disse, reverberando a crescente pressão pela
reforma de organismos globais, como a ONU e as instituições financeiras
internacionais.
Logo
após a saída inesperada de Dominique Strauss-Kahn do posto de
diretor-gerente do FMI, o Brasil e seus parceiros no BRICS estavam entre
os que se opunham à continuidade do controle europeu sobre o cargo
principal na instituição. Uma pressão similar foi exercida durante o
processo de escolha do novo presidente do Banco Mundial no início deste
ano.
“A
África não está representada no Conselho de Segurança, a América Latina
não está representada, e um país do tamanho da Índia não participa. Qual
é o problema em se ter cinco ou seis países a mais no Conselho de
Segurança? Por que a Europa tem tantas vozes em todas as instituições?”
Ao se
inclinar para dar ênfase, as raízes sindicais de da Silva vêm à tona no
tópico do domínio ocidental sobre as instituições internacionais. Ele é
direto em sua crítica sobre o que considera ser uma clara ambivalência
de parâmetros nas relações dos países ricos com os países em
desenvolvimento.
“Com a
quebra do Lehman, a gente assistiu ao colapso da teoria de que os
mercados podiam dar conta de tudo”, diz ele, em referência à ortodoxia
neoliberal que havia dominado a economia e as finanças internacionais a
partir do começo dos anos 1980.
Segundo da Silva, depois de um breve período de autocrítica no seio de organismos como o G20, durante o emergir da crise financeira, os países ricos agora retornam às práticas de sempre.
Segundo da Silva, depois de um breve período de autocrítica no seio de organismos como o G20, durante o emergir da crise financeira, os países ricos agora retornam às práticas de sempre.
“O setor
financeiro não foi punido. Descobrimos que o FMI só falava grosso para
impor seu receituário com os países pobres. Na crise dos países ricos,
nada foi dito.” Não sendo um proponente da economia de livre-mercado, o
entendimento de da Silva é dotado de um amplo pragmatismo. “Nós não
queremos tirar nada de ninguém, mas queremos estabelecer regras… regras
que garantam nossa independência e que nos libertem da necessidade de
confiar em terceiros para tocar nossos negócios. Acredito que as
instituições multilaterais precisam mudar mas, enquanto elas não mudam, a
gente precisa desenvolver outras instituições.”
Tais
declarações refletem a confiança crescente das economias emergentes no
sentido de não só se submeter a regimes internacionais, como também de
remodelá-los e, no que for preciso, construir suas próprias instituições
de desenvolvimento.
Ao lado
de chamados renovados pela mudança nas instituições internacionais no 4º
Encontro Anual dos BRICS, realizado em Delhi em Março, os quatro
Estados-membros também mantiveram conversas sobre a criação de um novo
banco de desenvolvimento para financiar projetos de infraestrutura e
desenvolvimento nos BRICS e em outros países emergentes. Conforme o
Brasil assume um papel mais central nas relações econômicas e políticas
globais, dúvidas surgem a respeito de sua habilidade em manter e
consolidar seu nível atual de comprometimento com a África,
particularmente sem um apaixonado defensor como da Silva na Presidência.
Confrontado com isso, ele admite que há mais trabalho a fazer.
“Tenho
isso claro na minha cabeça, mas certamente isso não está claro para
muita gente no Brasil. Muitos empresários e empresárias não pensam desse
jeito. Ainda tem muito trabalho pesado pela frente para consolidar esse
ponto de vista e essa visão sobre a África, mesmo para uma parte da
burocracia estatal do Brasil”, diz.
De
acordo com seus assessores, muito de suas atividades depois da
Presidência enfocarão a África, e se fala que da Silva já planeja seu
retorno à ativa na política. Mesmo concordando que é preciso consolidar
mais, ele não tem dúvidas de que o engajamento político do Brasil com a
África veio para ficar.
“Esse
trabalho com o desenvolvimento da África é uma coisa que pessoalmente me
entusiasma, e que hoje está empolgando muita gente no Brasil também. Eu
conheço a presidenta Dilma muito bem e estou certo de que as convicções
dela em relação à África são as mesmas que eu tenho.”
*Mariadapenhaneles
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