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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, junho 11, 2013

Charge foto e frase do dia



































































Zero por cento de segurança

"Não é possível ter, ao mesmo tempo, 100% de segurança e 100% de privacidade com inconveniência zero."
Com essa frase, digna do cinismo mais patético, o presidente Barack Obama tentou justificar o fato de seu país ter se transformado em um verdadeiro ciber-Estado policial.
Graças à imprensa, descobrimos que o governo norte-americano usa o dinheiro dos contribuintes para espionar suas próprias vidas, por meio do monitoramento contínuo de ligações telefônicas e atividades na internet. Mas eles podem ficar tranquilo, pois, como disse Barack, "não vemos o conteúdo das ligações, só a duração e os números". Esta é a sua maneira de glosar o slogan preferido de Bill Clinton: "Fumei, mas não traguei".
Julian Assange, o mais conhecido preso político das ditas democracias liberais, já havia advertido: "A internet, nossa maior ferramenta de emancipação, está sendo transformada no mais perigoso facilitador do totalitaris- mo que já vimos".
Com a invenção do fantasma da ameaça terrorista permanente, os Estados democráticos encontraram, enfim, uma justificativa para agirem, de fato, como Estados totalitários, fazendo a Stasi [polícia secreta da antiga Alemanha Oriental], com suas técnicas grosseiras de vigilância, parecer uma brincadeira de criança.
Ninguém precisa grampear seu telefone ou colocar um espião na sua cola quando tudo o que você escreve alegremente no Facebook acaba, necessariamente, nas mãos de um iluminado da Agência de Segurança Nacional (NSA).
Eu mesmo tenho uma ideia: por que não colocar câmeras de observação nas televisões, em vez de só se focar nos telefones e na internet? George Orwell já demonstrou como essa técnica pode ser eficaz.
Mas a boa questão levantada pela frase de Obama é a seguinte: afinal, de onde veio a ideia demente de que precisamos de 100% de segurança?
Nunca nos livraremos de jovens desajustados que montam bombas caseiras ou fanáticos empunhando machadinha. Não há absolutamente nada que possamos fazer para evitar isso. Podemos minorar a letalidade dessas pessoas controlando a circulação de armas, e só.
O verdadeiro problema é termos chegado à situação de todo um país entrar em pânico quando se associa um crime comum à palavra "terrorismo". Pois, ao tentar realizar o sonho dos 100% de segurança, como se nossa utopia social fosse um paraíso de condomínio fechado, acabamos por acordar no pesadelo de um Estado que vira, ele sim, a fonte da pior das inseguranças.
A insegurança da submissão voluntária ao controle contínuo de alguém que reforça sua autoridade alimentando-se de nossos medos. A insegurança do fim da vida privada.
Vladimir Safatle
*comtextolivre

O homem que vazou os dados do esquema de vigilância nos EUA

Kiko Nogueira
Refugiado em Hong Kong, Edward Snowden diz que não quer viver “em uma sociedade em que tudo é gravado”.
Snowden
Snowden: Bond é para os fracos
Um ex-assistente técnico da CIA é o homem responsável pelo vazamento de informações que levaram a um dos mais importantes escândalos na história política recente americana. Edward Snowden tem 29 anos e trabalhava na consultoria Booz Allen. Foi funcionário da Agência de Segurança Nacional nos últimos quatro anos.
Na ASN se revoltou ao ver como o governo americano monitora pela internet a vida das pessoas. Nos servidores de companhias como Google, Microsoft e Facebook, os serviços de inteligência dos EUA têm livre acesso a emails, chats, compras — a tudo, enfim, que os cidadãos imaginam fazer protegidos pelos direitos de privacidade.
Snowden é o espião dos nossos tempos. Não um tipo afetado que fala inglês com um ovo na boca, tomando martíni e pilotando carros vintage, como Bond, mas um nerd que trabalha em casa com um computador e é ativista de direitos humanos.
Ele fez o cálculo certo: o fato de sair à luz do dia o torna um alvo mais difícil para quem quer que queira apagá-lo. Digamos, o governo americano. Além disso, ele declara que está seguindo um princípio moral: “Eu não tenho nenhuma intenção de esconder quem eu sou porque sei que eu não fiz nada de errado”.
Ele pediu para sair do armário, segundo o Guardian, jornal que publicou suas revelações. Para Glenn Greenwald, autor do furo, Snowden tem a mesma estatura de gente como Daniel Ellsberg e Bradley Manning. Ao entregar os documentos secretos da Agência de Segurança Nacional, ele adicionou um bilhete: “Eu entendo que vou sofrer por meus atos”.
Snowden foi entrevistado por Greenwald e outro repórter em Hong Kong, para onde se mudou (viveu no Havaí até maio). Ele optou por fugir para Hong Kong porque a China é um dos poucos países do mundo que não vão ceder a pressões de extradição dos Estados Unidos.
Sua explicação para ter se tornado o chamado “whistleblower” (o termo para definir quem passa segredos de estado para a imprensa) é quase prosaica: “Eu não quero viver numa sociedade que faz esse tipo de coisa… Eu não quero viver num mundo em que tudo o que eu faço e falo é gravado. Isso não é algo que eu vá apoiar ou aceitar”.
“Há coisas mais importantes do que dinheiro. Se eu fosse motivado por dinheiro, poderia ter vendido esses documentos para quaisquer países e ficado muito rico”.
Snowden é descrito como calmo, inteligente, simpático. É mestre em computação. Apoia organizações a favor da livre circulação de informações na internet. Está compreensivelmente tenso. Durante o encontro com os jornalistas, um alarme de incêndio disparou e ele entrou em parafuso. “Isso não aconteceu antes”, disse ele.
Desde que fez o check-in no hotel onde está hospedado, saiu apenas três vezes do quarto. A conta está alta. Ele coloca travesseiros na porta para se prevenir. Cobre a cabeça e o computador com um pano vermelho para que a senha não seja descoberta por câmeras ocultas.
Não votou em Obama ou Romney nas últimas eleições. “Votei num terceiro partido. Mas eu acreditei nas promessas de Obama. Ele continuou com as políticas de seu antecessor”.
Obviamente, não vê chance alguma de voltar aos Estados Unidos. Conta com a possibilidade de ser preso por violar o Pacto de Espionagem. Sua esperança é buscar asilo na Islândia, país com tradição de defensor dos direitos na web. “Acredito que tudo isso valeu a pena”, afirma Snowden. “Não tenho arrependimentos”.
*GilsonSampaio