Zero por cento de segurança
"Não é possível ter, ao mesmo tempo, 100% de segurança e 100% de privacidade com inconveniência zero."
Com essa frase, digna do cinismo mais patético, o presidente Barack
Obama tentou justificar o fato de seu país ter se transformado em um
verdadeiro ciber-Estado policial.
Graças à imprensa, descobrimos que o governo norte-americano usa o
dinheiro dos contribuintes para espionar suas próprias vidas, por meio
do monitoramento contínuo de ligações telefônicas e atividades na
internet. Mas eles podem ficar tranquilo, pois, como disse Barack, "não
vemos o conteúdo das ligações, só a duração e os números". Esta é a sua
maneira de glosar o slogan preferido de Bill Clinton: "Fumei, mas não
traguei".
Julian Assange, o mais conhecido preso político das ditas democracias
liberais, já havia advertido: "A internet, nossa maior ferramenta de
emancipação, está sendo transformada no mais perigoso facilitador do
totalitaris- mo que já vimos".
Com a invenção do fantasma da ameaça terrorista permanente, os Estados
democráticos encontraram, enfim, uma justificativa para agirem, de fato,
como Estados totalitários, fazendo a Stasi [polícia secreta da antiga
Alemanha Oriental], com suas técnicas grosseiras de vigilância, parecer
uma brincadeira de criança.
Ninguém precisa grampear seu telefone ou colocar um espião na sua cola
quando tudo o que você escreve alegremente no Facebook acaba,
necessariamente, nas mãos de um iluminado da Agência de Segurança
Nacional (NSA).
Eu mesmo tenho uma ideia: por que não colocar câmeras de observação nas
televisões, em vez de só se focar nos telefones e na internet? George
Orwell já demonstrou como essa técnica pode ser eficaz.
Mas a boa questão levantada pela frase de Obama é a seguinte: afinal, de
onde veio a ideia demente de que precisamos de 100% de segurança?
Nunca nos livraremos de jovens desajustados que montam bombas caseiras
ou fanáticos empunhando machadinha. Não há absolutamente nada que
possamos fazer para evitar isso. Podemos minorar a letalidade dessas
pessoas controlando a circulação de armas, e só.
O verdadeiro problema é termos chegado à situação de todo um país entrar
em pânico quando se associa um crime comum à palavra "terrorismo".
Pois, ao tentar realizar o sonho dos 100% de segurança, como se nossa
utopia social fosse um paraíso de condomínio fechado, acabamos por
acordar no pesadelo de um Estado que vira, ele sim, a fonte da pior das
inseguranças.
A insegurança da submissão voluntária ao controle contínuo de alguém que
reforça sua autoridade alimentando-se de nossos medos. A insegurança
do fim da vida privada.
Vladimir Safatle*comtextolivre
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