A educação não pode ser negociada na bolsa de valores
Cartelização da educação: Kroton e Anhanguera se unem e criam ‘monstro’ educacional mundial
Enquanto, no Congresso Nacional, vários
parlamentares têm atuado ostensivamente para defender os interesses do
setor privado de ensino, a qualidade da educação superior brasileira é
mais uma vez vilipendiada com a notícia, anunciada nesta segunda-feira
(22), da fusão entre a Kroton e a Anhanguera, dois dos maiores grupos de
educação responsáveis pela mercantilização e desnacionalização do
ensino superior do país, que agora se unem numa operação financeira que
cria o maior conglomerado de ensino do mundo, instaurando monopólio no
setor. A partir deste ano, 513 anos após a chegada da esquadra de Pedro
Álvares Cabral ao Brasil, o dia 22 de abril entra para história do país
não mais apenas como o dia do “descobrimento”, mas como símbolo real de
invasão, dessa vez do capital financeiro no ensino brasileiro, usurpando
não só dinheiro púbico, como também o papel estratégico da educação
para o desenvolvimento do país e os direitos de estudantes e
trabalhadores, substituídos pela busca de lucros.
Segundo a repercussão na imprensa
nacional, a companhia resultante da fusão teria faturamento bruto de R$
4,3 bilhões, mais de um milhão de alunos e valor de mercado próximo a R$
12 bilhões. O número de estudantes corresponde a 20% das matrículas no
Brasil, grande parte das quais à custa de dinheiro público, através de
programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o
Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior
(Proies), o qual permitiu que as instituições particulares de ensino
renegociassem suas dívidas tributárias com o governo federal,
convertendo até 90% do débito em bolsas de estudo, ao longo de 15 anos, e
reduzindo o pagamento em espécie a 10% do total devido.
A Kroton terá cerca de 57,5% da nova
empresa, enquanto os acionistas da Anhanguera ficarão com 42,5%. As
ações da Anhanguera serão incorporadas pela Kroton. Os atuais acionistas
da Anhanguera receberão 1,364 ação da Kroton após a aprovação da fusão,
que depende de análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade).
O presidente da empresa será Rodrigo
Galindo, atual presidente da Kroton, que foi indiciado na semana passada
no relatório da CPI do Ensino Superior da Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro (Alerj), juntamente com o vice-presidente de
Operações da empresa, Igor Xavier. A Kroton administrou entre 2008 e
2011 a Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura (Suesc ),
investigada na CPI.
Enquanto Galindo assume a presidência, o
conselho de administração passa a ser comandado por Gabriel Mário
Rodrigues, que lidera o conselho da Anhanguera. A manobra foi
concretizada exatamente após intensificação da cobrança para a aprovação
do projeto de lei que cria o Instituto Nacional de Supervisão e
Avaliação do Ensino Superior (Insaes) – ainda em tramitação na Câmara
dos Deputados – em função, justamente, da CPI da Alerj e da crise
envolvendo o Grupo Galileo. Não se trata, obviamente, de mera
coincidência, já que uma das atribuições do Insaes, no projeto, é a
prerrogativa de conceder autorização prévia a aquisições, cisões, fusões
e transferência de mantença das instituições.
Antecipando-se à criação do Insaes, a
fusão entre Kroton e Anhanguera representa mais uma vez, agora em maior
escala, um atentado a estudantes, professores, técnicos administrativos e
à educação como um todo, principalmente levando-se em conta a prática
costumeira que rege tais operações financeiras, denunciada
constantemente pela Contee: a demissão de trabalhadores e a
descaracterização completa dos projetos pedagógicos aprovados quando do
credenciamentos dos cursos e instituições.
Em seu comunicado oficial,
as empresas alegaram que “as instituições atuam de forma complementar,
oferecendo alta qualidade de ensino presencial e ensino a distância”,
que “ambas as companhias reforçam o compromisso com a democratização da
educação por meio da liderança dos programas de inclusão educacional
como o FIES e o ProUni” e que “Anhanguera e Kroton seguirão com o
compromisso diário de transformar a vida de milhares de pessoas por meio
da educação de qualidade”. A Contee e os trabalhadores em educação no
setor privado sabem, porém, que a preocupação é uma só: lucro. O anúncio
da fusão fez os papéis da companhias dispararem. Perto do meio-dia, a
ação da Kroton saltava 9,17%, a R$ 27,45, enquanto o da Anhanguera
disparava 8,2%, a R$ 36,95.
A Contee está avaliando juridicamente a
legalidade e a constitucionalidade da operação e envidará todos os
esforços para que tal absurdo educacional não se concretize, inclusive
junto ao Cade. De toda forma, depois das CPIs do Ensino Superior nas
Assembleias Legislativas do Rio de Janeiro e de São Paulo, é mais do que
urgente a instauração de uma CPI no Congresso Nacional para apurar
denúncias e irregularidades no setor. Além disso, mais do que nunca, é
imprescindível a regulamentação da educação privada no Brasil. Essa
fusão representa o auge de um crescente processo de mercantilização do
ensino superior privado, sistematicamente denunciado pela Contee, com a
injeção de capital estrangeiro nas instituições dominadas pelos grandes
tubarões do ensino, que visam ao lucro em detrimento da qualidade do
ensino. A educação não pode ser negociada na Bolsa de Valores.
*http://quemtemmedodademocracia.com/2013/04/25/a-educacao-nao-pode-ser-negociada-na-bolsa-de-valores/
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