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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, junho 25, 2013

A educação não pode ser negociada na bolsa de valores

ensino_privado_thumbCartelização da educação: Kroton e Anhanguera se unem e criam ‘monstro’ educacional mundial

Enquanto, no Congresso Nacional, vários parlamentares têm atuado ostensivamente para defender os interesses do setor privado de ensino, a qualidade da educação superior brasileira é mais uma vez vilipendiada com a notícia, anunciada nesta segunda-feira (22), da fusão entre a Kroton e a Anhanguera, dois dos maiores grupos de educação responsáveis pela mercantilização e desnacionalização do ensino superior do país, que agora se unem numa operação financeira que cria o maior conglomerado de ensino do mundo, instaurando monopólio no setor. A partir deste ano, 513 anos após a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, o dia 22 de abril entra para história do país não mais apenas como o dia do “descobrimento”, mas como símbolo real de invasão, dessa vez do capital financeiro no ensino brasileiro, usurpando não só dinheiro púbico, como também o papel estratégico da educação para o desenvolvimento do país e os direitos de estudantes e trabalhadores, substituídos pela busca de lucros.
Segundo a repercussão na imprensa nacional, a companhia resultante da fusão teria faturamento bruto de R$ 4,3 bilhões, mais de um milhão de alunos e valor de mercado próximo a R$ 12 bilhões. O número de estudantes corresponde a 20% das matrículas no Brasil, grande parte das quais à custa de dinheiro público, através de programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies), o qual permitiu que as instituições particulares de ensino renegociassem suas dívidas tributárias com o governo federal, convertendo até 90% do débito em bolsas de estudo, ao longo de 15 anos, e reduzindo o pagamento em espécie a 10% do total devido.
A Kroton terá cerca de 57,5% da nova empresa, enquanto os acionistas da Anhanguera ficarão com 42,5%. As ações da Anhanguera serão incorporadas pela Kroton. Os atuais acionistas da Anhanguera receberão 1,364 ação da Kroton após a aprovação da fusão, que depende de análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O presidente da empresa será Rodrigo Galindo, atual presidente da Kroton, que foi indiciado na semana passada no relatório da CPI do Ensino Superior da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), juntamente com o vice-presidente de Operações da empresa, Igor Xavier. A Kroton administrou entre 2008 e 2011 a Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura (Suesc ), investigada na CPI.
Enquanto Galindo assume a presidência, o conselho de administração passa a ser comandado por Gabriel Mário Rodrigues, que lidera o conselho da Anhanguera. A manobra foi concretizada exatamente após intensificação da cobrança para a aprovação do projeto de lei que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes) – ainda em tramitação na Câmara dos Deputados – em função, justamente, da CPI da Alerj e da crise envolvendo o Grupo Galileo. Não se trata, obviamente, de mera coincidência, já que uma das atribuições do Insaes, no projeto, é a prerrogativa de conceder autorização prévia a aquisições, cisões, fusões e transferência de mantença das instituições.
Antecipando-se à criação do Insaes, a fusão entre Kroton e Anhanguera representa mais uma vez, agora em maior escala, um atentado a estudantes, professores, técnicos administrativos e à educação como um todo, principalmente levando-se em conta a prática costumeira que rege tais operações financeiras, denunciada constantemente pela Contee: a demissão de trabalhadores e a descaracterização completa dos projetos pedagógicos aprovados quando do credenciamentos dos cursos e instituições.
Em seu comunicado oficial, as empresas alegaram que “as instituições atuam de forma complementar, oferecendo alta qualidade de ensino presencial e ensino a distância”, que “ambas as companhias reforçam o compromisso com a democratização da educação por meio da liderança dos programas de inclusão educacional como o FIES e o ProUni” e que “Anhanguera e Kroton seguirão com o compromisso diário de transformar a vida de milhares de pessoas por meio da educação de qualidade”. A Contee e os trabalhadores em educação no setor privado sabem, porém, que a preocupação é uma só: lucro. O anúncio da fusão fez os papéis da companhias dispararem. Perto do meio-dia, a ação da Kroton saltava 9,17%, a R$ 27,45, enquanto o da Anhanguera disparava 8,2%, a R$ 36,95.
A Contee está avaliando juridicamente a legalidade e a constitucionalidade da operação e envidará todos os esforços para que tal absurdo educacional não se concretize, inclusive junto ao Cade. De toda forma, depois das CPIs do Ensino Superior nas Assembleias Legislativas do Rio de Janeiro e de São Paulo, é mais do que urgente a instauração de uma CPI no Congresso Nacional para apurar denúncias e irregularidades no setor. Além disso, mais do que nunca, é imprescindível a regulamentação da educação privada no Brasil. Essa fusão representa o auge de um crescente processo de mercantilização do ensino superior privado, sistematicamente denunciado pela Contee, com a injeção de capital estrangeiro nas instituições dominadas pelos grandes tubarões do ensino, que visam ao lucro em detrimento da qualidade do ensino. A educação não pode ser negociada na Bolsa de Valores.
*http://quemtemmedodademocracia.com/2013/04/25/a-educacao-nao-pode-ser-negociada-na-bolsa-de-valores/

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