"O ovo da serpente tem ares “doce e família”
Eu acuso: os ovos da serpente!
No meio
da grande mobilização de massas um vírus, que precisa ser denunciado
publicamente, apareceu no meio do caminho, como o ovo da serpente de
Bergman
O MPL,
por conta de sua pluralidade, da justeza da causa, de seu compromisso
com a transformação social no Brasil, sua ousadia e coragem, tem o apoio
dos movimentos sociais brasileiros, da população no geral.
Vale um
brinde ao MPL pela histórica vitória da redução das tarifas (“Não são só
20 centavos!”) de trens, metrôs e ônibus em muitas cidades no Brasil.
Na
humildade, cabe registrar, muitos cidadãos e cidadãs, deram a cara à
tapa por essa causa e foram as ruas atrás desta conquista. Porém, não
nos entorpeçamos e como num embalo midiático do tipo “Pra Frente
Brasil”, típico da ditadura militar, não fiquemos reféns e cegos frente a
um fato alarmante, que passo a acusar.
No meio
da grande mobilização de massas um vírus, que precisa ser denunciado
publicamente, apareceu no meio do caminho, como o ovo da serpente de
Bergman.
Se, dias
desses, ao menos 77 jovens noruegueses reunidos num encontro foram
mortos por um homem armado movido por ódio ao multiculturalismo na
Europa e ao marxismo, uma face visível do mesmo ódio apareceu nas ruas
do Brasil, fato mobilizado por forças sociais vivas e organizadas. Eu
acuso: são fascistas e golpistas contra o governo do Brasil.
O MPL, pelo que se sabe, nada tem a ver com isso, bom que se diga.
Vândalos,
arruaceiros, baderneiros, dentre outros xingamentos, ao longo de mais
de quinhentos anos de reprodução de uma das sociedades mais desiguais do
planeta Terra, são epítetos e palavras escolhidas a dedo pelas elites
políticas no poder para gerar medo e reprimir com violência a luta dos
indígenas que aqui estavam havia cinco mil anos ao menos, de negros e
negras trazidos(as) escravizados(as) de África, de pobres camponeses,
moradores urbanos de vilas, favelas, quebradas, mangues, morros,
subúrbios e baixas periferias Brasil afora. Esse tratamento da questão
social aconteceu em Palmares, em Canudos, na Revolta da Vacina, no
Contestado, nas lutas contra as ditaduras brasileiras, em Eldorado dos
Carajás, nas aldeias do Mato Grosso do Sul.
Os
manifestantes pela redução das tarifas não eram vândalos, como não o era
a jornalista da Folha de São Paulo atingida no olho por bala de
borracha da polícia militar paulista na rua da Consolação, também não
era vândalo o fotógrafo da futura press gravemente ferido no olho, nem o
era o jornalista da TV Globo que levou um tiro na testa ou o repórter
da revista Carta Capital por portar vinagre em uma mochila.
Não eram vândalos nem os policias que trataram o povo nas manifestações como tal. Isso era outra coisa. Eu acuso.
O vírus,
o ovo da serpente, emergiu organizado do meio da massa, dos discursos
de setores midiáticos, de ações filmadas e gravadas ad infinitum, em
tempos de grampos eletrônicos globais.
Eu acuso
a existência de espécies de personalidades jurídicas coletivas por trás
de rostos sorridentes que emitem opiniões como se fora individuais nas
redes sociais. Eu acuso: aí está o fascismo, aí está o golpismo, feito
vírus na rede mundial.
Neymar
fez bela jogada e golaço contra o México. O hino nacional foi cantado
com imenso amor, a bandeira nacional tremulou, a rede mexicana balançou.
Mas, a cultura da alegria do povo brasileiro com o futebol está sob uma
ameaça. Não se trata só da sacanagem da FIFA, dos estádios erguidos com
dinheiro necessário para áreas prioritárias do social, como a saúde e a
educação. O futebol visto na copa das confederações nos envergonha
enquanto nação, porque a alegria do povo é de repente sequestrada em
favor de um formato de arquitetura de destruição, que empurra o povo
como mero consumidor de cervejas, cartões de crédito, produtos
esportivos etc. para fora dos estádios, virados em novos clubes para as
elites locais com ingressos adquiridos a peso de ouro. Ao povo resta a
TV ou o telão. A segregação social é nítida. Eu acuso: a FIFA expõe um
lado fascista.
Nas ruas
do Brasil, o mesmo hino nacional e a bandeira nacional passaram a serem
apropriados por setores barulhentos como discurso uniforme a serviço de
uma identidade predatória e intolerante com o diferente. Se Hitler fez
sucesso manipulando o rádio e o cinema, as novidades tecnológicas da
época, ao som do hino alemão, hoje, no Brasil, forças políticas
organizadas valem-se das redes sociais para levar às massas o discurso
de um neoverdeamarelismo claramente fascista e golpista, abusando da boa
fé popular. Isso eu também acuso.
Ao
trocarem a crítica necessária e inadiável aos partidos e aos políticos
do Brasil, aos sindicatos etc. por uma nítida mobilização de um ódio aos
partidos, aos políticos, sindicatos etc., como numa noite onde todos os
gatos são pardos, essas forças sociais vivas na sociedade brasileira
buscam atingir corações e mentes, ao estilo hitlerista, para criar
massas uniformes sob controle unitário. Isso eu vi e acuso.
Ao
buscar mobilizar o ódio contra a cor vermelha de bandeiras e camisas de
variada gama de movimentos sociais buscam se esconderem covardemente
atrás da bandeira do Brasil, como distinção maniqueísta entre o bem e o
mal. É a pulsação fascista e golpista em franco curso no Brasil. Isso eu
também vi e acuso.
Sem
partidos políticos, goste-se ou não, não há democracia. Sem democracia é
a ditadura. A pregação contra os partidos estava como dogma nas ruas.
Mas, no manual de agitação e propaganda no meio da massa, outro
ingrediente comum nos processos de golpe militar no Brasil,
particularmente no golpe contra o presidente eleito João Goulart em
1964, também se viu nas ruas do Brasil: a violência artificiosamente
articulada e organizada. Eu acuso: isso também se viu em vários lugares
do Brasil, como na Avenida Paulista, no dia 20 de junho de 2013, e uma
semana antes na Consolação com a Maria Antonia, ambos em São Paulo.
Essa
violência teve episódios por dentro da corporação policial, lugar onde
não se pode mais hoje descartar a hipótese da presença do vírus fascista
e golpista como um ovo de serpente.
Tem
outros episódios na criação orquestrada em todo o Brasil de um clima de
caos, pânico e destruição das instituições estabelecidas da democracia
brasileira atingindo indistintamente variados partidos e níveis de
governo. Foram atos organizados. Eu acuso.
Por um
lado, o ovo da serpente tem ares “doce e família”, quando sob a máscara
da bandeira e do hino do Brasil para ter simpatia das massas e trânsito
entre elas. Por outro lado se apresentam violentos, decididos e
contumazes no uso da força física, como bons soldados da causa golpista e
fascista sob um comando hierárquico definido, com estratégia e tática.
Eu acuso: isso está em curso no Brasil.
Assim
como Hitler precisou de defuntos famosos para impor sua força pelo medo,
aqui, além da morte de um estudante jovem católico em Ribeirão Preto
atropelado por um carro, uma gari também morreu vitimada por ataque
cardíaco causado por bombas de gás em frente à prefeitura de Belém do
Pará. Mas o processo em curso procura por defuntos famosos. Não à toa o
Sr. Prefeito de São Paulo e a Sra. Presidente da República foram eleitos
como os defuntos pretendidos para alimentar o ódio no Brasil e
impulsionar a vitória da causa fascista e golpista. Isso eu acuso.
O ataque
espetacular (para gerar espetáculo, ao gosto de Hitler na famosa
destruição do parlamento alemão de 1933) ao Itamaraty em 20 de junho de
2013 não deixa dúvidas da intenção covarde contra o povo brasileiro,
seus símbolos e valores mais caros, como sua representação no concerto
das nações. Isso é prova inconteste que o nacionalismo é usado como mera
fachada, porque quem de fato canta o hino e veste a camisa do Brasil
não destruiria o Itamaraty. Jamais. Isso eu acuso.
Importa
aqui acusar que a cara desse novo fascismo e golpismo não é aquela do
homem de bigodinho nem dos militares de caserna de 1964. Se Hitler fez
da crise do capitalismo de 1929 o asfalto para sua estrada de poder e
horror, agora, a crise financeira mundial de 2008 quer colocar os
Estados Nacionais e suas democracias em xeque-mate, para serem
capturadas sob o domínio ditatorial de um tecnocrata do mercado
financeiro globalizado, como se viu na Grécia falida e na Itália. Pode
ser também um engravatado de extrema direita sorridente que se recruta
em qualquer canto e se dá a devida maquiagem midiática. Isso eu também
acuso.
Frente à
crise econômica mundial, ao abaixar os juros no Brasil, Dilma Roussef
sofreu a ira das aves de rapina do mercado financeiro globalizado. Eu
também acuso. Como o Brasil não é a Islândia, as garras dos capitais
sedentos por mercados passariam a buscar colocar o Brasil na parede, com
o governo assediado por tenebrosas transações do mercado mundial de
capitais, especulação financeira contra a moeda e a economia
diuturnamente. Dois casos escabrosos são oferecidos pelos mercados: a
saúde como grande mercado para fundos internacionais e a educação como
outro grande mercado para marcas internacionais. Uma overdose de fusões,
aquisições e intensa concentração de capitais, captação de políticos e
formação de oligopólios gigantescos verticalizaram esses setores, como
ocorrera com a destruição da cadeia da indústria nacional de alimentos
nos anos dourados do neoliberalismo no Brasil dos anos 1990.
Ao
atacar com palavras de baixo calão as mulheres feministas da Marcha
Mundial de Mulheres, assim como a UNE, UBES, Levante Popular, PSOL,
PSTU, PT e Sindicatos de modo generalizado, a avenida paulista e o
Brasil assistiram na prática a aplicação da máxima hitlerista: estimule o
ódio. Humilhe-os para provocá-los, dizia Hitler sobre os comunistas,
judeus, negros, homossexuais, ciganos, eslavos, chinos. É o ovo da
serpente espalhado nas ruas do Brasil. Eu acuso.
Deixar a
política para os políticos profissionais e transformar a democracia
brasileira numa democracia só de procedimentos, como o voto a cada dois
anos em eleições, faz com que o sangue do povo brasileiro, seus sonhos e
direitos sociais e políticos corra num rio paralelo ao mundo da
política oficial de gabinetes, ternos e gravatas. Tal sangue é sugado
para alimentar a sede das forças fascistas e golpistas. Isso eu também
acuso.
Sem
Reforma Política o Brasil para, porque todo mundo no Brasil já sabe que o
preço de certos políticos é muito barato, fácil os trinta dinheiros
romanos os compram e os põem como empregados de luxo para os mais
vergonhosos apetites sobre o Brasil. Como o povo, para muitos políticos é
uma mera abstração, o povo abstrato é leiloado a troco do dinheiro real
do financiador da campanha em diante. Isso eu também acuso.
Por
exemplo, as jogatinas políticas do setor de transportes nacionais tem um
rastro histórico de muitas mortes. É o caso urgente de se proibir
empresas de transportes de financiarem campanhas eleitorais para após a
eleição serem proibidas de vir humilhar o povo, aumentar as tarifas,
tirar-lhes o suado dinheiro do bolso, o tempo, o conforto, a dignidade
humana. Isso eu também acuso.
É
preciso desmentir o bordão “O povo acordou”, “O gigante acordou”. Isso
por respeito a milhões de homens e mulheres que construíram a democracia
brasileira, muitos deles trabalhadores que acordam muitas vezes às
quatro da manhã para pegar transporte e chegar na hora do serviço. O
povo não estava dormindo. O povo brasileiro sempre lutou! Sempre esteve
acordado! Não somos vira-latas! Isso de bordões etéreos, feito fogos de
artifício soltos ao vento e que desconsideram a história e a dura
realidade das periferias brasileiras também é fascismo e golpismo. Eu
acuso.
Ao
ameaçarem um conjunto de jovens da periferia de São Paulo que
pacificamente carregavam uma faixa que denunciava o genocídio da
juventude na periferia de São Paulo, obrigando-os a enrolar a faixa, foi
a intolerância que dormitava que acordou. Ao queimarem um palco
histórico do samba e da cultura negra no Rio de Janeiro, os fascistas e
golpistas expuseram sua cara racista. Isso eu acuso.
É que
papai noel não existe. Nenhum direito social no Brasil caiu do céu, o
povo lutou sempre e teve inegáveis conquistas. Assumir um discurso das
elites, que sempre tacharam o povo brasileiro de preguiçoso, vagabundo
etc., isso é culpar as vítimas.
As
manifestações indicam inegáveis méritos, mas uma visão triunfalista e
a-histórica choca o ovo da serpente e doura o enredo fascista e golpista
em curso no Brasil. Isso eu também acuso.
A
empáfia de certos políticos brasileiros que olham o povo de cima para
baixo precisa ser denunciada. Ela transforma o povo brasileiro em
números frios, gados marcados eleitorais, estatísticas de marqueteiros,
números em pesquisas qualitativas, para a manipulação de especialistas
de toda ordem, consultores e auditores de toda ordem que servem de
cortes políticas, manipulação de gigantescos bancos de dados. Tudo isso
substitui a interlocução direta com os movimentos sociais. Dessa fonte
tecnocrática também bebe o mar do golpismo e do fascismo. Isso eu também
acuso.
Qualquer
gerenciamento de pobres como método de governo também se transmuta em
um outro rio que achata a dimensão humana das pessoas no Brasil. Se o
gerenciamento da pobreza gera estatísticas e fluxos, não alimenta
sonhos, mas castra o sonho de uma plenitude cidadã que todo homem, toda
mulher, livres por natureza, têm direito. Dessa fonte também bebe o mar
de golpismo e fascismo em curso no Brasil. Eu também acuso.
Mas
acima de tudo, o fascismo e o golpismo em curso no Brasil pode devorar a
democracia brasileira, hoje legitimamente constituída e duramente
conquistada.
É preciso superar a desigualdade social no Brasil.
Se seu
coração é vermelho, não o deixe arrancarem do peito, nem o deixe fazê-lo
parar de bater. A cultura da violência graça no Brasil nas vestes de
cavaleiros atrás da aventura golpista e fascista. Ponha o sal nas mãos e
como Gandhi convide as pessoas ao seu redor para construir um presente
de direitos sociais reais e paz.
Fascistas, Golpistas: Não Passarão! É preciso dizer isso publicamente, antes que os ovos choquem!
*Sérgio José Custódio, economista formado pela UNICAMP, presidente do MSU, Movimento dos Sem Universidade.
*Mariadapenhaneles