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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
sábado, dezembro 13, 2014
classe capitalista constrói suas fortunas promovendo um grande assalto ao Estado e às empresas estatais.
Quando são perguntados sobre como ficaram ricos e construíram fortunas, os empresários sempre respondem que foi com “muito trabalho”. Escondem, assim, tanto a exploração que realizam do trabalhador quanto o roubo que fazem dos cofres públicos por meio de fraudes em licitações, contratos superfaturados, empréstimos que recebem de bancos estatais com juros subsidiados e até mesmo as milagrosas ajudas do Estado para comprar outras empresas ou salvá-los da falência. Mas, a mentira tem perna curta.
De fato, a Operação Lava Jato da Polícia Federal (PF) deixa bastante claro que as maiores empreiteiras do país se tornaram grandes empresas não com o trabalho de nenhum dos seus donos, mas com o roubo descarado que realizaram da nação brasileira, em particular, da maior empresa pública do país, a Petrobras. Segundo a PF, as empreiteiras Camargo Correa, OAS, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Iesa, Engevix, UTC e Toyo Setal formaram um cartel para fraudar licitações, impor altos preços nos contratos, corromper funcionários da estatal, e ganhar rios de dinheiro.
Embora somente este ano o esquema tenha sido revelado, o cartel das empreiteiras vem há décadas manipulando licitações, dividindo as obras entre as empresas e superfaturando os preços. Já está comprovado até o momento que o cartel agiu em contratos que superam 59 bilhões de reais.
Embora somente este ano o esquema tenha sido revelado, o cartel das empreiteiras vem há décadas manipulando licitações, dividindo as obras entre as empresas e superfaturando os preços. Já está comprovado até o momento que o cartel agiu em contratos que superam 59 bilhões de reais.
Vejamos alguns exemplos da ação do cartel das empreiteiras. A construção da Refinaria Abreu e Lima em Pernambuco foi aprovada custando US$ 2,5 bilhões de dólares; após alguns anos, seu custo foi elevado para US$ 18,5 bilhões. A obra da Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Coperj)), localizada no município de Itaboraí, inicialmente orçada em R$ 6,5 bilhões, agora, custa R$ 13,5 bilhões.
O lobista Fernando Soares, delatado por Alberto Youssef como o operador do PMDB no esquema, conseguiu que sua empresa assinasse 86 contratos com a Petrobras num valor total de R$ 131,6 milhões. Esse mesmo Fernando Soares recebeu da empresa Toyo Setal, segundo acusou um diretor, US$ 40 milhões, depositados em contas do lobista no Banco Winterbothan no Uruguai. Em troca, a Petrobras comprou sondas de perfuração da Toyo com preço acima do mercado.
O resultado dessa roubalheira, além de causar prejuízos bilionários à Petrobras e tornar nosso país mais pobre, aumentou de forma gigantesca os lucros dessas empreiteiras. Com efeito, balanços divulgados pelas empresas que formam o cartel mostram que elas faturaram juntas US$ 56 bilhões em 2013.
Para realizar esses crimes contra a Petrobras e o povo brasileiro, as empreiteiras se reuniam, combinavam que obra cada uma iria fazer, decidiam que valor cobrar e acrescentavam um percentual para corromper diretores e funcionários da estatal e para financiar os partidos políticos da base aliada do governo – PT, PP e PMDB. O dinheiro desviado para os funcionários da Petrobras e para os partidos era transferido por meio de empresas de consultoria que assinavam contratos com as empreiteiras, depositado em contas secretas no exterior ou como doações legais de campanha. Como informa despacho do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela investigação e considerado um dos maiores especialistas em lavagem de dinheiro: “o produto do crime decorrente do ajuste dos procedimentos licitatórios e do preço foi, sucessivamente, lavado pelas empreiteiras por meio do doleiro Alberto Youssef”.
O navio afunda, mas o rato se salva
Assim que ocorreram as primeiras prisões, os ratos começaram a brigar para ver quem seria o primeiro a pular do navio (ou seria da plataforma?). Um após outro foram assinando acordos de delação premiada (benefício concedido a um criminoso delator, que aceite colaborar na investigação, entregando os outros criminosos em troca de não ficar na cadeia ou ter sua pena reduzida). Entre os que fizeram acordos de delação premiada, estão o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef, dois executivos do grupo Setal – Júlio Camargo e Augusto Ribeiro de Mendonça Neto – e o engenheiro Pedro Barusco, gerente-executivo de engenharia da Petrobras. Segundo a Polícia Federal, também fazem parte do esquema, Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional e Renato Duque, diretor de serviços da Petrobras.
Na delação premiada, os criminosos se comprometem a devolver parte do que roubaram. Os números do que cada um desses criminosos desviou para as suas contas pessoais dão ideia de como surge um milionário, de onde vêm os milhões que os partidos burgueses e pequeno- burgueses gastam na campanha eleitoral e como as grandes empresas se tornaram multinacionais bilionárias.
O Paulo Roberto Costa se comprometeu a devolver R$ 70 milhões, mas, depois disso foram descobertos 23 milhões de dólares em seis contas que possui na Suíça. O engenheiro Pedro Barusco, gerente-executivo de engenharia da Petrobras, devolverá a bagatela de R$ 252 milhões, mas continuará de posse de sua casa avaliada em R$ 8 milhões, bem como do que estiver depositado em contas de familiares. O doleiro Alberto Youssef assumiu restituir R$ 55 milhões.
Corrupção ou extorsão?
Para tentar diminuir as penas dos corruptores, famosos advogados dos grandes escritórios de advocacia estabeleceram como linha de defesa de seus milionários clientes a tese de que os donos das empreiteiras foram vítimas de extorsão dos funcionários da Petrobras e dos partidos burgueses. Vejamos o que disse o advogado do vice-presidente da gigante Mendes Júnior: “A empresa que não fizesse pagamento não receberia a fatura a que teria direito legalmente”.
Também, os grandes meios de comunicação do país, TV Globo à frente, tentam apresentar as empreiteiras como vítimas de extorsão dos diretores da Petrobras ou dos partidos políticos que indicaram esses diretores.
É claro que sem a ajuda dos diretores da Petrobras denunciados e sem o apoio dos partidos políticos que influenciaram nas escolhas dos diretores da estatal, não teria sido possível nenhum crime contra o patrimônio nacional. Porém, como bem questionou o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, “É muito difícil acreditar que atividades empresariais dessa estatura possam ter sido alvo de concussão¹ que as levasse a fraudar licitação e dividir mercado para obter um lucro excelente como resultado. Ninguém é obrigado a ganhar dinheiro e a lucrar com uma atividade ilícita. Como a concussão te obriga a fazer um cartel, fraudar licitação e ganhar um dinheirão? Está sendo extorquido para ganhar dinheiro, para botar 100 milhões no bolso?”
Entretanto, o cartel das empreiteiras não atua apenas na Petrobras, mas em todos os estados e empresas públicas do país. É só observar que são sempre as mesmas empresas que constroem estações de metrô, viadutos, rodovias, enfim, que realizam as obras públicas. Não bastasse, somente nas eleições desse ano, essas mesmas empresas do cartel que atua na Petrobras repassaram R$ 53,3 milhões para a campanha de Dilma Roussef (PT) e R$ 19,2 milhões para a campanha de Aécio Neves (PSDB). Doações legais, mas, sem dúvida, imorais.
Uma história de corrupção
A verdade é que as empreiteiras se tornaram gigantes por terem sugado e espoliado o Estado e as empresas públicas. Quando da Ditadura Militar, a maioria delas eram pequenas empresas, mas graças à colaboração que deram ao regime militar, ganharam concorrências de grandes obras como a Ponte Rio-Niterói, a Transamazônica, as hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, as usinas nucleares de Angra, a Ferrovia do Aço, etc.
Após a redemocratização, o esquema continuou funcionando, pois a propriedade privada dos meios de produção continuou sendo santificada em nosso país. Essas mesmas empreiteiras, em particular, OAS, Odebrecht, Camargo Correa e a Andrade Gutierrez, passaram a financiar os partidos burgueses para ganhar as eleições e em recompensa recebiam obras superfaturadas para executar. Com as privatizações das estatais no governo de FHC, as empreiteiras se tornaram proprietárias de lucrativas empresas estatais como petroquímicas, empresas de telefonia, de energia elétrica, de água, etc.
Associadas a grandes bancos e sempre apoiadas pelo sucessivos governos federais de 1995 até hoje, estenderam seus tentáculos para vários países da África e da América Latina. Mesmo assim, como mostra a Operação Lava-Jato, e apesar de todo discurso contra a intervenção do Estado na economia, elas não dispensam nenhuma obra pública, como fica evidente na construção dos estádios para a Copa do Mundo, nas hidrelétricas de Jirau e Belo Monte, na transposição do Rio São Francisco, na Transnordestina, etc.
Diante de todo esse escândalo e roubo do patrimônio nacional, é de se lamentar a postura da presidenta Dilma, que acabou de ser reeleita pelo povo brasileiro. Falando sobre o caso, disse somente que “Isso pode mudar o país para sempre”, e que “as investigações vão continuar”. Ora, é preciso mais que palavras, é preciso ação; o governo deve adotar imediatamente medidas efetivas para proteger os interesses nacionais, declarar, como pediu o Procurador-Geral da República, as empreiteiras como empresas inidôneas, isto é, impedidas de participar de licitações ou de fechar contratos com a administração pública federal, do contrário, as fraudes continuarão. Mais: confiscar todos os bens dessas empresas e de seus executivos, obtidos, como está provado, por corrupção, e que o dinheiro seja usado na saúde, na educação, no saneamento e para garantir teto, escola e vida digna para todas as crianças pobres do Brasil.
Mas por que tudo isso acontece?
Portanto, diferente das afirmações dos economistas e políticos burgueses de que os investimentos privados são essenciais para garantir o crescimento econômico, o que ocorre é que a classe capitalista constrói suas fortunas promovendo um grande assalto ao Estado e às empresas estatais. É graças a esse roubo que as empresas privadas conseguem obter enormes lucros e se tornam grandes empresas. Sem os repasses do Estado para os empresários por meio de obras superfaturadas, pagamento dos títulos da dívida pública, empréstimos com juros subsidiados, isenções fiscais, como no caso das montadoras de automóveis, ou mesmo de privatizações de empresas públicas, aeroportos e rodovias, construídos com dinheiro público, a chamada “iniciativa privada’ não passaria de um castelo de areia.
Assim, em vez de empreendedorismo e da falácia de que a propriedade privada é fundamental para desenvolver a economia e garantir os empregos, o que realmente ocorre é que os monopólios privados são um entrave para o desenvolvimento do país; basta verificar quantas casas populares, quantos hospitais, quantas universidades, quantas refinarias poderiam ser construídos com esses bilhões que as empreiteiras roubaram da Petrobras.
Em outras palavras, a grande empresa privada é um câncer em qualquer sociedade moderna. Enquanto ela existir, continuará acontecendo o roubo das riquezas nacionais e a corrupção. Pior, além de assaltarem o patrimônio público, os empresários também expropriam o trabalhador. Com efeito, o operário recebe um salário miserável, embora o que ele produz com o seu trabalho seja muito superior em valor ao que ele ganha, como afirma Marx: “o operário não produz para si, mas para o capital”.
Resumindo, as grandes empresas privadas, além de depenarem a Petrobras e nossas riquezas, como o pré-sal, para aumentar suas fortunas, também enganam o trabalhador, massacram-no e o obrigam a trabalhar mais que um burro de carga. Essas são as principais razões para o crescimento das riquezas capitalistas, para surgirem os milionários em nosso país e não a “visão do futuro” ou o “espirito animal dos empresários”. Até porque, o trabalho das empreiteiras é realizado pelos operários e não pelos seus donos.
Tudo isso ajuda a entender bem quais são as diferenças de um partido comunista revolucionário para um partido burguês ou pequeno-burguês, isto é, enquanto os partidos burgueses e pequeno burgueses consideram essencial a propriedade privada para desenvolver a economia, têm uma relação promíscua com a classe capitalista e ajudam-na a acumular cada vez mais capital, o partido da classe operária e os comunistas revolucionários lutam pelo fim da propriedade privada dos meios de produção e o estabelecimento da propriedade social e por uma revolução socialista que destrua o Estado burguês e construa o Estado da classe operária e dos camponeses. Com a propriedade coletiva dos meios de produção, todas as riquezas produzidas passam a pertencer à sociedade e não a uma minoria de pessoas, acaba a divisão entre ricos e pobres e, consequentemente, o egoísmo e a ganância, pois todos terão os mesmos direitos e os mesmos deveres.
Lula Falcão, diretor de A Verdade e membro do comitê central do PCR
¹ Concussão: o ato de exigir para si ou para outrem, dinheiro ou vantagem em razão da função, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.
ONU lança Década Internacional dos Afrodescendentes
Presidente da Assembleia Geral afirmou que pessoas de descendência africana sofrem racismo em todos os países; ministra brasileira Luíza Bairros participou do evento na sede da ONU.
por Edgard Júnior Do: onumulheres
A ONU lançou nesta quarta-feira(10/12), em Nova York, a “Década Internacional dos Afrodescendentes”, que terá início em 1º de janeiro de 2015 e terminará em 31 de dezembro de 2024.
O presidente da Assembleia Geral, Sam Kutesa, disse na abertura do evento “que as pessoas de descendência africana sofrem racismo em todos os países”. O tema da iniciativa é “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”.
A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil, Luiza Bairros, participou da cerimônia na sede da ONU. Em entrevista à Rádio ONU ela falou sobre a importância da Década Internacional. “O lançamento da Década é um momento de muita alegria para nós no Brasil porque o país teve um papel muito importante em todo o processo de negociação que resultou na aprovação da Década. Com isso, nós poderemos agora fazer com que todos os Estados membros da ONU possam reiterar a sua capacidade de pensar que a situação dos afrodescendentes no mundo pode ser diferente.”
Bairros disse ainda que os governos podem trabalhar de uma outra forma assumindo como responsabilidade primária o combate ao racismo e seus efeitos.
Direitos – A ministra falou também sobre o que o Brasil tem feito para combater esse crime.
“O que nós fazemos é pensar em termos de que todo mundo tem que ter direitos. Por isso trabalhamos tanto na direção do cumprimento imediato da lei de cotas que foi aprovada pelo Congresso nacional. Em 2014, conseguimos a aprovação de uma outra lei que garante 20% das vagas de concursos públicos para candidatos e candidatas negros. E fora isso, há uma série de programas que existem estabelecidos no governo federal que buscam criaroportunidades para as pessoas negras.”
Racismo enraizado – O presidente da Assembleia Geral da ONU afirmou ainda que os próximos 10 anos vão permitir que sejam analisados os desafios enfrentados pelos afrodescendentes em relação ao racismo enraizado na sociedade.
Durante a próxima década, os Estados serão encorajados a ajudar as pessoas de descendência africana reavaliando políticas e práticas que têm um impacto negativo sobre essas comunidades.
Segundo a ONU, será também uma oportunidade para “unir as vozes” e renovar a disposição política para eliminar a discriminação racial contra qualquer pessoa, em qualquer lugar.
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CNV: Sistema da Volkswagen para vigiar funcionários na ditadura foi criado por criminoso nazista
Em constante contato com o Dops paulista, aparelho de segurança interna da multinacional foi montado por Franz Paul Stangl, chefe do campo de extermínio de Treblinka durante o nazismo, diz relatório final da comissão
Franz Paul Stangl, conhecido criminoso nazista que havia fugido para o Brasil após o fim da Segunda Guerra, foi o responsável pela montagem do sistema de segurança interna daVolkswagen, usado pela multinacional para vigiar e monitorar os funcionários da fábrica de São Bernardo do Campo durante o período da ditadura militar. A revelação está no relatório final da CNV (Comissão Nacional da Verdade), entregue nesta quarta-feira (10/12) à presidente Dilma Rousseff após mais de dois anos de investigação.
No capítulo dedicado à repressão aos operários, intitulado ‘Violações de direitos humanos dos trabalhadores’, a CNV escreve que Stangl, preso no Brasil em 1967 e extraditado para a Alemanha, foi o “funcionário da Volkswagen do Brasil responsável pela montagem do setor de vigilância e monitoramento” da unidade do ABC paulista. O aparato acompanhava de perto o dia a dia da fábrica e, especialmente atento às atividades sindicalistas consideradas “subversivas”, estava em constante contato com órgãos da repressão do governo brasileiro na ditadura.
[Em reprodução do livro-reportagem 'Into that darkness', de Gitta Sereny, Stangl aparece posando para fotógrafo em Düsseldorf]
Procurada por Opera Mundi, a assessoria de imprensa da multinacional alemã respondeu ao conteúdo do relatório da CNV. “A Volkswagen investigará qualquer indicação de uma eventual participação de funcionários no fornecimento de informações ao regime militar no País. A Volkswagen é reconhecida como um modelo por tratar seriamente a sua história corporativa. A empresa irá lidar com este assunto da mesma forma.” Neste ano, como revelado por Opera Mundi, a sede alemã da empresa já havia sido questionada por acionistas quanto ao papel exercido na ditadura militar. Em resposta aos questionamentos, a Volkswagen disse que iria esclarecer sua relação com o governo de exceção.
Leia mais sobre o conteúdo do relatório final da CNV:
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“Existe uma profusão de documentos que comprovam a cooperação da empresa [Volkswgen do Brasil] com órgãos policiais de segurança do Dops”, afirma o texto final da CNV. Uma das provas citadas pela comissão é um relatório enviado ao Dops por este setor de segurança interna da multinacional relatando a atividade sindical. O documento, encontrado nos arquivos da polícia política paulista, apresenta “um resumo” informativo, comunicando, por exemplo, a realização de um comício na portaria da Volkswagen, em 26 de março de 1980 — mais de dez anos depois de Stangl ter sido capturado no Brasil.
No documento, o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva alertava os próprios metalúrgicos sobre o monitoramento ao qual estavam sujeitos na montadora alemã. “Dentro da Volks, a segurança fica de olho em vocês através de um circuito de televisão. Tomem cuidado, porque os tenentes do Exército que trabalham aí têm um circuito fechado de televisão onde conseguem ver vocês dentro da sessão”, dizia o futuro presidente da República no comício sindical.
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A CNV, após as investigações, apurou que há evidências de um “padrão de monitoramento, controle e repressão fabril altamente complexo” na fábrica paulista da Volkswagen — que teria sido implantado pelo criminoso nazista. “Divisões de recursos humanos, de segurança patrimonial e outras, sob o comando do Estado, articulando-se regionalmente e compondo uma rede estatal-privada destinada a conter, disciplinar e reprimir, para obter maior rendimento no trabalho, operários e operárias”, conclui a Comissão Nacional da Verdade.
No relatório da CNV, ainda consta o depoimento de um sindicalista e ex-funcionário da Volkswagen, Lúcio Bellentani, que relata ter sido preso e torturado pela ditadura na própria fábrica da multinacional em São Bernardo do Campo. “Estava trabalhando e chegaram dois indivíduos com metralhadora, encostaram nas minhas costas, já me algemaram. Na hora em que cheguei à sala de segurança da Volkswagen já começou a tortura, já comecei a apanhar ali”, conta Bellentani.
Mais adiante no relatório, no capítulo'Civis que colaboraram com a ditadura', a Volkswagen do Brasil também é mencionada como apoiadora — inclusive, com aportes financeiros — de órgãos como o Ipês (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), GPMI (Grupo Permanente de Mobilização da Fiesp) e Oban (Operação Bandeirantes). "Isso constituiria uma linha de continuidade, desde o golpe, na relação de empresários com a estrutura coercitiva do regime e a perpetração de graves violações dos direitos humanos", escreve a CNV.
[Preso na Alemanha, Stangl, em entrevistas concedidas à historiadora Gitta Sereny, em 1971]
Stangl, chefe de Treblinka
Austríaco de nascimento, Franz Paul Stangl foi o comandante nazista da SS responsável por chefiar os campos de extermínio de Sobibór e Treblinka, na Polônia ocupada pelo III Reich alemão. Depois do fim da Segunda Guerra, Stangl chegou a ser preso na Áustria, mas conseguiu escapar para Roma com sua família. Ali, como tantos outros oficiais católicos da SS, obteve apoio do bispo Alois Hudal no Vaticano.
Segundo o livro Nazis on the run (“nazistas em fuga”, sem edição no Brasil), do historiador austríaco Gerald Steinacher, Stangl recebeu das mãos do bispo católico um documento de viagem como “refugiado” da Cruz Vermelha [na foto abaixo, à direita]. Com o certificado, o nazista chegou a passar pela Síria antes de desembarcar no Brasil, em definitivo, em 1951. No consulado austríaco em São Paulo, o fugitivo, embora fosse criminoso mundialmente procurado, registrou-se com seu nome original e passou a viver legalmente no país, sem alterar a identidade, a partir de 1954.
A historiadora austríaca Gitta Sereny, no livro-reportagem No meio das trevas (Editora Otto Pierre, 1981), que conta a história de Stangl, diz que, embora a Volkswagen seja geralmente citada como uma das empresas que “fornecia ‘cobertura’ a fugitivos nazistas”, não há como provar que a montadora agiu de má fé ao empregar Stangl — o nazista só conseguiu o trabalho em outubro de 1959, após oito anos de uma vida modesta no Brasil, ela argumenta. Para Sereny, é mais provável que Stangl tenha sido indicado para o cargo por sua esposa Theresa, que batia ponto na Mercedes-Benz.
[Imagem do documento da Cruz Vermelha, em italiano, entregue pelo bispo Hudal de Roma a Franz Paul Stangl]
Por outro lado, a historiadora aponta que não houve movimentos, nem por parte das autoridades, nem por parte da multinacional alemã, para investigar o caso, no mínimo, suspeito. “Parece que a ‘Lista dos Procurados’ nunca foi checada pelo consulado austríaco em São Paulo, embora seu nome figurasse por lá desde 1964. E aparentemente nem uma pessoa sequer na Volkswagen procurou fazer qualquer pergunta, muito embora tanto seus colegas de trabalho quanto seus chefes pelo menos sabiam o nome de Stangl e presumivelmente liam os jornais”, afirma Gitta Sereny.
Stangl foi preso na noite de 28 de fevereiro de 1967 em uma operação do Dops comandada pelodelegado José Paulo Bonchristiano, ex-chefe da Divisão de Ordem Política do órgão. A polícia política paulista — que posteriormente usou a operação para se defender das acusações de que “só prendia comunistas” — foi informada do paradeiro do criminoso internacional por Simon Wiesenthal, conhecido “caçador de nazistas”. “Se eu fosse entregue aos judeus estava perdido”, ainda teria dito após a captura Stangl ao delegado do Dops, referindo-se ao serviço secreto de Israel, segundo reportagem de Marcelo Godoy no Estadão.
Após ser extraditado para a Alemanha, Stangl foi julgado pelo assassinato em massa de 900 mil pessoas e condenado à prisão perpétua em dezembro de 1970. No fim da vida, admitiu os crimes, mas ressalvou: “Minha consciência está limpa. Estava apenas cumprindo meu dever”. Franz Paul Santl morreu na prisão em 28 de junho de 1971 enquanto ainda apelava da sentença.
O substituto: coronel Rudge
Quem substituiu Stangl na Volkswagen foi o coronel Adhemar Rudge, que chefiou a Divisão de Segurança Industrial e Transporte da Volkswagen a partir de junho de 1969, permanecendo na empresa até 1991, quando se aposentou. O oficial do Exército era engenheiro de formação e dominava o idioma alemão. Quatro anos após a saída de Stangl, o setor de segurança da Volks já contava com mais de 40 funcionários em 1971, recrutados na polícia e também entre os quadros das Forças Armadas.
“Nunca houve terroristas nas fábricas. Nós preveníamos, eventualmente, com alguma troca de informações com o Dops”, conta o próprio coronel Rudge, ao jornalista José Casado, de O Globo.
Reprodução/Câmara Municipal de Mogi das Cruzes
Aos 88 anos, coronel Adhemar Rudge, que trabalhou na Volkswagen entre 1969 e 1991, recebe condecoração da Câmara de Mogi das Cruzes
Aos 88 anos, coronel Adhemar Rudge, que trabalhou na Volkswagen entre 1969 e 1991, recebe condecoração da Câmara de Mogi das Cruzes
Documento encontrado por Opera Mundi no acervo do Dops paulista, disponível no Arquivo Público do Estado de São Paulo, mostra um memorando de “comunicação interna”, em papel timbrado da Volkswagen, assinado por Adhemar Rudge.
ReproduçãoNo documento (veja imagem ao lado), que acabou circulando no setor de informações do Dops, o coronel comunica à empresa das atividades sindicais em andamento na região monitoradas por sua equipe. Entre os destinários das informações estão a presidência da companhia, a diretoria de produção e a divisão jurídica.
ReproduçãoNo documento (veja imagem ao lado), que acabou circulando no setor de informações do Dops, o coronel comunica à empresa das atividades sindicais em andamento na região monitoradas por sua equipe. Entre os destinários das informações estão a presidência da companhia, a diretoria de produção e a divisão jurídica.
No último dia 26 de junho, aos 88 anos de idade, o coronel Rudge — descendente do bandeirante Gaspar Vaz — foi recebido com honrarias na Câmara Municipal de Mogi das Cruzes, quando foi concedido a ele o título de Cidadão Mogiano. Ao longo de sua trajetória, chegou a ser diretor da Polícia Civil, membro da UNEF (Força de Emergência da ONU) e representante do “Pessoal Civil” no governo Castello Branco (1964-1967), indicado por Luiz Antonio da Gama e Silva que, futuramente, viria a ser, como ministro da Justiça, idealizador do o AI-5 (Ato Institucional nº 5).
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