Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Muita coisa se fala e se sugere sobre o COVID-19. Teorias conspiratórias de um lado, afirmações infundadas do outro. E no meio, a população e seu livre arbítrio para escolher a quem abraçar. De repente, pessoas se tornam as mais preparadas para opinar, sem qualquer embasamento e mínimo estudo.
Causa indignação que muitas dessas (des)informações ganhem espaço em meio de comunicação popular. Vi essa semana, por exemplo, um debate entre uma respeitada e gabaritada socióloga, a professora Sabrina Fernandes, e uma dissidente cubana, Zoe Martinez, no canal brasileiro da CNN. Não era um debate, mas uma troca entre evidências e fatos, contra mentiras e ódio. A clara realidade entre Ciência vs. Fake News.
A tal (pseudo)cubana, só faltava espumar pela boca cada vez que ouvia a professora argumentar com trabalhos e relatórios científicos. Para essa sujeita, cuja expressão facial e o tom de voz mostram destempero e desespero, o vírus causador da pandemia é obra laboratorial do Partido Comunista Chinês e tudo é culpa do comunismo e da esquerda mundial. Sabrina Fernandes, calma e serena como toda pessoa centrada, inteligente e segura do que estava falando, rebatia cada acusação infundada com maestria – inclusive, para a raiva final de Martinez, apontou e elogiou o humanismo das brigadas de médicos cubanos que assistem vários países.
Na sequência ao debate, a emissora entrevistou o médico Anthony Wong, diretor do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FM-USP, e diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Toxicológicos e Farmacológicos. Para o médico (!), é um erro o isolamento social, pois isso poderia trazer mais problemas de saúde no aspecto psicológico, como a depressão e suicídio. Ele também usa um artigo escrito em 1985, para argumentar que o vírus não resiste ao calor, indicando que não há necessidade do isolamento social ao qual estamos submetidos, e que tudo não passa de “uma pandemia de fake news e notícias alarmantes”. No entanto, esquece-se (por ignorância ou mau-caratismo?) que o vírus, existente desde os anos de 1960 sofreu mutação, o que pode tê-lo tornado capaz de sobreviver inclusive à novas temperaturas – comportamento que ninguém ainda sabe como será. Ainda de forma tendenciosa, afirma que o calor do Brasil é o responsável pelas baixas taxas de infecções, e não as medidas do isolamento social.
Contrariando suas colocações, o estudo de ANDERSON et al. (2020) publicado na respeitada e conceituada revista médica The Lancet, informa que o verão no Hemisfério Norte talvez não seja capaz de reduzir a transmissão, e que cabe sim aos governos adotarem medidas para minimizar as taxas aceleradas de disseminação, assim como a inevitável crise econômica. Para os autores, as medidas adotadas pela China mostram que a quarentena, o distanciamento social e o isolamento das pessoas infectadas são as mais eficientes para a contenção da epidemia. Estudos recentes também afirmam que a elevação de 20 graus na temperatura ambiente retardaria a reprodução do vírus, no entanto isso apenas reduziria sua propagação em 18%, sendo o restante (82%) proporcionado pelas políticas de contenção e medidas sanitárias.
Mas enquanto alguns “experts” minimizam o efeito dessa pandemia, os números não mentem: mortes crescendo em ritmo alarmante em países que subestimaram e não adotaram medidas preventivas, como Itália e Espanha, estão sendo divulgados diariamente.
O desconhecimento de como tal vírus possa atuar, é algo que preocupa ainda mais. Ainda que 80% das pessoas sejam assintomáticas ou manifestem levemente a doença (contra 14% tendo doença grave e 6% gravemente doentes), o tempo de duração do período infeccioso do COVID-19 parece ser mais longo para esse vírus, o que requer ainda mais atenção e cuidados. Chamam atenção também para um relaxamento nas medidas de controle justamente para evitar um impacto econômico mais grave, mas que pode acarretar um pico adicional de infecções.
Não duvido que exista uma guerra comercial – o que justifica essa briga de acusações para com a China, inclusive com o recurso baixo das fake news. Mas sinceramente, se havia algum interesse em desestabilizar a atual situação político-econômica, não seria da China, cujo crescimento médio nos últimos dez anos foi de 6%, ante os 2% dos ianques. É óbvio o ressurgimento da nova crise do capital – para vários pesquisadores e especialistas, como o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, podendo ser pior do que a de 1929 – refletindo na perda de valor do dólar, quedas nas ações das bolsas, guerra no preço do petróleo – sem contar que esse ano é ano eleitoral no EUA, e não se pode descartar uma jogada política de Trump.
É lamentável – mas não surpreende – a postura de certas lideranças e empresários defendendo a volta a rotina de trabalhos, sacrificando a vida de “5mil, 7 mil pessoas”, o que mostra que a preocupação com o dinheiro se sobrepõe exatamente sobre a vida humana. O que tanto defendem, sob a falsa bandeira do “caos social”, nada mais é do que seu capital e lucros. Ou será que esses mesmos estavam se importando com os cortes nas políticas públicas e assistencialistas que o atual (des)governo fez? Como sempre, tentam defender suas riquezas e interesses financeiros, sem jamais pensarem nas pessoas – essa é a lógica capitalista!
E por conta desse tipo de desinformação, temos no BraZil a única nação onde parte da população é contra as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)! Pessoas que acreditam em qualquer asneira que Bolsonaro fala, e colocam suas vidas e a de terceiros em risco ao ignorar as recomendações de quarentena – tanto que embaixadas dos EUA e da Inglaterra estão solicitando o retorno de seus cidadãos. Como disse o professor Lejeune Mirhan em seu recente artigo intitulado Pandemia, neoliberalismo e saídas para a crise, “essa gente tem uma concepção malthusiana de sociedade, onde não importa que morram alguns milhões, mas o importante é salvar a economia da catástrofe financeira que se avizinha”. Eis que ganha voz o chamado “darwinismo social” e sua visão eugênica, distorcendo a seleção natural, como bem lembra o referido professor.
A essa altura, com disseminação e mortes causadas pelo COVID-19, não devemos mais polarizar as discussões a respeito. O que deve nos direcionar é o bom senso, coisa que a direita fascista desconhece e prefere apostar no caos. Enquanto o mundo sofre e se solidariza, por aqui ainda vemos prevalecer o espírito do ódio, da ignorância e da ganância...justamente por parte daqueles que defendiam “família acima de tudo, Deus acima de todos”.
*Professor, Biólogo, Doutor em Etologia, Mestre em Ciências
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