do cidadã do mundo
Com o dedo no gatilho
Por Mel Frykberg [Sexta-Feira, 25 de Junho de 2010 às 15:43hs]
"Onde está meu papai? Por que não volta para casa? Quero meu papai”, soluça a palestina Yasmin, de sete anos, com seus grandes olhos azuis cheios de lágrimas. Todas as noites, acorda chorando. “Minha vida começou quando conheci Ziad. Nunca conhecerei outro homem tão maravilhoso”, disse amãe de Yasmin, Moira Julani. A menina tem duas irmãs: Hannah, de 17 anos, e Mirage, de 15, ambas cidadãs norte-americanas.
Moira, cujo nome de solteira era Reynolds, nasceu no Estado do Texas, de onde partiu há 17 anos para iniciar uma nova vida com seu marido em Jerusalém. Agora perdeu sua alma gêmea. Ziad Julani tinha 41 anos e vivia em Jerusalém oriental. Há duas semanas, as forças especiais israelenses dispararam várias vezes contra sua cabeça e abdome enquanto jazia, ferido, no chão. Uma ambulância o levou para o hospital, onde morreu pouco depois. Os soldados israelenses acusaram Ziad de tentar atropelar dois soldados que caminhavam pela rua.
Entretanto, testemunhas contam que o carro de Julani virou levemente quando uma pedra bateu em seu parabrisa, assim, sem se dar conta, foi parar no meio de um confronto entre soldados israelenses e jovens palestinos que jogavam pedras. Dois soldados levemente feridos e dois colegas abriram fogo contra o automóvel de Julani, atingindo seu ombro. Julani entrou em pânico e dirigiu um pouco mais, até que chegou a uma rua sem saída.
Segundo testemunhos compilados pelo Jerusalem Centre for Social and Economic Rights, em seguida Julani saiu do carro. Quatro policiais das forças especiais o haviam seguido e voltaram a atirar várias vezes contra ele, antes que caísse ao chão. Em seguida, um dos policiais disparou outra vez, a curta distância, em ambos os lados da cabeça e no abdome, antes de chutá-lo. As testemunhas que tentaram ajudar Julani apanharam com cacetetes. Uma sofreu 20 pontos na cabeça. Outros transeuntes ficaram feridos, entre eles uma menina de cinco anos, quando polícia e soldados dispararam balas de aço recobertas com borracha.
As autoridades israelenses acusaram Julani de tentar cometer um “ataque terrorista” e de ter “antecedentes penais”. “Há cerca de um mês, soldados israelenses deram uma surra em Ziad quando tentava rezar na mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém. Ficou detido cerca de duas horas e foi liberado, sem acusações. Talvez um desses soldados tivesse raiva do meu marido”, disse Moira à IPS. “Ele não estava envolvido na política e nem pertencia a nenhum grupo político. Era um homem pacífico com antecedentes cosmopolitas, que quando criança viveu na Suíça e depois estudou química farmacêutica nos Estados Unidos. No dia em que o mataram planejava levar a família a passeio ao Mar Morto”, acrescentou.
A ocupada Jerusalém oriental se converteu em uma panela de pressão, cheia de raiva e ressentimento, na medida em que a judaização que Israel realiza nessa parte da cidade implica, cada vez mais, em destruição de casas palestinas, jogando famílias na rua para dar espaço aos colonos. Com o aumento das tensões, vários palestinos fazem ataques contra israelenses na parte ocidental de Jerusalém, utilizando veículos e tratores, matando e ferindo vários.
As autoridades israelenses usam estes incidentes como argumento para a “autodefesa” na grande quantidade de casos em que palestinos desarmados foram mortos a tiros pelas forças de segurança, a curta distância, apesar de não representarem ameaça.
No começo deste ano, os Serviços de Segurança de Israel baixaram uma lei da mordaça contra a imprensa em relação à prisão domiciliar da jornalista israelense Anat Kamm, que copiara documentos secretos das forças armadas israelenses enquanto realizava seu serviço militar.
Esses documentos dizem que esquadrões israelenses estavam assassinando ativistas palestinos, alguns desarmados, em lugar de prendê-los, em flagrante violação da decisão da Suprema Corte do Estado judeu. Kamm foi acusada de traição. A IPS informou sobre vários casos em que jovens palestinos da Cisjordânia morreram vítimas de disparos nas costas e na cabeça. As forças de Israel inicialmente alegaram que usaram munições não letais, agindo em defesa própria após serem atacadas.
Depois, investigações das próprias forças admitiram o uso de munição comum e que em alguns casos os soldados envolvidos usaram uma “força excessiva”. As autópsias realizadas pela Turquia nos ativistas mortos a bordo do navio Mavi Marmara, que em 31 de maio liderava uma flotilha humanitária com destino a Gaza, também indicaram que vários cadáveres receberam diversos disparos na cabeça, feitos à curta distância, como parte da política israelense de “matança de confirmação”.
“Pedimos uma investigação independente sobre o assassinato de meu marido. Não queremos que as forças de segurança israelenses investiguem a si mesmas”, disse Moira. Desde a morte de seu marido, os funcionários de segurança israelenses prenderam quem filmou a matança e confiscaram suas câmeras, eliminando os registros.
Com informações de IPS/Envolverde
Mel Frykberg
do Revista Fórum
A condenação do Cristo marxista
Se a eleição do cardeal Ratzinger como supremo pontífice da Igreja Católica constituiu um acontecimento cuja gravidade poucos subestimaram, a superação integrista das contradições do Concílio Vaticano II já se delineava claramente no pontificado de seu antecessor, João Paulo II, quando as bases sociais da Teologia da Libertação foram firmemente atacadas.
Em 1983, ao visitar a América Central, suas homilias mantiveram fina sintonia com o projeto do governo Reagan para a região. Em Manágua, o papa não apenas não correspondeu às expectativas do povo nicaraguense de condenação clara às agressões incentivadas pelo imperialismo estadunidense, como também deu ênfase ao que mais dividia o governo sandinista e a hierarquia eclesiástica, à época: o da fidelidade dos sacerdotes e religiosas à igreja e à exigência de não participarem na responsabilidade da gestão governamental. Uma declaração de guerra aos partidários de um cristianismo progressista. Reafirmação classista de uma instituição multissecular.
Na Guatemala, um dos países em que a repressão dos governos militares fez mais vítimas entre os religiosos, João Paulo II não só visitou o presidente Ríos Montt, conhecido por ordenar massacres contra a oposição, como permitiu que o general lhe pedisse o afastamento de sacerdotes da política. Nos discursos papais não houve qualquer protesto contra fuzilamentos sistemáticos; apenas menções genéricas a Direitos Humanos. O Cristo do Vaticano, ao contrário do de Saramago, não deu ouvido a comunidades indígenas e camponesas tratadas como estrangeiras em seus próprios países.
Embora saiba muito bem que estão implícitas, na violência que se expande, a questão do poder, dos interesses econômicos nacionais e internacionais, além das considerações geopolíticas, o Jesus do "L'Osservatore" ignora que a promessa anunciada só se efetivará provocando uma transformação radical da condição social do homem. No livro de Saramago, Jesus, filho de José e amante de Madalena, vive a Paixão dos novos sujeitos. Seu sacrifício é a labuta das populações negras, o sofrimento das índias e o sangue camponês que jorra nos latifúndios.
A coexistência de um papado ultra-reacionário com governos de extrema-direita, como foi o de Bush, implica uma luta mundial de idéias que, não duvidem, será muito intensa. A crítica a uma religião de mercado, que exige o sacrifício de vidas humanas e o aniquilamento de natureza é a batalha da esquerda de nosso tempo.
Nessa guerra, ao contrário do que afirma o Vaticano, o Cristo de Saramago é aliado fundamental. Nas páginas do “Evangelho segundo Jesus Cristo", a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista. Um sistema de crenças que, para validar a opressão, necessita de uma metafísica negativa sobre os homens e sua história.
Saramago provocou a ira da cúpula da Igreja Católica ao reafirmar a modernidade e os valores de igualdade e liberdade. Foi isso que seu Cristo Marxista proclamou. Não de maneira idílica, mas de forma dialética, como reafirmação de vidas que devem transcender a si mesmas, eliminando práticas e relações que geram opressão e miséria.
O teatro nuclear
A “comunidade ocidental” procura tranqüilizar-nos informando que hoje há 40 mil armas nucleares menos que nos tempos críticos da Guerra Fria. O que eles nos dizem é: durante a guerra fria a capacidade nuclear existente poderia destruir o mundo centenas de vezes. Mas, agora, todos podem se acalmar pois os lideres mundiais, que são muito racionais, informam que fizeram um acordo e o mundo poderá ser destruído apenas algumas dezenas de vezes. Nesse terreno estamos mais próximos do Teatro do Absurdo do que propriamente da política internacional. O artigo é de Reginaldo Nasser.
Reginaldo Nasser (*)
A proliferação de armas nucleares e um possível desarmamento se encontram entre os principais temas da agenda política mundial apesar de as chamadas armas leves e portáteis (pistolas, rifles, metralhadoras leves, lança-granadas, morteiros, armas anti-tanques móveis e lança-foguetes, inclusive lança-mísseis anti-aéreos portáteis) serem as verdadeiras armas de destruição em massa. A Small Arms Survey realizou pesquisa em 2009 que confirma o crescimento contínuo do comércio global dessas armas. O valor do comércio mundial de atingiu US $ 2,9 bilhões em 2006, um aumento de 28% desde 2000. Os Estados Unidos, aparecem como o maior exportador e o maior importador dessas armas que entre 2001 e de 2006 foram responsáveis pela morte de 450.000 pessoas.
O ano de 2010 se revela de particular importância na questão nuclear. O acordo firmado entre Rússia e os Estados Unidos sobre a redução da armas nucleares estratégicas, a publicação do informe Nuclear Posture Review que identifica a capacidade nuclear que a administração Obama espera para os próximos quatro anos e a conferência de avaliação do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Curioso notar que os Estados que possuem armas nucleares (Estados Unidos, Rússia, França, Inglaterra e China – todos signatarios del TNP- possuem 90% das armas nucleares sendo o restante distribuído entre Índia, Paquistão e Israel) são os que mais reivindicam um “mundo sem armas nucleares.”
A mídia saudou como um grande passo para a paz o encontro ( maio) entre o Nobel da Paz, Obama, e o recém admitido na “comunidade ocidental”, Medvedev, em que acordaram reduzir seus arsenais estratégicos em torno de 1550 ogivas para cada um. Especula-se que, atualmente, existam em torno de 23.000 armas nucleares, ou em outras palavras, 150.000 explosões nucleares como a de Hiroshima – não fique abismado que é isso mesmo! Mas a “comunidade ocidental” procura tranqüilizar-nos informando que são 40.000 menos que nos tempos críticos da Guerra Fria. Vamos traduzir em números, mais uma vez. O que eles nos dizem é: durante a guerra fria a capacidade nuclear existente poderia destruir o mundo centenas de vezes. Portanto, agora pode-se acalmar que os lideres mundiais, que são muito racionais, informam que fizeram um acordo e o mundo poderá ser destruído apenas algumas dezenas de vezes.
A administração Obama apresentou a sua reformulação da estratégia nuclear como algo completamente revolucionário. Agora, diferentemente da era Bush, ao invés de reservar a possibilidade de ataques nucleares, em resposta a um ataque nuclear, ou um ataque por outras formas de destruição em massa (como armas químicas e biológicas) os EUA declaram que o papel fundamental de seu arsenal é impedir eventuais ataques nucleares ao pais e seus aliados. A chamada revisão da estratégia declara que "os EUA não pode usar ou ameaçar usar armas contra os não-nucleares que fazem parte do tratado de não proliferação nuclear, ou seja Irã e Coréia do Norte ainda se constituem em um possível alvo.
Pergunto se agora algum lugar do mundo se sente seguro com esta nova declaração no caso de uma crise ou uma guerra com o envolvimento dos EUA. Você sabe realmente quando ou como um Estado nuclear poderá realmente usar o seu arsenal para proteger seus interesses? Você acha que é razoável correr esse risco?
Além disso, a decisão de excluir estados com armas nucleares, não-signatários do TNP, parece contraproducente como bem assinalou o especialista Stephen Walt. Pois, se o Irã continua a ser um alvo nuclear, mesmo quando não tem suas próprias armas isso apenas poderá lhe dar incentivos adicionais para perseguir uma opção das armas nucleares pelos mesmos argumentos que os EUA justificam em ter o seu próprio arsenal.
Se o governo dos EUA acredita que o papel fundamental das armas nucleares é impedir um ataque, e agora diz que ainda reserva a opção de usar armas nucleares contra o Irã, então não seria razoável concluir que o Irã ou qualquer outro pais, da mesma forma, poderia usar um arsenal nuclear para sua segurança cujo papel fundamental seria o de impedir que os EUA façam isso?
Creio que nesse terreno estamos mais próximos do Teatro do Absurdo do que propriamente da política internacional.
(*) Professor de Relações Internacionais da PUC-SP
do Carta Maior