O dogma liberal do estado mínimo está em xeque. Seu culto cresceu nas últimas décadas com o predomínio da tese de que o governo deve ficar fora da economia, eliminando as empresas estatais e acabando com as leis que regulam a ação do capital.
A hipocrisia liberal, contudo, não foi derrotada, como mostra o clamor dos grandes jornais contra o que apelidam de "estado empresarial", título de um editorial onde a Folha de S. Paulo (08.03.2010) alertava contra os investimentos do BNDES e dos fundos de pensão que podem criar, diz o jornal uma situação "nociva ao país".
A pressão privatista cresceu à medida em que, no Brasil, a ameaça mais aguda da crise econômica mundial foi ficando para trás. E, hoje, envolve desde a participação do BNDES no fomento de investimentos e fortalecimento de empresas brasileiras, até os esforços de regular a propaganda de alimentos ou o registro de ponto dos trabalhadores.
A palavra liberalismo é enganosa. Ela insinua a defesa da liberdade mas não confessa que essa é, na verdade, liberdade para o capital, e não para os trabalhadores. Para estes, ela é designada por outra palavra: democracia. E que quase nunca anda junto com aquela. Aliás, para impor a liberdade do capital, os liberais precisam reprimir os trabalhadores - por isso seu regime anda de mãos dadas com as piores ditaduras conhecidas, e representa atentados contra os direitos políticos e sociais do povo e das nações.
É nesse sentido que liberalismo é sinônimo de desregulamentação (ou desburocratização) e que o capital e os capitalistas defendem a quebra de todas as leis que colocam limites à busca ensandecida do lucro.
A gritaria da mídia contra o que os neoliberais chamam de intromissão do Estado tem o sentido de combater aquilo que encaram como ameaças contra a livre ação do capital. Assim, os grandes jornais e as entidades ligadas à indústria de alimentos e à publicidade se levantaram contra a regulamentação pela Anvisa da comercialização de alimentos e que exige a elaboração de rótulos com a indicação clara dos produtos nocivos à saúde contidos neles. Esconderam, sob a alegação de defesa da "liberdade de expressão" e da "soberania" do consumidor, o "direito" de fabricantes continuarem escondendo informações necessárias ao bem estar e à saúde dos consumidores.
Tudo em defesa, claro, do sacrossanto lucro! A controvérsia causada pela regulamentação do ponto eletrônico tem o mesmo sentido. A questão que provoca a ira patronal é o aprimoramento do controle de um direito do trabalhador e que pode inibir as fraudes que enfrentam na hora de receber o valor correspondente às horas trabalhadas. A força de trabalho é a mercadoria que o trabalhador vende para a burguesia e a forma de medir esse fornecimento é o registro do número de horas trabalhadas. Este é um direito do trabalhador e o aprimoramento de sua regulamentação é uma ação legal para coibir todos os abusos e fraudes. Contra a liberdade absoluta do capital, enfim.
Quando a ação do governo envolve investimentos financeiros para fomentar o desenvolvimento, a gritaria beira à histeria. É o que se assiste em relação ao plano de criação de uma empresa estatal de seguros para operar as grandes obras de infraestrutura que estão em andamento. Elas envolvem valores muito elevados (fala-se em algo em torno de 17 bilhões de reais em 2009), prometendo lucros que os empresários privados não querem perder.
Há uma grita generalizada na mídia conservadora contra o uso do poder do estado para fomentar o desenvolvimento. O jornal O Estado de S. Paulo, em editorial de 16.07.2010, se referiu criticamente, em editorial, ao que denominou "generosa oferta de apoio financeiro ao trem bala com recursos estatais" oriundos de empréstimos feitos pelo BNDES, condenando a criação de uma empresa estatal (a ETAV) para operar a nova e moderna ferrovia. E usava um argumento hipócrita, repetido pelo candidato oposicionista José Serra e seus parceiros tucanos: o trem bala não é necessário, sugeria o editorial, mesmo porque existem "tantas carências na área de saúde, de educação, de habitação e condições de vida nas cidades". Na mesma linha, José Serra criticou a obra alegando que o dinheiro investido nela daria para construir outras obras de infraestrutura, dando o exemplo infeliz (no caso dele), do metrô. Daria para construir 300 quilômetros de metrô, alegou, deixando uma pergunta no ar: por que não fez isso quando foi governador de São Paulo?
O próprio O Estado de S. Paulo reconhece que o BNDES faz mais investimentos do que o FMI e o Banco Mundial somados, e só em 2009 aplicou 137 bilhões de reais para alavancar o desenvolvimento. "Tudo passa hoje pelo BNDES", anotou em um artigo (11.07.2010) que tinha o objetivo de demonizar a ação do governo.
O governo Lula, particularmente no segundo mandato, empenhou-se na reconstrução da economia brasileira. De um lado, juntamente com as centrais sindicais, adotou a política de recuperação do salário mínimo e da renda do trabalhador. Do outro lado, amparou as empresas brasileiras, fortaleceu a produção nacional e criou empregos. Aplicou uma política oposta à dos tucanos e dos neoliberais, cuja preocupação central sempre foi a defesa dos interesses do capital e da capacidade do governo para pagar os altos juros que ele impõe.
Os resultados estão à vista, e a hipocrisia liberal investe contra eles por oportunismo político eleitoral (a velha tática de dizer que está tudo errado, mania que já perdeu a credibilidade popular) e também em defesa dos interesses de classe da grande burguesia, principalmente daquela que vive de juros e é aliada incondicional (e histórica) do capital estrangeiro.
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